Crise institucional e percepção de risco fiscal devem levar a uma depreciação no câmbio

Mas por que um aumento da percepção de risco fiscal, tudo o mais constante, tende a levar uma depreciação cambial?/Unsplash
Mas por que um aumento da percepção de risco fiscal, tudo o mais constante, tende a levar uma depreciação cambial?/Unsplash
Trajetória da dívida pública volta a preocupar mercado.
Fecha de publicación: 19/08/2021

Que semana turbulenta, não? Na mente de alguns analistas da Faria Lima, torcedores, recém-formados, com seus terninhos apertados, ainda ouvimos clamores de que as reformas serão aprovadas e o teto de gastos fiscais de facto, será respeitado. Para esses crentes incorrigíveis, certamente o que eles testemunharam nesta semana, se assemelha a um susto estilo "Hollywood Tower" da Disney. Mas ainda causa espantos, analistas que analisam a economia sem levar em consideração as idiossincrasias temporais de uma eleição presidencial com alta octanagem.

Ora, sabemos que política, economia e sociedade fazem parte de um mesmo espectro indissociável. Se a economia vai mal, a sociedade reclama e pede a cabeça do rei, ou ele abre os cofres para ajudar seus súditos. Do outro lado, se a política vai mal, o rei propõe mais benesses econômicas para a população, afinal quem se preocupa com o Teto de Gastos se o Centrão pode aprovar uma nova PEC "puxadinho" para evitar crises de responsabilidade fiscal e ou quebra da regra de ouro? Nada como ter amigos. Ainda mais no Congresso. Quem quer rir, tem de fazer rir, capitão Nascimento!

E o nosso analista continua a deslizar em seu patinete alugado na Avenida Faria Lima "torcendo" pelo cenário econômico financeiro, que se desenha. Torcendo, sim, com requintes religiosos, sobre suas posições assumidas, mas com uma enorme descrença em seu pensamento reto intelectualmente. Faz parte.


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De qualquer maneira, há de se entrar nessa discussão desagradável. Infelizmente, o risco fiscal que o Brasil ainda enfrenta está longe de ser desprezado. É bem verdade que a relação dívida pública bruta em relação ao PIB (%) diminuiu ao longo do ano, por fatores que comumente ouvimos "não tão nobres assim", suscitando, dentre outros fatores, uma pressão para a depreciação do nosso câmbio, chegando a romper a marca de 5.45 R$/USD e juros para julho de 2025 acima de 10%, incorporando não apenas uma maior Selic lá na frente, mas um bruta risco fiscal, que surge, com todo respeito aos "Poliana Brasilis", absolutamente antecipado dado o cenário político. Estranho ainda ter de escrever que a eleição de 2022, sem um candidato alternativo, suscitará mais volatilidade no preço dos ativos. Mas continuamos retos em nossa função de informar.
 
Mas o que tem acontecido com os mercados ultimamente, que parecem ter ressuscitado novos receios em relação à trajetória de nossa dívida pública? Claro, que de bate e pronto, poderíamos citar a "supressa' do aparecimento de precatórios de R$ 89 bilhões devidos em 2022. Precatórios são dívidas da união transitados em julgado pelo judiciário, as vezes por mais de 10 ou 20 anos, com estados e municípios referentes a passivos previdenciários, INSS, funcionalismo público que são devidos tanto às pessoas físicas quanto jurídicas.  
 
Eis que não mais que de repente, o ministro da economia assume que de fato, o ano de 2022 é devido o pagamento de R$89 bilhões de precatórios a serem pagos. Mas para respeitar o teto de gastos, uma proposta de emenda constitucional (PEC), de novo "ela" para evitar as famosas "pedaladas de jury", mas não de facto, precisa ser aprovada para que parte desses precatórios sejam reescalonados e pagos em alguns anos.

Ora. Se após trânsito em julgado, o meu devedor (União) ainda disser que não conseguirá pagar as contas devidas, talvez para acomodar algum populismo fiscal pré-eleitoral, como maiores benesses fiscais, maiores isenções e a criação de um novo bolsa-família com valores que beiram a R$380 (atualmente em R$190), isso acaba assustando um pouco, só um pouco, todos os credores da união. Inclusive aqueles que detém títulos públicos, como NTNs, LFTs, etc. Claro que estamos longe de acreditar em um calote, mas esse comportamento do tipo "pagarei assim que puder", por mais "Cheerleaders" que tentamos ser, acaba afetando um pouco a percepção de risco fiscal pelos credores da nossa dívida pública de mais de R$5 trilhões.
 
