Para receber nossa newsletter diária inscreva-se aqui!
A decisão da montadora Ford de encerrar a produção no Brasil indicou a urgência de o país voltar a discutir com mais ênfase a reforma tributária. Uma série de motivos pode ter contribuído para a decisão da empresa, sendo que a maioria aponta para a necessidade da reforma.
É importante relembrar que a indústria automobilística é fortemente dependente da cadeia de fornecimento global. Neste contexto, a estrutura tributária brasileira contribui para que o país permaneça de fora dessa cadeia, pois alguns tributos incidem em diversas etapas da cadeia de produção nacional e, por mais que o IPI, o ICMS e o PIS e a Cofins não recaiam sobre a exportação, sempre existe um “resíduo” tributário que é exportado.
Ao longo dos últimos anos, uma série de medidas do Governo Federal tentou remediar este problema, como o “Reintegra” e o “Drawback”, mas são programas complexos e de inúmeras obrigações acessórias, onde o menor deslize já cria uma contingência tributária altíssima. O resultado disso foi a constatação da OCDE de que o país não participa ou se integra de maneira ínfima das cadeias mundiais de supply chain.
É preciso lembrar ainda que, na importação de mercadorias, temos o Imposto de Importação, o IPI, o ICMS, o PIS e a Cofins. Ainda que alguns destes tributos sejam compensáveis, a importação de outros países de partes e peças para agregar no carro montado localmente acaba prejudicando o seu preço final.
Além disso, existe o chamado índice de nacionalização. A indústria automobilística precisa obedecer a determinados índices de nacionalização para poder evitar a sobretaxa da alíquota do IPI (de até 30%), além de investimentos mínimos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) para obter uma redução adicional de dois pontos na alíquota do IPI.
A medida foi criada para estimular o valor agregado aqui no Brasil, porém, hoje, o índice de nacionalização gira em torno de 55% e, se essa porcentagem não é atingida, a montadora tem alíquota de IPI majorada na saída subsequente.
Outro ponto importante é o dos preços de transferência. Ao importar para revender, a maioria das empresas utiliza o método do preço de revenda menos lucro, que exige que se tenha uma margem mínima de lucro agregado sobre a revenda. É feito um cálculo da participação de cada peça importada no produto final e este preço é comparado com o preço de venda deste produto final – assim chega-se, de maneira artificial, ao preço de revenda de cada peça importada. Esta margem mínima, para a indústria automobilística, é de 20%.
Se compararmos estes requerimentos com as obrigações da indústria automobilística no mundo todo, principalmente em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), vemos o modelo da distribuição com riscos limitados, ou até do método “profit split”, no qual é possível que a atividade de montagem simples não represente tanto valor agregado e a revenda possa ser feita com uma margem de lucro menor, mantendo a comparabilidade com nossos coirmãos México, Chile e agora a Colômbia, países integrantes da OCDE e que já adotam mecanismos semelhantes, sem perder postos de trabalho ou arrecadação em decorrência disso.
Ainda na esteira das relações internacionais, outro problema é a importação de serviços e as limitações ao pagamento de royalties ao exterior. Sabe-se que o Brasil tem, como política, impor um alto nível tributário aos serviços prestados no exterior com resultado verificado no país, como política econômica que tenta forçar a contratação legal – ainda que isso não se verifique.
Não existem dados consolidados, mas impor quase 40% de tributação adicional na importação de um serviço técnico de engenharia torna quase impossível a sua utilização. Outro ponto está na remuneração pelo uso de tecnologias de ponta. O Brasil limita o pagamento de royalties sobre tais tecnologias a 5% da receita líquida obtida com a tecnologia, percentual baixo se comparado com os padrões de mercado. Empresas multinacionais vêm enfrentando problemas com tais limitações e acabam optando por licenciar tecnologias de segunda ou terceira linha, cuja remuneração seria mais compatível com este limite de 5%.
Diante desses obstáculos, fica evidente que a saída da Ford do país é mais um convite para se debater a reforma tributária, visto que diversos desses pontos - como a simplificação da tributação indireta, a revisão das regras de preços de transferência e até as de royalties – fazem parte dos projetos de reforma parados na pauta do Congresso ou até dos projetos em andamento junto à Receita Federal, como é o projeto de convergência das regras de preços de transferência com o padrão da OCDE.
No início do ano passado, o assunto prometia entrar como prioridade na pauta de Governo e Congresso, porém, acabou tendo suas discussões suspensas pela pandemia da Covid-19. Este ano, com a vacinação à vista, espera-se que o assunto seja retomado como urgência e debatido de forma ampla. O adeus da montadora norte-americana ao Brasil só reforça essa necessidade.
*Francisco Lisboa Moreira é sócio da área tributária do Bocater Advogados.
Add new comment