Mulheres trans e travestis podem escolher tipo de presídio, diz STF

Junto com a decisão, o governo federal anexou diretrizes sobre o tratamento a ser oferecido a travestis e transexuais femininas nos sistemas carcerários /Pixabay
Junto com a decisão, o governo federal anexou diretrizes sobre o tratamento a ser oferecido a travestis e transexuais femininas nos sistemas carcerários /Pixabay
Antes, só era possível cumprir pena em prisões masculinas. Especialistas avaliam decisão do Supremo.
Fecha de publicación: 25/03/2021

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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, decidiu que transexuais e travestis que se identificam com o gênero feminino poderão escolher entre presídios femininos ou masculinos para cumprir suas penas. Se optarem pela unidade masculina, terão acesso a uma ala especial, como garantia de segurança.

A decisão, proferida no último dia 19, foi um ajuste na medida cautelar deferida em junho de 2019 pelo próprio ministro. A cautelar definia anteriormente que as presas transexuais femininas fossem transferidas para presídios femininos. No entanto, não incluía um tratamento para as travestis, já que na época, segundo Barroso, não havia informações à luz da Constituição Federal para definir com segurança um tratamento adequado.


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Junto com a decisão, o governo federal anexou dois documentos com diretrizes sobre o tratamento a ser oferecido a travestis e transexuais que se identificam com o gênero feminino nos sistemas carcerários. O primeiro é o relatório “LGBT nas prisões do Brasil: diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento”, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH).

Com base em pesquisas com a população LGBT encarcerada, o relatório avalia que a decisão mais adequada, tendo em vista a dignidade desses grupos, deve atentar-se também às relações de afeto e estratégias de sobrevivência que as presas desenvolvem na cadeia. Dessa forma, o relatório defende que a transferência deve ser uma decisão da travesti ou da pessoa trans. O segundo documento é a Nota Técnica 7/2020, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). A nota defende que a pessoa presa deve manifestar sua vontade quanto à transferência de prisão.

Os documentos destacam que, se uma mulher trans ou travesti está em uma unidade masculina, deve ser mantida em ala especial, para garantir sua segurança e integridade.

Barroso declarou que essa evolução dada ao tratamento de transexuais femininas e travestis ocorreu depois do diálogo entre associações representativas de interesses desses grupos, o Executivo e o Judiciário. Ele acrescentou que “não há dúvidas de que a solução presente nos documentos se harmoniza com o quadro normativo internacional e nacional de proteção de pessoas LGBTI, no sentido de ser dever dos Estados zelar pela não discriminação em razão da identidade de gênero e orientação sexual, bem como de adotar todas as providências necessárias para assegurar a integridade física e psíquica desses grupos quando encarcerados”.


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O ministro ainda ressaltou que “no Brasil, o direito das transexuais femininas e travestis ao cumprimento de pena em condições compatíveis com a sua identidade de gênero decorre, em especial, dos princípios constitucionais do direito à dignidade humana, à autonomia, à liberdade, à igualdade, à saúde, e da vedação à tortura e ao tratamento degradante e desumano”.

Para Carol Cigolini, especialista em direito homoafetivo, a decisão preserva a dignidade da pessoa homoafetiva. “Contudo, eu não vejo muita efetividade prática. Hoje o Brasil está na 3ª posição no ranking dos países com maior população carcerária do mundo. Não há investimento público em estrutura, nem treinamento de agentes carcerários para que tenham o olhar acertado para o público LGBT”, avalia. “Para que a decisão de fato fosse efetiva, a divisão poderia se dar por alas - o que hoje acontece, só que com facções criminosas e não por identidade de gênero. Uma pena”, diz.

Felipe Caon, representante do Comitê Serur +Diversidade, explica que antes da decisão as travestis e transexuais que se identificam com a identidade de gênero feminino eram obrigadas a cumprir a pena em estabelecimentos prisionais masculinos, independentemente da sua escolha, o que lhes feria, do modo mais intenso e absurdo, em sua dignidade.

“O binarismo heteronormativo, que caminha associado à suposição de interesses específicos - tal como aquela que leva a alguns a acreditarem que a cor rosa deve ser designada às meninas, e a cor azul aos meninos -, representa, para aqueles que não se encaixam no padrão imposto pela maioria, uma verdadeira prisão. É chegada a hora de o direito superar esses padrões estanques e revisitar seus institutos lastreados em conceitos de uma sociedade antiga, que não existe mais, pois somente assim poderá, efetivamente, garantir que cada pessoa tenha os seus direitos constitucionais garantidos”, afirma.


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