O impacto da redução das atividades legislativas do Congresso em ano de eleição

Eleições afetam profundamente as proposições e tramitações de projetos de lei no Congresso Nacional/Agência Senado
Eleições afetam profundamente as proposições e tramitações de projetos de lei no Congresso Nacional/Agência Senado
A redução do ritmo em um momento de urgente necessidade de reformas estruturantes, como a tributária, é muito grave.
Fecha de publicación: 23/06/2022

Neste ano de 2022 teremos eleições para presidente da República, governadores dos estados, deputados federais e estaduais, e para 1/3 do Senado Federal. Em outras palavras, o representante maior do Poder Executivo, e a maior parte dos membros do Poder Legislativo Federal concentrarão muitas energias no processo eleitoral que se aproxima, com vistas à reeleição.

 

É notório que essa circunstância acaba por afetar profundamente as proposições e tramitações de projetos de lei no Congresso Nacional, seja pela evidente redução dos trabalhos legislativos nesse período, seja porque a matéria objeto de um projeto de lei pode ter pouco apelo popular em um momento de acirrada campanha eleitoral.

 

E isso é muito grave em um momento de urgente necessidade de reformas estruturantes (reforma tributária, por exemplo), somado ao elevado nível de ativismo judicial, em especial do Supremo Tribunal Federal, que muitas vezes parece desrespeitar o princípio fundamental do Estado de Direito, notadamente o da separação dos poderes.

 

Um bom exemplo para contextualizar os efeitos da morosidade do processo legislativo em matéria tributária, que se acentua ainda mais em ano eleitoral, está na recente decisão do Supremo Tribunal Federal (03/06/2022), que estabeleceu o prazo de 12 meses para que o Congresso Nacional edite uma lei complementar com as normas gerais necessárias para viabilizar a cobrança do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) pelos estados, sobre doações e heranças do exterior.


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Como é sabido, o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 851.108-SP, decretou a inconstitucionalidade da exigência do ITCMD sobre doações e herança relacionadas a bens no exterior, por ausência de lei complementar que tratasse especificamente dessa hipótese, como impõe a Constituição Federal. E agora, caso o Congresso Nacional não edite a norma em 12 meses, supõe-se que a Corte Suprema possa, de alguma forma, suprir essa lacuna legislativa para que os Estados consigam cobrar o imposto nesses casos.

 

Além disso, é certo que a redução dos trabalhos legislativos em ano eleitoral tem certamente afetado a tramitação de outros importantes projetos na área tributária, sendo o principal deles a chamada Reforma Tributária.

 

Ora, como se sabe, há atualmente em tramitação no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 110/2019, de iniciativa do Senado Federal. Com essa emenda, pretende-se reformular o Sistema Tributário brasileiro e as competências tributárias, mediante a unificação de 9 tributos (IPI, IOF, PIS, PASEP, COFINS, Cide-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS e ISS) em apenas 1 (o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS), entre outras medidas.

 

Também tratava da Reforma Tributária a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45, coordenada pelo Deputado Baleia Rossi. Com a derrota deste na disputa para a Presidência da Câmara dos Deputados, essa PEC, em princípio, foi deixada de lado.

 

O fato é que a Reforma Tributária é tema urgente, pois nosso Sistema Tributário, além de ser complexo e confuso, é ainda oneroso e inadequado para tributar devidamente todas as atividades econômicas.

 

De fato, é complexo e confuso porque temos muitos tributos, instituídos por 3 entes da Federação (União Federal, Estados e Municípios). Além disso, enquanto nos demais países temos apenas um imposto (o chamado imposto sobre valor agregado - IVA), no Brasil temos vários tributos que oneram o consumo, cada qual criado por um ente diferente.

 

Assim é que temos o ICMS (estadual) sobre comercialização de mercadorias e prestação de serviços de comunicação e de transporte intermunicipal e interestadual, o IPI (federal) sobre produtos industrializados, o ISS (municipal) sobre prestação de serviços em geral e o IOF (federal) sobre operações financeiras.

