Juristas avaliam indulto de Bolsonaro a Daniel Silveira

Daniel Silveira poderá ter de pagar multa diária de R$ 15 mil, caso deixe de usar tornozeleira eletrônica/Câmara dos Deputados
Daniel Silveira poderá ter de pagar multa diária de R$ 15 mil, caso deixe de usar tornozeleira eletrônica/Câmara dos Deputados
Perdão a deputado também é questionado por políticos e partidos no STF e na Câmara dos Deputados.
Fecha de publicación: 25/04/2022

A novela Daniel Silveira (PTB-RJ) X STF X Bolsonaro (PL-RJ) deverá ter novos capítulos nesta segunda-feira (25). O mais novo embate dessa disputa é o uso da tornozeleira eletrônica. O deputado teria retirado o dispositivo, neste fim de semana, depois que o presidente Bolsonaro concedeu a chamada graça constitucional ao parlamentar. Com isso, o ministro Alexandre de Moraes deve determinar multa de R$ 15 mil por dia a Daniel Silveira por descumprir as medidas cautelares estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal.

Desde a última quinta-feira (21), quando o presidente Bolsonaro concedeu o perdão ao deputado, que é de sua base política - e extinguiu as penas privativas de liberdade e restritivas de direito - juristas, parlamentares e partidos políticos questionam a medida. O STF condenou Silveira a 8 anos e 9 meses de prisão e perda do mandato, além de multa de R$ 212 mil. O deputado foi acusado pelo Ministério Público Federal de incitar atos antidemocráticos e de fazer ataques a instituições, incluindo o Supremo.


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Para Lenio Luiz Streck, professor de Direito Constitucional  e sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados, foi o ato mais grave de agressão à democracia cometido pelo presidente Bolsonaro. “Atravessou o rubicão, foi, voltou e atravessou de novo. Pisoteou. Ao conceder a graça ao deputado, Bolsonaro ofende o STF. Há nítido desvio de finalidade. Ultrapassou o limite da separação de poderes. Se o Supremo decidiu quais os atos que ferem a democracia e ao próprio Tribunal, não pode ser o presidente da República que se arvorará no interprete do interprete. O presidente não é o superego da nação. Há abuso de competência. Quem guarda a Constituição Federal é o STF, não o presidente da República. O Brasil dá péssimo exemplo ao mundo. Só reis absolutistas agem desse modo. Mas ainda, há STF no Brasil, deve haver para conter esse abuso”, diz.

Vera Chemim, advogada, especialista em direito constitucional, acredita que há que se reconhecer a constitucionalidade do decreto, uma vez que atende à previsão dos dispositivos constitucionais e legais, especialmente a constatação da competência privativa do presidente da República em conceder o benefício, conforme estabelece o Inciso XII do artigo 84 da Constituição, assim como o artigo 734 do Código de Processo Penal e Inciso II do artigo 107 do Código Penal.

“Resta o debate polêmico acerca da possibilidade de extinção das penas de caráter político, como a perda de mandato, a suspensão dos direitos políticos e a consequente inelegibilidade (conforme prevê a Lei da Ficha Limpa). Independentemente de tais consequências, o STF terá que se deparar, inevitavelmente, com as demandas que serão ajuizadas por partidos políticos, no sentido de declarar ou não a inconstitucionalidade do decreto presidencial”, afirma a advogada.

Fernando Augusto Fernandes,  advogado criminalista e constitucionalista, acredita que nesse caso específico poderá o STF apreciar um desvio de finalidade no ato do presidente da República. “O precedente que examina a matéria não trata de uma decisão imediatamente após a decisão, que afronta a autoridade da Corte e a separação dos poderes. É de se observar que o Congresso Nacional, órgão de origem do deputado, não se manifestou. O Indulto não suspende os efeitos da inexigibilidade, pois é ato posterior a condenação”, explica.

De acordo com Pedro Serrano, professor de Direito constitucional, não há previsão de graça na Constituição. “A motivação que contamina o ato político produzido Bolsonaro fundamenta sua decisão em uma interpretação do Direito à livre expressão imediatamente oposta à do STF. Ao fazer isso, ingressa no papel de guardião da Constituição, de seu intérprete final. O único exemplo histórico que temos do chefe do Executivo como guardião da Constituição foi no nazismo. É totalmente inconstitucional o decreto, não apenas por razões formais”, avalia.

Partidos ajuízam ações no STF e PDLs no Legislativo

A Rede Sustentabilidade, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Cidadania ajuizaram no STF Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs 964, 965 e 966) questionando decreto do presidente. As legendas alegam que a norma violou os preceitos fundamentais da impessoalidade e da moralidade, que devem reger a atuação da administração pública, previstos no artigo 37 da Constituição Federal. Apontam ainda que o decreto deve ser anulado, pois concedeu graça constitucional sem que tenha ocorrido o trânsito em julgado de condenação (quando não cabe mais recurso).  

Na avaliação das siglas, houve também desvio de finalidade, porque o ato não foi praticado visando ao interesse público, mas sim o interesse pessoal de Bolsonaro, já que Daniel Silveira é seu aliado político. Os partidos apontam também que a norma afronta o princípio da separação de poderes: o presidente da República não pode se portar como uma instância de revisão de decisões judiciais criminais que o desagradam.

A Rede Sustentabilidade também requer a suspensão do ato do presidente da República que, na avaliação do partido, afronta o bom andamento do processo e resulta da desobediência da decisão condenatória do STF.


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Na Reclamação (RCL) 53001, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) argumenta que o presidente da República desvirtuou a finalidade do instrumento e desrespeitou a decisão do STF. O senador pede liminar para que o decreto tenha seus efeitos suspensos e seja declarado inconstitucional. As ações foram distribuídas à ministra Rosa Weber.

Na Câmara dos Deputados, cinco projetos de decreto legislativo (PDLs) apresentados na última sexta-feira (22) anulam os efeitos do decreto do presidente Jair Bolsonaro: PDL 101/22, apresentado pela bancada do Psol; PDL 102/22, da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC); PDL 104/22, da deputada Maria do Rosário (PT-RS); PDL 106/22, do deputado Rogério Correia (PT-MG); e PDL 107/22, do deputado Alexandre Frota (PSDB-SP).

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