Ampliação do prazo de vigência das patentes: razões para cautela

Titulares de patentes interessados buscam garantir maiores prazos patentários por vias judiciais ou por alteração da lei/Canva
Titulares de patentes interessados buscam garantir maiores prazos patentários por vias judiciais ou por alteração da lei/Canva
Debate amplo em vista do interesse público deve prevalecer sobre a extensão por vias judiciais.
Fecha de publicación: 15/07/2022

No ano passado, o Supremo Tribunal Federal determinou a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI). Este dispositivo garantia, entre outros, um prazo mínimo de 10 anos de vigência da patente a partir de sua concessão. Assim, o período usual de proteção de 20 anos após o depósito do pedido de patente era automaticamente estendido quando a sua análise pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) durava mais de 10 anos. A comercialização de produtos genéricos equivalentes a custos mais baixos era, então, impedida por um período adicional.

Desde então, os titulares de patentes interessados buscam garantir maiores prazos patentários por vias judiciais ou por alteração da lei. Um dos argumentos utilizados é que a demora para a concessão da patente diminui o período de exclusividade sobre a invenção, ameaçando os incentivos à inovação. Além disso, são traçadas comparações com o direito de outros países que permitem a extensão do período de proteção em casos de redução de período de exclusividade. Com base nisso, pleiteia-se que o Brasil siga o mesmo caminho.

Estes argumentos, entretanto, devem ser analisados com a devida cautela a fim de evitar decisões incompatíveis com os interesses nacionais.

Em primeiro lugar, o titular da patente não se encontra desprotegido. O Art. 44 LPI garante a indenização pela exploração não-autorizada da invenção no período entre a publicação do pedido de patente e a sua concessão. Este modelo também é utilizado em países desenvolvidos. A Alemanha, por exemplo, não possui qualquer previsão legal de extensão patentária em vista da demora no exame da patente, mas também garante semelhante indenização. O debate acadêmico sobre a equivalência entre direitos de exclusividade e direito à indenização é extenso e ainda aberto. No entanto, qualquer generalização no sentido de que a mera ausência de exclusividade é prejudicial à inovação deve ser evitada.


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Em segundo lugar, o direito internacional, em regra, não atribui qualquer dever de implementar tal extensão do prazo patentário. Os países possuem liberdade regulatória, podendo considerar seus próprios interesses, como seu crescimento industrial e a saúde pública. Embora o período de exame das patentes pelo INPI encontre-se em constante declínio, em especial por acordos de auxílio firmados com escritórios de patentes estrangeiros, é bem verdade que o período de exame das patentes no Brasil é bem superior à média global. Ainda assim, a grande maioria dos países, incluindo aqueles que compartilham tal problema, não adota esta extensão. O Escritório Europeu de Patentes, por exemplo, é criticado pelo seu período de exame consideravelmente superior à media dos países desenvolvidos. Apesar disso, os membros da Convenção sobre a Patente Europeia, em regra, não aplicam qualquer extensão de prazo por este motivo.

O número de países que adotou tal extensão é, na verdade, bastante limitado. Entre eles, a maioria – incluindo os países em desenvolvimento afetados, como Chile, Colômbia, México e Peru – somente o fizeram por força de tratados de livre comércio firmados com os EUA, por meio dos quais obtiveram determinadas vantagens comerciais em outras áreas. Além disso, condições específicas sobre o prazo tolerável para o exame, a responsabilidade do depositante e o cálculo do período de extensão são aplicáveis.

Em terceiro lugar, mesmo em países com uma forte indústria farmacêutica, a ampliação do prazo de exclusividade é tratada com cautela. Isso fica evidente nas extensões decorrentes da demora para a autorização da comercialização de medicamentos. Na União Europeia, os Certificados Complementares de Proteção são limitados a 5 anos e o seu escopo de proteção é consideravelmente reduzido se comparado às patentes. O mesmo ocorre nos EUA, os quais determinam ainda um prazo específico para o requerimento e um cálculo objetivo do período regulatório relevante para a extensão. No Japão, testes pré-clínicos de medicamentos, por exemplo, não são considerados para fins de tal extensão.

Essa grande ponderação com a qual a ampliação do período de proteção patentária é tratada no cenário internacional é altamente recomendável ao Brasil. A importação de modelos estrangeiros e a aplicação equivalente do parágrafo único do Art. 40 por vias judiciais não são adequadas. Eventuais intervenções legislativas devem ser precedidas por um debate aberto e transparente no ambito dos Poderes Executivo e Legislativo, o qual deve considerar não somente o interesse público e as capacidades da indústria nacional, mas também as diversas facetas da inovação.

*Pedro Henrique D. Batista é pesquisador acadêmico no Instituto Max Planck para Inovação e Concorrência em Munique, Alemanha. 

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