Mulheres negras líderes: quais histórias são contadas?

Esta é a história de uma mulher negra que conseguiu se tornar Diretora de Diversidade e Inclusão antes dos 30 anos. / Crédito da imagem: Karina Miranda.
Esta é a história de uma mulher negra que conseguiu se tornar Diretora de Diversidade e Inclusão antes dos 30 anos. / Crédito da imagem: Karina Miranda.
25 de julho é o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.
Fecha de publicación: 25/07/2023

Quais são as histórias sobre mulheres negras que você conhece ou já leu? Você já se questionou se essas são as narrativas escolhidas por elas para contarem as suas trajetórias?

O dia 25 de julho é reconhecido como o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, porque nessa data, em 1992, ocorreu o 1º encontro de mulheres negras, latinas e caribenhas, realizado em Santo Domingo, na República Dominicana, em um encontro que visava promover a união e discutir a interseccionalidade de gênero e raça.

No Brasil, a Lei 12.987, de 2014, sancionou a data como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Tereza de Benguela foi uma rainha quilombola que liderou por 20 anos o Quilombo do Quariterê, em Mato Grosso. Entre os anos de 1750 e 1770, foi responsável pela administração econômica, política e militar do quilombo, que contava com 100 habitantes, entre pessoas negras e indígenas, que resistiram à escravidão sob sua liderança.

Embora a data tenha sido sancionada em 2014 e ganhado força nos últimos anos, uma única face de Tereza de Benguela é transposta para o imaginário social quando falamos das mulheres negras: a mulher guerreira. Outra face importante e que representa muito bem o que é ser uma mulher negra, entretanto, é apagada. Antes de tudo, Tereza de Benguela foi uma grande líder.

E não só ela. Dandara dos Palmares, Carolina Maria de Jesus, Marta da Silva, Marielle Franco e tantas outras que são símbolos de resistência, e, principalmente, liderança. As histórias dessas mulheres são capazes de revelar o caminho estreito, mas possível, para a liderança e o sucesso de mulheres pretas em diversos espaços da sociedade.


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E no mercado corporativo jurídico, onde estão as líderes negras?

Comecei a trabalhar aos 16 anos e nunca tive uma única líder negra. Demorei a entender o porquê de as mulheres negras que eu conhecia serem excelentes exemplos de liderança, mas não estarem representadas nos ambientes corporativos.

No mercado de trabalho formal, as mulheres negras são ainda as que representam o menor índice de ocupação em cargos de direção e gerência, alcançando apenas 2,1%, de acordo com o estudo feito com base nos indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A conclusão é que, embora sejam responsáveis por chefiarem a maioria das famílias brasileiras, as mulheres negras ainda têm menos acesso às melhores oportunidades de trabalho e remuneração.

A falta de representatividade em cargos de liderança reforça o imaginário social que coloca as mulheres negras em posições de subserviência, não pertencimento e exclusão, e faz com que sejam vistas como mulheres guerreiras, mas não como líderes, contribuindo para a perpetuação do racismo estrutural da sociedade.

A reflexão que proponho no dia de hoje é que conheçam e leiam as histórias das mulheres negras por um outro ponto de vista. O aspecto da liderança, do amor, do sucesso e não da dor. Não nego que ser mulher negra no Brasil é sinônimo de resistência e luta constante, mas desejo que, quando a minha filha for fazer uma pesquisa sobre mulheres negras, encontre histórias de mulheres que foram amadas, felizes e realizadas em sua vida pessoal e profissional.

Histórias de mulheres como Jaqueline Pereira, 31, advogada do Demarest Advogados, que, quando questionada sobre as alegrias de ser uma mulher negra, relata:

Jaqueline Pereira
Jaqueline Pereira

“Ser uma mulher negra, mãe e advogada é saber que faço parte da mudança por que tantas outras mulheres negras lutaram antes de mim. Sinto que sou uma mulher de sucesso. Tenho uma família maravilhosa, meu esposo está sempre torcendo por mim e me auxiliando, meu filho tem sempre um sorriso lindo para me dar e faz o meu amor aumentar a cada dia. No meu trabalho, estou rodeada de pessoas incríveis, o que me faz evoluir profissionalmente e me tornar referência para as futuras gerações.”

No mesmo sentido, Thais Santana, 25, advogada do Lobo De Rizzo, afirma:

Thais Santana
Thais Santana

“Ser uma mulher negra é saber lidar com as suas fragilidades para usá-las como fonte de sua fortaleza. Sabemos que as mulheres negras precisam carregar o peso de estar à margem da sociedade, mas isso não significa que vivemos apenas de inseguranças e dores. Cada vitória é um avanço que carrega uma história escrita por alguém que sabe dar valor aos pequenos detalhes. Isso se deve à necessidade de entregar o melhor que podemos, para nos destacar em tudo que atuamos e ser inspiração para outras meninas negras que nos veem nesses espaços.”

