Acesso do IBGE a dados de usuários de telefone reacende discussão sobre privacidade

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Instituto defende defende manter pesquisas, mas dúvidas permanecem sobre finalidade de tantas informações.
Fecha de publicación: 21/04/2020
Etiquetas: COVID-19, telefone

Próximo de completar 84 anos, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) recebeu um auxílio essencial para o seu trabalho: enquanto a pandemia de coronavírus impedir que pesquisadores e recenseadores vão às ruas ouvir pessoas, uma medida provisória editada no dia 17 de abril obriga que as operadoras de telefonia a cederem "a relação dos nomes, dos números de telefone e dos endereços de seus consumidores, pessoas físicas ou jurídicas".

É como se o IBGE recebesse informações pessoais e detalhadas, os números de celular de 78,2% da população brasileira (que tem mais de 10 anos e possuem aparelho), assim como de 93,2% de todas as residências brasileiras que possuem telefone fixo, segundo dados de 2018 do próprio instituto.

Tal flexibilização, que ainda precisa ser ratificada pelo Congresso, já recebe críticas. O inciso XII do artigo 5º da Constituição torna inviolável "o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas", exceto em casos restritos.

A medida do governo federal não é a primeira a promover a união entre operadoras de telefonia e o governo no contexto da pandemia de Covid-19. Desde o início de abril, o governo do estado de São Paulo se vale de dados de geolocalização de celulares para apontar onde as pessoas estão aglomeradas.

O recurso, chamado Sistema de Monitoramento Inteligente (Simi), ajuda o poder público a adotar medidas que promovam o isolamento necessário para a contenção da pandemia, mas está sendo questionado na Justiça justamente pelo seu uso de dados de aparelhos pessoais.

Segundo o IBGE, a adoção destas medidas atende a um pedido do Ministério da Economia, para que pesquisas vitais ao país não sejam afetadas, como o caso da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

"Para não comprometer a produção de indicadores e estatísticas sobre a economia, e fornecer um retrato fidedigno e atualizado sobre o País, o IBGE, como a maioria dos institutos de estatística do mundo, terá que migrar suas pesquisas para formas de coleta de dados não presenciais, adotando, principalmente, a coleta por telefone", afirmou o Instituto em nota, nesta segunda-feira. 

O órgão de pesquisa afirmou que deverá executar, entre o fim de abril e maio, uma edição do que chama de "PNAD-Covid". A preocupação sobre a utilização dos dados, porém, pode ir mais longe: a entidade deveria iniciar, ainda este ano, o Censo 2020, que apresenta os dados mais completos sobre a população brasileira.  

Para o IBGE, a coleta de tais dados não entra em confronto com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), marco legal sobre o tema e que deve começar a vigorar ainda este ano: "a MP está adimplente com todas as condições da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, e foi objeto de amplo debate dentro do Ministério da Economia de modo que seu texto garantisse o sigilo das informações envolvidas e a total adimplência com os dispositivos da LGPD", apontou a nota.

Na nota, o IBGE reitera que tais informações seriam tratadas com o mais absoluto sigilo e que Anatel e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTIC) opinaram favoravelmente ao texto.

O texto, porém, é alvo de críticas graves. "A MP não apresenta uma finalidade específica para os dados, o que abre o leque para uma infinidade de ações a serem feitas", argumentou a especialista de direito digital Mariana Costa. A consultora, que é head de inovação na Gyntec Academy, em Goiânia, aponta que as salvaguardas técnicas sobre a segurança dos dados também são inexistentes no texto legal.

"Ao  identificar em massa as pessoas, sem uma finalidade específica e sem tratar de uma forma melhor este assunto, se torna algo muito genérico e dá um poder muito grande ao IBGE ou quem quer que tenha estes dados".

Entre a necessidade de dados confiáveis pelo Estado e a privacidade dos seus cidadãos, Mariana aponta um paralelo da MP, com o Patriot Act, uma lei americana assinada um mês depois dos ataques de 11 de setembro. Por conta da ameaça terrorista, a lei permitiu violações à privacidade de americanos.

"A linha do que se torna justificável é bem tênue", diz Mariana. "Sob o pretexto de guerra ao terrorismo, houve ações governamentais nos EUA que, em último caso, levaram ao caso Snowden e à vigilância em massa da população". 

Diante de momentos graves como o atual cenário brasileiro, entende a especialista, é necessária a vigilância de instituições do governo e de fora dele, para que tais dados não encontrem uma finalidade diversa ou que coloque indivíduos em risco. 

"Não acho que devamos abrir todas as porteiras em nome de combater um vírus. Ainda há medidas [envolvendo o uso de dados pessoais durante a pandemia] muito bem-vindas a serem adotadas no combate à Covid-19, e que não envolvam a quebra de privacidade", afirma Mariana. 

Entre os exemplos positivos, a head de inovação lembrou da parceria entre as gigantes americanas Google e Apple, para rastrear e notificar pessoas que estiveram em contato com infectados pela Covid-19.

Utilizando-se do sistema Bluetooth dos aparelhos, a aplicação pode localizar e avisar quem esteve próximo de alguém contaminado, sem no entanto invadir dados pessoais dos titulares dos aparelhos. A expectativa é que o código da aplicação esteja disponível em maio para programadores e autoridades públicas.

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