“Sucesso é trabalho, conhecimento jurídico e relacionamento com o cliente”

Na primeira parte da entrevista a LexLatin, advogado avalia o que vai permanecer e mudar no modelo de gestão dos grandes escritórios brasileiros/Divulgação
Na primeira parte da entrevista a LexLatin, advogado avalia o que vai permanecer e mudar no modelo de gestão dos grandes escritórios brasileiros/Divulgação
Fernando Alves Meira, managing-partner do Pinheiro Neto Advogados, fala do processo de co-gestão do escritório e desafios pós-pandemia.
Fecha de publicación: 10/11/2021

Fernando Alves Meira está enfrentando um dos maiores desafios de sua carreira. O advogado, que assessora clientes em operações envolvendo M&A (onshore e offshore), governança corporativa, structured finance e direito societário, foi eleito, no final de 2020, sócio-cogestor do escritório Pinheiro Neto Advogados para o biênio 2021-2022 e sócio-gestor único entre 2023-2025.

Como líder de um das principais firmas da América Latina, Fernando Meira é uma espécie de farol do mercado, um lugar para se olhar e buscar exemplos a serem seguidos por advogados e escritórios em assuntos como administração, governança corporativa e boas práticas da indústria jurídica, entre tantas outras questões. 

A entrevista a LexLatin está sendo publicada em duas partes. Nesta primeira entrega, o advogado fala do modelo de administração de grandes escritórios e desafios do setor legal no país e no mundo. Acompanhe a seguir.


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Como está sendo realizar esta transição na direção do escritório entre você e o Alexandre Bertoldi?

O Alexandre já está na posição de gestor do escritório há muitos anos e propôs um plano de sucessão olhando o melhor interesse da firma. Esse plano está sendo implementado da seguinte forma: na assembleia do final do ano passado fui eleito para ser o novo sócio-gestor, mas durante o ano de 2021 e 2022 o Alexandre e eu dividimos a cadeira.

Estamos os dois como cogestores. É um processo de transição muito suave para que eu possa gradualmente absorver o conhecimento e o dia a dia do escritório. A partir de janeiro de 2023 fico como o sócio-gestor e o Alexandre vai ficar como chairman do nosso comitê diretivo.

Temos uma idade de aposentadoria compulsória que comporta algumas exceções em caráter extraordinário aos 65 anos. Então, a ideia é que o Alexandre conclua o ciclo dele no escritório como chairman do Comitê Diretivo, que é o órgão de onze sócios que determina as grandes políticas do escritório.

O sócio-gestor é quem implementa. Tenho muita amizade, respeito e admiração pelo Alexandre. Nos conhecemos desde que eu entrei no escritório em 1989. Estamos fazendo uma transição muito bem estruturada, com muita calma e alinhamento.

Qual sua estratégia para dirigir a firma sozinho a partir de 2023? Quais serão suas três principais prioridades?

Primeiro temos que equacionar alguns ajustes finos no nosso modelo entre remuneração e o desempenho de sócios, respeitando que existem modelos distintos na sociedade. Para buscarmos mais harmonia e ter um tratamento justo, temos que fazer um ajuste. Temos um modelo de remuneração de sócios muito bem testado e com sucesso ao longo dos anos, mas fizemos alguns ajustes.

O segundo tema que é prioritário é a questão da diversidade, igualdade e inclusão. Entendemos que o escritório construiu a sua reputação, ao longo dos anos, sempre fazendo aquilo que parece ser o certo. Isso, obviamente, nos dá muito pertencimento e orgulho, e é alguma coisa que faz parte da nossa cultura e nos ajuda, inclusive, no processo de atração e retenção de talentos do escritório. Temos feito várias iniciativas olhando tanto a questão de gênero quanto a questão racial.

São agendas complexas, não tem atalho, não tem bala de prata. Sempre tivemos uma cultura de desenvolvimento de pessoas. Pessoas menos favorecidas fizeram carreiras aqui dentro.