 

É oneroso não apenas porque a carga fiscal no Brasil é elevada, nem porque existe entre nós a tributação das receitas das empresas (PIS e COFINS), mas também por todo o trabalho que as empresas gastam para o cumprimento das obrigações tributárias, especialmente no preenchimento e apresentação de guias e declarações.

 

Para se ter uma ideia do que isso representa, em levantamento feito pelo Banco Mundial em parceria com a PriceWaterhouseCoopers (PwC) com países do mundo, o Brasil ocupa nada menos que a 184ª posição, de um total de 189 países, com relação ao tempo despendido anualmente pelas empresas para o cumprimento das obrigações tributárias. Por ano, as empresas gastam cerca de 1.500 horas com essas atividades.

 

Por fim, é inadequado porque, como se tem constatado, o Sistema Tributário brasileiro não está apto a acompanhar a evolução do mercado voltado para inovação tecnológica, sobretudo em razão da pluralidade de tributos sobre o consumo. O desenvolvimento de bens digitais e soluções no mundo tecnológico geram dificuldades frequentes na definição de que imposto deve incidir sobre determinada atividade econômica.

 

Além disso, a existência de impostos municipal (ISS) e estadual (ICMS) sobre a atividade econômica gera muitas dificuldades e contratempos às empresas que operam nos quatro cantos do país. Isso porque elas devem necessariamente conhecer e aplicar um vasto número de leis municipais e estaduais, o que, além do custo adicional que traz à sua operação (um dos chamados Custo Brasil) e do risco de se ter bitributação, representa um grande fator de insegurança jurídica.

 

Inobstante tudo, é evidente que a redução dos trabalhos do Congresso Nacional, sobretudo em virtude das eleições deste final de ano, tem atrasado a tramitação da PEC 110/2019 que, após amplos debates, discussões, destaques e emendas, poderia promover a tão esperada Reforma Tributária.

 

Mas nem toda atividade legislativa é prejudicada em anos eleitorais.


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Isso se deve sobretudo porque, diferentemente de várias outras áreas, a lei tributária pode de fato aliviar o peso da carga fiscal da vida das pessoas e, consequentemente, do custo de vida dos contribuintes, desde que observada, evidentemente, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Daí porque não ser incomum termos, em períodos eleitorais, leis de anistia e parcelamento fiscal, de grande apelo aos contribuintes (e eleitores).

 

Outro bom exemplo, este bastante atual, está na tramitação bastante célere do Projeto de Lei Complementar nº 18/2022, que busca criar um teto da alíquota do ICMS em 17%, sobre combustíveis, energia elétrica, transporte e telecomunicações, tidos como itens essenciais à vida humana. O Senado aprovou o projeto no último dia 13 de junho de 2022, retornando-se assim à Câmara dos Deputados. A expectativa é que seja votado em breve.

 

Se aprovado, espera-se que a futura lei possa contribuir para a redução do preço do combustível na bomba. Independentemente dos aspectos de política fiscal e finanças públicas relacionados a esse caso, é certo que o preço dos combustíveis nos últimos meses atingiu patamares insustentáveis, que afeta a todos, pela forte dependência brasileira no modal rodoviário para o escoamento de bens e produtos, sem falar no impacto que traz à inflação.

 

Enfim, anos eleitorais reduzem ainda mais o ritmo da atividade legislativa federal, e as reformas estruturantes, tão necessárias à criação de um cenário atrativo para investimentos e geração de riqueza, como a Reforma Tributária, acabam ficando para um segundo plano. Há bons exemplos de agilidade do processo legislativo em anos de eleição, sobretudo por conta do forte apelo popular do tema em discussão no Congresso Nacional. Mas são poucos exemplos ante a premente necessidade de modernização de nosso ordenamento jurídico em várias frentes, inclusive na Área Tributária.

 

*Maucir Fregonesi Junior, sócio da área tributária da SiqueiraCastro.

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