STJ: Provedor tem que fornecer dados mesmo com hospedagem de e-mail no exterior

Microsoft defendeu que a Justiça brasileira seria incompetente para a análise do caso, já que o endereço eletrônico era acessado de fora do Brasil/Pixabay
Microsoft defendeu que a Justiça brasileira seria incompetente para a análise do caso, já que o endereço eletrônico era acessado de fora do Brasil/Pixabay
Especialistas avaliam os impactos da decisão.
Fecha de publicación: 04/03/2021

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​​De acordo com o Marco Civil da Internet, haverá a aplicação da lei brasileira – e a jurisdição de autoridade nacional – sempre que qualquer operação de coleta, armazenamento e tratamento de registros e dados pessoais ou de com​unicações por provedores de internet ocorrer no Brasil, ainda que apenas um dos dispositivos esteja no país e mesmo que as atividades sejam feitas por empresa no exterior.

A decisão, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), manteve o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que determinou o prosseguimento da execução de multa de R$ 310 mil contra a Microsoft, por descumprimento de ordem judicial para fornecer informações de um usuário de e-mail que teria lançado ameaças contra uma pessoa e uma empresa.

No recurso especial, a Microsoft defendeu que a Justiça brasileira seria incompetente para a análise do caso, já que o endereço eletrônico era acessado de fora do Brasil e o provedor de conexão também se localizava no exterior.

A relatora do recurso, a ministra Nancy Andrighi, explicou que, de acordo com a doutrina, em conflitos transfronteiriços na internet, a autoridade responsável deve atuar de forma prudente, reconhecendo que a territorialidade da jurisdição permanece como regra, cuja exceção só pode ser invocada quando atendidos três critérios cumulativos: a existência de fortes razões jurídicas de mérito; a proporcionalidade entre a medida e o fim desejado; e a observância dos procedimentos previstos nas leis locais e internacionais.

A ministra também lembrou precedente da Quarta Turma (REsp 1.168.547) no sentido de que, quando a alegada atividade ilícita tiver sido praticada na internet, independentemente de foro previsto no contrato de prestação de serviço, a autoridade judiciária brasileira é competente – desde que seja acionada para resolver o conflito se o autor tiver domicílio no país, e o Brasil tenha sido o local de acesso à informação.


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Nancy Andrighi considerou um equívoco imaginar que qualquer aplicação hospedada fora do Brasil não possa ser alcançada pela jurisdição nacional ou que as leis brasileiras não sejam aplicáveis às suas atividades.

"É evidente que, se há ofensa ao direito brasileiro em aplicação hospedada no estrangeiro (por exemplo, uma ofensa veiculada contra residente no Brasil em rede social), pode ocorrer a determinação judicial de que tal conteúdo seja retirado da internet e que os dados do autor da ofensa sejam apresentados à vítima. Não fosse assim, bastaria a qualquer pessoa armazenar informações lesivas em países longínquos para não responder por seus atos danosos", explicou.

Leitura no Brasil

Segundo a ministra, a alegação de que os acessos à conta de e-mail da qual se originaram as mensagens ofensivas teriam ocorrido no exterior, além de não ter sido devidamente comprovada, não é relevante para a solução do processo, tendo em vista que tais mensagens foram recebidas e lidas em território brasileiro – o que, para a relatora, já é motivo suficiente para atrair a jurisdição nacional.

Ao manter o acórdão do TJSP, Nancy Andrighi enfatizou que a afirmação de que a obtenção dos dados do autor das mensagens dependeria de provedores localizados fora do país não é capaz de alterar o julgamento, pois o procedimento de identificação precisa de informações tanto dos provedores de aplicação quanto, posteriormente, de um provedor de acesso (uma empresa de telefonia).

"Esta controvérsia envolve a primeira parte das informações (os registros de aplicação). Se houver a necessidade de dados de provedores de acesso localizados no estrangeiro, então haverá o dever de pleitear tais informações em jurisdição estrangeira", concluiu a ministra.

Para Guilherme Braguim, advogado da área de proteção de dados, direito digital e propriedade intelectual do ASBZ Advogados, a decisão do STJ reafirma a competência do Poder Judiciário para determinar o fornecimento de registros de acesso de um endereço de e-mail hospedado no exterior e envolvido. “Isso reforça a importância da garantia da soberania nacional quando a situação posta em evidencia, de início, um cenário transfronteiriço na internet, mas cujos efeitos são sentidos no Brasil. Como um país com regulamentação específica sobre as atividades na rede, o Marco Civil da Internet, é importante que o Brasil se posicione de maneira efetiva e defenda a aplicação da legislação mesmo para empresas estrangeiras, evitando e limitando possíveis impunidades diante do uso de tais empresas pelos autores de ilícitos, assim como bem fez o STJ”, avalia o especialista. 

Márcio Chaves, sócio e head da área de direito digital do escritório Almeida Advogados acredita que a tese defendida por grupos de provedores de aplicação (empresas de tecnologia) que possuem operações em território brasileiro, de que não teriam obrigação de seguir a lei brasileira (inclusive quanto à jurisdição) porque a empresa está sediada fora do país, já não encontra sustentação há algum tempo.

“Mesmo depois de ter um artigo específico previsto na legislação (art. 11 do MCI) ainda continuaram insistindo até chegarmos ao julgado do STJ de agora. A regra é: se oferece produto/serviço no país, tem que seguir as leis locais, sob pena de ter até mesmo o acesso ao site do conteúdo/serviço violador bloqueado por ordens judiciais direcionadas aos backbones dos provedores de conexão (as operadoras de telefonia), sem prejuízo das penalidades administrativas previstas tanto no MCI quanto na LGPD, incluindo as salgadas multas”, explica. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Leia o acórdão.​​ Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1745657.


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