Há décadas, o Brasil convive com um sistema tributário amplamente marcado por sua complexidade e pela problemática cumulatividade dos impostos ao longo das cadeias produtivas. Esta estrutura, muitas vezes considerada como um dos principais obstáculos à competitividade e ao crescimento sustentável da economia nacional, acumulou distorções que frequentemente sobrecarregaram tanto empresas quanto consumidores.
Com o avanço das discussões em torno da Reforma Tributária, vislumbra-se a possibilidade de uma profunda transformação nesse panorama. A introdução do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual surge como uma promessa de simplificação e transparência, atribuindo aos créditos tributários uma posição de inegável centralidade. Essa mudança, se concretizada corretamente, detém a capacidade de inaugurar um distinto capítulo na economia brasileira, caracterizado por uma paisagem fiscal de previsibilidade e propícia à vitalidade empresarial. Mas como será essa transição em relação aos créditos existentes e ao novo regime? Essa é uma questão importante para projetar o futuro financeiro e operacional das empresas no país.
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Teoria e realidade: os desafios da implementação do novo sistema tributário
Ao passo que a reforma tributária brasileira avança, ressalta-se a busca por um sistema que evite a acumulação de tributos nas cadeias produtivas, uma característica central do projetado Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual. Esse modelo promete desemaranhar a complexa estrutura fiscal vigente. No entanto, durante essa mudança, surge o desafio crucial de preservar os créditos tributários atuais, fundamentados no princípio da não cumulatividade. Além disso, a aplicabilidade efetiva desses créditos no novo sistema exige previsibilidade, celeridade e simplicidade, como o desígnio teórico da reforma sugere.
O arcabouço do IVA é estruturado de modo a aliviar o encargo tributário em cada fase da cadeia produtiva. Tal configuração visa a compensação de tributos de um estágio no subsequente, garantindo que apenas o valor acrescido em cada etapa seja tributado. Quando operada corretamente, a não cumulatividade tem o potencial de libertar decisões econômicas de entraves tributários. Contudo, a realidade atual, marcada pela cumulatividade, acarreta encargos que, ao invés de gerar créditos, pressionam os custos empresariais, refletindo nos preços finais ao consumidor.
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Examinando o funcionamento do sistema de créditos na transição
O período transicional, previsto para se estender de 2026 a 2032, culminará na implementação definitiva em 2033. Em 2027, espera-se que a alíquota experimental da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), estipulada em 0,9%, seja neutralizada pela receita proveniente do PIS/Cofins. Os créditos previamente acumulados desses tributos poderão ser utilizados tanto na compensação com a CBS quanto em outras taxas federais, em consonância com o modus operandi atual.
Por outro lado, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) seguirá uma trajetória mais cadenciada de implementação, vendo sua alíquota crescer progressivamente, enquanto os tributos ICMS e ISS serão proporcionalmente decrescidos. Segundo a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o montante acumulado em créditos do ICMS será compensável com o IBS, distribuído em até 240 prestações, uniformes e sequenciais, ajustadas monetariamente a partir de 2033.
A proposta, ademais, prevê a transmissibilidade desses saldos creditícios a terceiros ou até mesmo a sua restituição, caso a compensação com o IBS se revele inviável. Todavia, os pormenores dessa operacionalização residem, ainda, na expectativa da promulgação de uma lei complementar. Mesmo com o estabelecimento do IVA dual, a transmutação dos créditos perdurará no horizonte, estendendo-se por até duas décadas, lançando, assim, um manto de incertezas sobre o panorama fiscal futuro.
Na busca pela reformulação do sistema tributário, a introdução do IVA dual surge como um promissor contraponto às mazelas do atual mecanismo. Essa transição, entretanto, exige mais do que a simples adesão a uma nova teoria: requer prudência na salvaguarda dos créditos preexistentes e precisão na aplicação da não cumulatividade. É nesse contexto que a confluência entre uma concepção sólida e uma execução certeira torna-se o pilar para o aprimoramento fiscal brasileiro. O fim do efeito cascata nas cadeias produtivas certamente é um dos aspectos da Reforma que nutre as esperanças de um ambiente tributário mais equânime e eficiente, e sua efetividade, sem dúvidas, será determinante para a prosperidade econômica do país.
*Karen Semeone é advogada especialista em Direito Tributário na Systax.
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