Tema polêmico e que retorna com certa frequência ao debate nacional, a cobrança de mensalidade em universidades públicas poderá ganhar novo impulso no Congresso Nacional nas próximas semanas. Uma proposta de emenda constitucional está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.
De autoria do deputado General Peternelli (União Brasil/SP), bolsonarista de primeira hora, a proposição (PEC 206/19) tem como relator Kim Kataguiri (União/SP). Em linhas gerais, ela permite que as instituições cobrem mensalidade e os recursos captados seriam utilizados para pagamento de dívidas de custeio, como água e luz. A gratuidade seria mantida para alunos sem condições financeiras de arcar com os custos.
Em tese, a justificativa da proposta até parece razoável. Seus defensores argumentam tratar-se de um ajuste justo, pois aumentaria a eficiência e a equidade do gasto público. Além disso, como os estudantes das universidades públicas são, em larga maioria, oriundos de escolas particulares, portanto com melhores condições de vida, ao final, é a sociedade como um todo que acaba por financiar esses supostos “privilegiados”. O discurso está pronto.
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Há uma questão de fundo no debate, porém. A proposta ora em discussão no Parlamento está perfeitamente alinhada ao posicionamento dos militares que dão suporte ao presidente Jair Bolsonaro (PL). O recém-divulgado ‘Projeto de Nação’, estudo que prevê a manutenção do atual grupo no poder até 2035, aborda a educação, entre outros tópicos. No trabalho, fala-se também na cobrança de mensalidade aos alunos das universidades - lembrando que cadetes das Forças Armadas e das polícias recebem soldo em suas escolas. Mais ainda, ao falar de “desideologizar” o ensino brasileiro, os militares não apenas confrontam a autonomia universitária como tentam impor sua própria visão de mundo.
Desse ponto de vista, a PEC do deputado Peternelli pode ser vista como um elemento a mais em um projeto mais amplo. O diabo mora nos detalhes.
“Nós não vamos pagar nada!”, já cantava Raul Seixas no início dos anos oitenta do século passado. Esse é o mote da UNE contra a proposta, e a entidade não está só na oposição. Especialistas em educação das mais diversas vertentes, professores e servidores de universidades públicas prometem juntar forças para barrar a proposta. A batalha será longa.
Enfim, o debate está apenas começando e, dado o quadro geral de polarização, deverá ser tenso e intenso. Às vésperas do pleito de outubro, poderá inclusive ter impacto eleitoral.
*André Pereira César é cientista político.
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