Larissa Neves, 22, estagiária do MASP, diz:

Larissa Neves
Larissa Neves

"Ser uma mulher negra é motivo de muito orgulho por inúmeros motivos. Existe um sentimento diferenciado de identificação, harmonia, sororidade e irmandade, que apenas nós sentimos quando nos encontramos por aí. Ser uma mulher negra é sinônimo de força. Somos fortes para levantar umas às outras, para ajudar a trilhar o ‘caminho das pedras’ e, com muito orgulho, nos aplaudir. O sentimento de ver uma mulher bem-sucedida que orgulhosamente carrega sua negritude é indescritível. Eu sou porque nós somos.” 

Isabella Gonzaga, 19, estagiária do escritório Mattos Filho, avalia:

Isabella Gonzaga
Isabella Gonzaga

“Ser mulher preta no Brasil é sinônimo de busca constante por referência e pertencimento. Foi no programa Next Generation Of Lawyers, da Civics Educação, que eu pude acreditar que o mercado jurídico era realmente para mim. Eis que as mulheres pretas são a maioria no projeto e lá conheci a Karina Miranda, e pude ver pela primeira vez uma mulher negra como referência de liderança. Ser cercada por mulheres que trocam de cabelo constantemente, que possuem um estilo de se vestir único, que andam sempre bem arrumadas e que escutam samba, funk e rap me deixa confortável para carregar a minha cultura nos lugares que não foram desenhados para pessoas como eu. A alegria de pertencer a algo é imensurável, especialmente quando encontramos rede de apoio nesse lugar. Por fim, ser preta é uma virtude. É como se tivéssemos sido ‘as escolhidas’ da diáspora africana para transformar a realidade de todo um país. O mundo está começando a enxergar a nossa potencialidade e isso tem aflorado o surgimento de mais figuras icônicas, o que é incrível sob a perspectiva da representatividade. De Esperança Garcia a Karina Miranda, a luta não é a mesma, mas continua.”


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Também existem histórias como a minha: uma mulher negra e de família de baixa renda, que se tornou mãe ‘solo’ no último ano da Faculdade de Direito na Universidade de São Paulo (USP), mas que não desistiu de sonhar por um mundo em que mulheres negras ocupariam espaços de liderança também no mercado corporativo. E se sentiriam pertencentes nesses ambientes que não foram construídos por nós ou para nós, mas que estão dispostos a nos escutar e participar dessa transformação.

De uma mulher negra que se tornou diretora de Diversidade e Inclusão antes dos 30 anos, que trabalhou nos melhores escritórios do Brasil e que realizou o sonho de morar fora do país sozinha, com sua filha de 5 anos de idade, e se tornou Mestra em Direito, com certificação em Business & Law, pela The Wharton School, e em Law & Technology, pela Penn Carey Law School, na University of Pennsylvania (classificada como Ivy League).

De uma mulher negra que está iniciando sua carreira internacional, atuando em escritórios especializados em Arbitragem em Nova York e Londres.

Uma história que só foi possível porque reconheci na minha mãe um modelo de liderança a ser seguido. Ela migrou da roça da Bahia aos 13 anos de idade para tentar a vida em São Paulo e sempre me disse que tudo que eu quisesse, com fé e dedicação iria conquistar. Mas não quero encerrar esse artigo com um discurso meritocrático. Quero deixar claro que tudo que eu quis, conquistei com fé, dedicação e oportunidades.


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A história seria diferente se eu não tivesse encontrado no mundo corporativo e, em especial no Demarest Advogados, pessoas que acreditaram no meu potencial, investiram tempo e dinheiro no meu desenvolvimento acadêmico e profissional e sempre estiveram dispostos a ouvir e apoiar meus projetos pessoais e profissionais para a promoção da diversidade, inclusão e acolhimento de mulheres negras que ainda são a minoria em grandes escritórios, apesar de maioria na sociedade.

Somente com iniciativas de D&I efetivas, que incluem não só conscientização, mas investimento financeiro, é que conseguiremos desconstruir os estereótipos que nos são impostos socialmente e prosseguir na construção de um ambiente em que existimos e não apenas resistimos.

*Karina Miranda é mãe da Isabella, advogada do Demarest Advogados, mestra em Direito com certificação em Business & Law pela The Wharton School e em International Arbitration & Technology pela Penn Carey Law School, na University of Pennsylvania (EUA). Karina é ainda integrante do Conselheira 101, coordenadora de D&I da Comissão da Mulher Advogada da OAB/SP, diretora de D&I na Civics Educação.

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