Maior percepção de risco fiscal pelos credores e agentes econômicos, leva a uma maior demanda por retornos, fazendo a curva de juros inclinar e impactando o câmbio, pois se o governo de fato bater o pé e começar a reescalonar dívidas vincendas, ou reestruturando-as, prometendo quitá-las em prazos maiores do que o combinado, acaba assustando os credores levando a se refugiarem na moeda norte-americana.
 
Pausa para respirar. Mas será que esse pode ter sido o único fator que ressuscitou uma percepção de risco fiscal maior? Acho difícil, pois como dissemos no começo desse artigo, a nossa relação dívida pública bruta nominal dívida pelo PIB nominal (dívida pública bruta / PIB nominal) melhorou de quase 94% para estimados 83% ao final de 2021, muito mais pelo fato de que o deflator implícito do PIB (Inflação projetada) que deve chegar a 10% este ano. Somando uma maior inflação com crescimento real do PIB de mais de 5%, o denominador da relação dívida/PIB diminui.

Da mesma forma, o numerador da relação dívida (% PIB) acaba sendo afetado, pois maior crescimento econômico e inflação acabam por beneficiar a arrecadação fiscal, dando uma folga na relação. Entendido! Mas noves fora, quanto dessa melhora nessa relação dívida como percentual do PIB deve-se a fatores não tão nobres, como inflação, por exemplo?
 
Um estudo conduzido pela FGV-IBRE mostra que essa melhora de 9.5% da relação dívida/PIB, caindo de 93.5% para 84%, aproximadamente 81% deveu-se a uma maior inflação e 34% a um aumento do PIB Real + meta inflacionária, e não efetivamente a uma maior retidão fiscal por parte do governo.

Ou seja, graças a inflação e a um maior PIB nominal, a "maré" subiu e escondeu a verdadeira fragilidade fiscal ainda existente, que sem uma reforma fiscal séria, deve voltar a incomodar bastante ano que vem, quando nosso crescimento real (PIB) não for 5.2%, como esperamos para 2021, mas entre 1.5% e 1.9%. Some-se a isso uma menor inflação projetada, talvez entre 3.8% e 4% e não 10% como estimado pelo deflator implícito do PIB, a nossa fragilidade fiscal voltará a ficar exposta novamente.
 
Mas por que um aumento da percepção de risco fiscal, tudo o mais constante, tende a levar uma depreciação cambial?

Ora se já precificamos em nosso cambio maiores taxas de juros via aumento de Selic, mas ainda estamos incipientes quanto a conclusão de maior risco Brasil (fiscal) e menor emissão monetária pelo FED, dado um provável início de menores compras de títulos públicos, menor oferta monetária e maior inclinação da curva de juros dos EUA, o que continuarei a fazer aqui?

Deixa eu entender: o aumento da Selic parece estar precificado dado o aumento da projeção inflacionaria (IPCA) que efetivamente já bateu 8.99% em julho para uma meta de 3.75% em 2021 e 3.5% em 2022, com sinais claros de deterioração das expectativas, posto que o último relatório Focus do Banco Central do Brasil, aponta uma inflação esperada para o ano que vem de 3.80%. Ou seja, acima da meta. Então os agentes já esperam um aumento de juros no Brasil, com grande probabilidade, mas um aumento nos EUA com menos probabilidade e deterioração no cenário fiscal e político.


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Tudo junto estamos dizendo que o aumento da Selic já está amplamente precificada no câmbio e nas bolsas, mas uma óbvia deterioração do cenário político/ fiscal local, ainda não, muito menos uma menor emissão de dinheiro pelo FED, ou seja, mais juros norte-americano lá na frente. Hold on! Você está me dizendo que o aumento da Selic já esta precificada, mas a deterioração política e fiscal que demandaria maiores prêmios de risco para investir no Brasil, além de menores emissões monetárias pelo FED, ainda não ou começarem a ser?

Sim. Ora. Então tome câmbio e ajuste nas bolsas, dado que renda fixa aqui e lá fora, principalmente lá fora com títulos atrelados à inflação dos EUA como os TIPS (Treasury Inflation Protected Securities), semelhantes aos nossos NTNbs atrelados à inflação, passam a serem mais atraentes que renda variável.

Mas a B3 caiu e devolveu todo o ganho do ano, isso não gera oportunidades de compra? Obvio. Ninguém está pedindo para tirarem o Chopp ou o Prosecco (mais chique!!) da festa. Continuem aproveitando a balada, mas fiquem próximos da porta de saída da renda variável e de olho bem aberto no câmbio.

*Roberto Dumas é economista e professor no Insper.

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