O presidente Jair Bolsonaro é citado ou tem ligação, segundo juristas, em processos no Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ministério Público (MP) do estado do Rio de Janeiro, Câmara e Senado. São acusações como interferência na Polícia Federal, financiamentos de atos inconstitucionais, inquérito e CPI das fake news, pedidos de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão no TSE, infração de medida sanitária e quase 30 pedidos de impeachment no Congresso Nacional.
LexLatin ouviu três juristas especializados em Direito Penal para discutir a situação legal do mandatário da nação. Eles analisam os atos que podem levar o presidente a ser responsabilizado criminalmente por estas condutas.
Na opinião deles, ao discutir os atos do presidente da República, estão sendo analisados atos com impacto para a ordem pública e que têm consequências diretas no dia a dia e no destino da população. Suas ações ou omissões podem desencadear infrações, crimes, improbidades e questões que estão na ordem do dia, diante das acusações de adversários e investigações nesses vários âmbitos da Justiça brasileira.
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Adoção de medidas sanitárias
A postura de Bolsonaro ao não adotar medidas sanitárias contra a Covid-19 é um dos assuntos da ordem do dia nos últimos meses, especialmente depois que o presidente contraiu a doença.
O professor de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo (USP) e do IDP em Brasília, Gustavo Justino de Oliveira, explica que, na questão da Covid-19, a princípio, o presidente começou a ser criticado por ações omissivas. “Omissão perante uma estratégia adequada e eficiente. Nesse caso, é difícil de fazer um enquadramento criminal”.
Depois da contaminação de Bolsonaro, a situação ficou mais complicada. Nesse caso, segundo o jurista, é possível enquadrá-lo nos artigos 131 e 132 do Código Penal. “Quando ele cria um cenário com possibilidade de contaminação, quando ele já sabe que está contaminado, como tirar a máscara para falar, já tem uma evidência de contaminação e ele continua a circular, falar com pessoas e realizar reuniões”.
O especialista também tipifica o presidente no artigo 267 do Código Penal, que é causar epidemia. “Ele foi para os EUA, a comitiva dele pode ter trazido a contaminação para o Brasil, sobretudo para Brasília, incluindo sua equipe”, afirma. “E, além disso, tem o artigo 268. Ele não teria impedido a propagação da doença contagiosa, sabendo que está contaminado ou que parte de sua comitiva estava”.
Outra questão que pode render processos contra o presidente é a própria Lei 13.979/2020, a chamada Lei Covid, que traz uma série de práticas que devem ser implementadas não só pela União. “Ali tem uma série de condutas que ele desrespeitou à legislação sanitária, como uso de máscara”, diz Oliveira.
"O primeiro crime seria a infração de medida sanitária preventiva. Ele se destina à pessoas que não cumprem deliberadamente uma determinação do poder público, que tem como finalidade impedir a propagação de uma doença contagiosa. A conduta de usar a máscara, por exemplo, é usada por qualquer pessoa, não importa se está contaminada ou não", afirma Helena Lobo da Costa, professora de Direito Penal da USP.
Para o advogado criminalista Davi Tangerino, o diagnóstico de Bolsonaro se soma à propaganda da cloroquina, além da produção de 18 milhões de unidades do remédio pelo Exército. “Isso para virar uma improbidade é um passo. Qual o sentido de uma superprodução de cloroquina quando há meses está sendo dito que o remédio não combate o coronavírus? É preciso saber se as Forças Armadas se valeram de contratações emergenciais de laboratórios? Essa é uma dúvida”, explica.
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Obstrução de Justiça
Para Gustavo Justino de Oliveira, outras condutas podem ser tipificadas contra o presidente, como a obstrução de Justiça. Nesse âmbito, a discussão gira em torno do caso que gerou a demissão do ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro.
Um inquérito foi aberto no STF, a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras. Moro afirma que o presidente tentou interferir na Polícia Federal do Rio de Janeiro. Na época, o comandante da PF, Maurício Valeixo, foi demitido.
“Tem uma possibilidade de obstrução de Justiça mesmo, de informações que ele tem e não deixa serem investigadas, na conduta dele ao querer trocar a direção da Polícia Federal e falar abertamente que é para defender os familiares. Esse crime no Brasil não é tão explícito, vem da Lei das Organizações Criminosas. É um tipo penal de uma legislação especial”.
Davi Tangerino também vê “indícios fortes de uma intervenção indevida para interesses familiares”. “O vídeo está lá, as explicações foram pífias, pode ser prevaricação e crime contra a administração pública”, analisa.
Na época, a exoneração de Maurício Valeixo foi publicada sem a assinatura do então ministro Moro. Mas no Diário Oficial constava sua assinatura, o que pode implicar “documento falso com a assinatura do Moro”, na avaliação de Tangerino.
Helena Lobo da Costa acredita que é preciso olhar o caso Moro com cautela. “Ainda temos muitas coisas para investigar. Não entendemos a relação de causalidade entre as investigações que estavam acontecendo na Polícia Federal do Rio de Janeiro e a conduta do presidente. Poderíamos ter um problema de obstrução de Justiça. Poderíamos ter falsidade ideológica, no caso da publicação da exoneração do diretor da Polícia Federal no Diário Oficial”, diz.
Oliveira também vê indícios na área administrativa. “Ele, como autoridade, tem o poder de proteger determinadas pessoas ou representar interesses de terceiros no governo, proteger determinadas organizações ou oferecer facilitações a alguns grupos”.
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Fake news e caso Weintraub
Outra questão relevante é o desvio de recursos públicos para alimentar o chamado “gabinete do ódio”, acusado de propagar fake news. “O crime de peculato é o de desviar bens da administração pública para interesses particulares. Se chegarmos à conclusão que foi desviado dinheiro do contribuinte para alimentar essa rede, aí nós poderemos ter o crime de peculato, um crime comum e mais sério”, diz Tangerino.
Gustavo Justino Oliveira acredita que o inquérito das fake news pode ser um dos mais perigosos para Bolsonaro. "O mais dramático pode ser o das fake news, um possível conhecimento do presidente da divulgação de notícias falsas. Isso sem falar em outros crimes comuns, como a presença em atos antidemocráticos”, afirma.
Helena Lobo da Costa explica que fake news ainda não é crime no país, mas há outras formas de punir os autores dessa disseminação de notícias falsas. “O que temos na legislação são crimes contra a honra. Eu posso criticar um ministro do STF? É claro que posso. Inclusive esse direito de crítica vai até além do direito de criticar as decisões”, afirma. “Eu posso falar: tal ministro é despreparado, não estuda, o que é algo bastante forte. Mas eu não posso incentivar as pessoas a estuprar as filhas do ministro, como aconteceu. Aí já saímos do âmbito da liberdade de expressão e entramos no âmbito de violação à honra alheia”.
Outro episódio nebuloso, de acordo com os juristas, foi a saída do ministro Adam Weintraub do país depois de ser demitido do cargo. A sua exoneração só saiu quando ele já estava nos Estados Unidos. “A temporalidade dos fatos deixou super claro que Weintraub entrou nos EUA com um status sabidamente mentiroso, de ministro [brasileiros estão obrigados a fazer quarentena para entrar nos Estados Unidos por causa da pandemia, mas ministros têm visto especial e podem entrar diretamente]. Assim que ele pousou foi publicado no Diário Oficial um ato com a desoneração dele. Tem um cheiro de falsidade, de ajuda para o sujeito fugir de um inquérito. E, nesse caso, tem que ter um conhecimento do presidente”, explica tangerino.
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