A terceira prioridade é ter um planejamento mais estratégico. Nós, no Brasil, estamos sujeitos sempre ao ambiente macroeconômico, às tensões do dia a dia e aos altos e baixos. Então, é muito difícil fazer previsões e planejamentos. Mas temos que, cada vez mais, conseguir olhar para dentro da nossa casa. Quais são as práticas mais promissoras? Quais são as práticas que estão crescendo? Como eu faço a mensuração de lucratividade? Como eu olho para baixo e vejo as pessoas que estão vindo - que são as pessoas que prometem ser o futuro do escritório? Como eu faço um esforço para que essas pessoas cheguem onde eu quero que elas cheguem? Quais são as ferramentas que eu preciso tirar da minha caixa de ferramentas para alcançar com mais velocidade e com mais consistência os nossos objetivos?

Qual o segredo do sucesso para um escritório estar entre os maiores do país?

Nosso negócio é fundamentalmente de pessoas. Se eu tiver as melhores pessoas aqui dentro, se eu continuar atraindo os melhores profissionais, dar treinamento, conseguir oferecer trabalho de qualidade para eles, conseguir que essas pessoas cresçam aqui dentro, com orgulho e pertencimento, vistam a camisa do escritório, eu tenho um ciclo virtuoso. É o que nos trouxe até aqui.

Se eu consigo pegar um caso complexo, trabalhar bem com as pessoas que eu tenho aqui dentro e o cliente ficar satisfeito, esse cliente tende a me usar em um próximo caso. Esse cliente tende a fazer um referral para alguém que pergunte como foi a experiência com seu advogado.

O profissional, para ser bem sucedido em um escritório de advocacia, precisa ser um excelente advogado  mas isso, por si só, não é suficiente. Cada vez mais essas pessoas precisam olhar para uma série de outros atributos: relações interpessoais dentro e fora do escritório, desenvolvimento de uma rede de relacionamento, que é o que alimenta reputação,  e passagem de casos.

Então, mesmo quando você está envolvido no caso, com uma vida pessoal extremamente comprometida, não dá para deixar para amanhã o esforço para estar próximo a outros clientes, nossa rede de relacionamento. Porque aquele caso que você está envolvido, em algum momento, vai exigir menos a sua atuação e envolvimento, e você precisa estar com um outro caso vindo num pipeline. Então, constantemente, o advogado precisa ter essa visão empreendedora.


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Quais são as oportunidades que eu estou identificando que ninguém está identificando? Tem uma área nova que está se desenvolvendo, ninguém aqui no escritório está indo atrás, eu quero ser essa pessoa. Se eu desenvolver essa área, eu tenho ali uma prática que vai me levar adiante.

No final, sucesso é capacidade de trabalho, conhecimento jurídico, relacionamento interpessoal, reputação e proximidade com o cliente. É uma série de ingredientes que, somados, vão te alavancar na sua carreira.

Todos nós sócios precisamos estar conscientes e praticando essas iniciativas e os associados que estão vindo abaixo têm que começar a se desenvolver com esse outro olhar. Não só para ser um bom executor de um caso muito cedo. É isso que vai otimizar as chances de carreiras para eles e, no dia que atingirem a sociedade, de serem sócios também bem-sucedidos.

O sócio precisa formar equipe, treinar pessoas, se envolver nos casos, manter relacionamento, representar o escritório institucionalmente, tem uma série de atribuições. Então, para você conseguir ser um bom sócio, você já precisa ir desenvolvendo essas capacitações ao longo da sua carreira.

Qual modelo vocês querem ser para o mercado brasileiro e latino-americano? 

Nosso escritório, na minha visão, é o mais institucionalizado no Brasil. Já temos uma história construída ao longo de 80 anos, em que o próprio sócio-fundador anteviu o final de carreira dele e fez um plano de transição estruturado. O escritório, ao longo dos anos, já passou por várias transições e manteve sempre muita consistência.

Nosso modelo prestigia a cultura dos integrantes que estão aqui. Tem uma força de união, consistência e uniformidade muito grande. É aquela história de um grande navio que faz movimentos lentos, com muita consistência, em direção a um norte. Nossa firma não é escritório de dono ou que exista um grupo político que determina as políticas e todos os demais obedecem, não é um escritório que tem uma estrutura top-down, é um partnership verdadeiro, com regras muito transparentes.

É um modelo de horizontalidade. Todos os sócios têm o mesmo poder político dentro da sociedade. Os critérios de transparência e governança são muito sofisticados e já vem sendo praticado há muitos anos. Isso faz com que ele ande muito bem com as suas próprias pernas. Cada sócio é responsável pela sua unidade de negócios. É um centro de resultado e um centro de acompanhamento da gestão. Mas o sócio, em si, tem muita responsabilidade e interesse por aquela prática, unidade ou grupo que ele lidera dentro do escritório.

Fernando Meira

Isso dá senso de pertencimento e, ao mesmo tempo, uma visão empresarial. Melhorias graduais são alcançadas com diálogo na sociedade. Nós não temos visões pré-concebidas. Fazemos reuniões de sócios e discutimos, dentro dos fóruns apropriados, medidas que possam ser adotadas, ajustes finos aqui e ali. Estamos sempre olhando para a concorrência, para aquilo que está acontecendo como tendência da indústria de prestação de serviços jurídicos, dentro e fora do Brasil.

Temos o privilégio de não precisar ser sempre aquele que vai ser o mais vanguardista e vai fazer experimentos. Podemos observar e aí sim tomar uma decisão. Temos uma base de clientes muito consistente que nos alimenta com casos complexos e desafiadores. O legado que nós temos de reputação, prestação de serviços, qualidade dos nossos integrantes, do treinamento que oferecemos para os nossos advogados, na capacidade de desenvolver parcerias com resultados positivos para os nossos clientes, tudo isso faz com que o escritório tenha muita consistência.

Como foi atravessar esse momento de pandemia?

A pandemia mostrou, mais uma vez, essa resiliência do escritório. Uma coisa que nunca tinha sido enfrentada, que parecia ser uma grande ameaça, o escritório conseguiu, através da força dos seus integrantes, da confiança dos seus clientes, da união entre os sócios, todo mundo assumiu para si a responsabilidade de enfrentar juntos esse desafio. Ninguém pode deixar nenhuma ponta solta. Vamos estar próximos dos clientes, nos envolver com ainda mais energia e foco nos casos.

Perseguimos os melhores resultados e seguramos na mão dos nossos integrantes, tratando todo mundo da maneira mais justa possível. Não desligamos uma única pessoa, não fizemos qualquer medida de contenção de pessoal. Reduzimos alguns custos e despesas que não faziam sentido serem gastos. E o escritório passou muito bem. Foi uma fase em que a gente sai com um aprendizado de confiança nas pessoas, de união, de reconhecimento de quanto a gente é privilegiado por estar fazendo parte de uma história como essa.

Dentro dos desafios que enfrenta o setor de serviços legais estão o do atendimento ao cliente, gerar o valor agregado, reduzir esse gap entre as expectativas do cliente e os serviços que ele recebe. Como você assume essa prioridade, ainda mais agora nesse momento de quase saída da pandemia?

No final, eu acho que o diferencial, que a gente enxerga como grande valor do escritório, é essa consistência e uniformidade. Então, o escritório quando é procurado por um cliente, ele fala "poxa, estou levando um caso complexo, para um escritório que tem uma reputação como sendo o escritório de referência ao longo de muitos anos, ao escritório que tem o histórico de formar os seus próprios integrantes com muita qualidade e consistência".


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Queremos ser vistos cada vez mais como uma instituição. A despeito de quem tiver na sociedade, de quem seja o integrante, o cliente tem que ter o conforto de que vai ser muito bem atendido, com a mesma qualidade. Na medida em que os novos integrantes chegam mais capacitados, nós estamos sempre subindo à altura.

Temos uma base de clientes que se defendem bem de variações econômicas. São grandes grupos, grandes clientes e famílias que têm muita confiança no escritório. Continuamos atraindo muitos casos e temos que ter inteligência e flexibilidade nas contratações de honorários. Respeitamos demais nossos concorrentes, trabalhamos em um contexto de competição, com escritórios muito capacitados, com gente muito séria. Então, é um ambiente que, cada vez mais, a qualidade do trabalho, dos integrantes, nossos e dos nossos concorrentes, vem aumentando.

Há um desenvolvimento que acontece naturalmente. Como me adapto a uma nova realidade? De uma hora para outra, a gente se viu enclausurados em casa, lidando com clientes, reuniões complexas, fazendo tudo remotamente. Eu estava envolvido em uma transação de M&A, atuando para um cliente chinês que eu nunca tive com eles presencialmente. A maior parte do time estava na China. A gente fez uma negociação à distância, horários que permitiam estarmos acordados aqui e lá, então, ou era de madrugada ou tarde da noite.

Conseguimos nos adaptar e fazer a assinatura de documentos tudo eletronicamente. Mantivemos todas as equipes muito próximas, todo mundo se envolveu perto do cliente. Então, foi uma surpresa enorme. Mostra, de novo, que com as pessoas corretas, com treinamento, infraestrutura, comprometimento profissional de agir para entregar o melhor para os nossos clientes, conseguimos passar muito melhor do que poderia ser antecipado no momento do início da pandemia.

A grande lição - de novo - foi: com união, com as pessoas certas, com a infraestrutura correta, é muito pouco provável que o negócio não dê certo ou que você deixe de perseguir uma oportunidade ou fique para trás. A nossa preocupação número um é manter a posição de destaque e de reputação que o escritório tem. Esse é o maior ativo que a gente tem. É com base nesse conjunto de atributos que os clientes confiam casos a nós.

Como está a reintegração dos profissionais ao escritório?

Para o desenvolvimento das pessoas o trabalho presencial é muito relevante. Para o atendimento do cliente também. Por mais que o virtual seja uma ferramenta muito valiosa, como tudo na vida, tem algumas vantagens e outras desvantagens. As desvantagens é o contato pessoal, a mímica corporal, a oportunidade de tirar uma pessoa da sala e fazer uma reunião em paralelo, faz toda a diferença.

Nós somos latinos e gostamos de estar com pessoas. A socialização faz bem. Então, olhando e conversando com as pessoas, a gente sentiu que tinha um interesse legítimo e genuíno das pessoas de falar: "nós queremos voltar para o escritório. Eu me sinto bem em ter uma rotina, de estar no escritório, de encontrar gente, de poder debater, de trocar conhecimento".

Já vínhamos com o escritório aberto. No ano passado reabrimos em outubro e fomos até dezembro. Depois, no começo do ano, quando teve a segunda onda em março, fechamos de novo. Depois, foi reabrindo cheio de protocolos, regras, distanciamento, álcool em gel, limite de pessoas, sem serviço em sala de reunião e só o público interno. Mas quem quisesse, poderia vir.

Eu vinha todos os dias porque eu moro relativamente perto do escritório e, para mim, fazer essa rotina de estar aqui dentro, com mais infraestrutura, mais acesso às pessoas e sair de casa, para não ficar naquela situação de que você trabalha e dorme no mesmo local, essa mudança e uma rotina, para mim, faz sentido e faz bem. E aí as próprias pessoas do meu grupo também falavam que também queriam. E todo mundo vinha, não todos os dias, mas vinha três ou quatro vezes por semana.

Quando reabrimos o escritório vínhamos com entre 45% e 50% em média de ocupação totalmente discricionária e não obrigatória. Quando medimos todo mundo com dupla vacina, as flexibilizações que foram aprovadas pelo Estado, achamos que era hora de voltar. Pedimos primeiro para os sócios darem o exemplo de voltar e daí os associados que fiquem à vontade de irem voltando. Foi feito um processo evolutivo até que, agora no começo de outubro, decidimos que era a hora de todo mundo vir, exceto exceções específicas de pessoas que tenham ainda questão de saúde que não precisem voltar.


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Respondendo à sua pergunta, estamos no presencial desde o começo de outubro, com uma flexibilização de um dia por semana. As pessoas podem decidir se querem estar aqui ou não, mas é discricionário. O que a gente sente é que a maior parte continua vindo cinco dias por semana e sexta-feira é o dia que, aqueles que optam por não vir um dia por semana, acabam escolhendo para ser o dia que ficam em casa. Acaba tendo essa flexibilidade.

*Acompanhe nesta sexta-feira (12) a segunda parte da entrevista.

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