O que diz a lei brasileira sobre os cigarros eletrônicos

A lei enquadra a comercialização dos dispositivos eletrônicos nas hipóteses de infração à legislação sanitária federal/Canva
A lei enquadra a comercialização dos dispositivos eletrônicos nas hipóteses de infração à legislação sanitária federal/Canva
Venda é proibida desde 2009 no país, mas eles são comercializados livremente nas ruas.
Fecha de publicación: 16/02/2022

A reportagem começa pelos quarteirões mais movimentados da rua Santa Ifigênia, tradicional endereço para o comércio de eletrônicos no centro de São Paulo. Onde antes se comercializavam jogos piratas de videogames e programas de computador, hoje outros produtos tomam seu lugar. Entre eles, os cigarros eletrônicos. Alguns parecem com os pequenos pen drives que outrora eram vendidos ali. Outros maiores lembram canetas e charutos.

Se os preços variam entre eles (há modelos de menos de R$100 - outros que custam até R$ 600), seus efeitos no corpo são nefastos, e até piores que os cigarros, para os quais os cigarros eletrônicos surgiram como “alternativa”. 

No cenário brasileiro, o caso do cantor sertanejo Zé Neto, que apresentou um quadro de “foco de vidro” no pulmão, chamou a atenção para o uso do produto. Nos Estados Unidos, mortes pelo uso do produto fizeram com que as empresas do setor sentissem, pela primeira vez, uma pressão próxima ao que as companhias de tabaco passaram nos anos 1990. 

Por mais que os estudos epidemiológicos sejam recentes, já é possível dizer que o cigarro eletrônico faz mal pelo fato de que muitos dos componentes do cigarro de tabaco, cujos estudos apontam riscos para humanos há pelo menos setenta anos, estão ali presentes.

“E há certas coisas que não tinham no cigarro convencional que há no cigarro eletrônico, e que sabemos que faz mal”, diz Paulo Corrêa, pneumologista e coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). “O nível em cigarro eletrônico é de duas a 100 vezes maior em cigarros eletrônicos que o cigarro convencional”.

O que se sabe é que o níquel é um elemento já reconhecidamente cancerígeno e que causa câncer nasal e de pulmão. O que não se sabe ainda, aponta Paulo, é a magnitude (tamanho) dos riscos causado pelos e-cigarrettes - para a ciência os descrever adequada é completamente serão necessárias décadas de pesquisas do consumo desses produtos.

E descrever os riscos para os dual users (os que não pararam o cigarro convencional  é usam também o eletrônico), além dos riscos para as pessoas que se iniciaram nos ecigs é mantiveram apenas o uso desses produtos

No caso brasileiro, a legislação regulatória é clara: há doze anos e meio, a venda de cigarros eletrônicos (ou Dispositivos Eletrônicos de Fumar) é proibida. O texto da resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) determina que a proibição vale para os vaporizadores (os “vapes”) e os seus líquidos. A Anvisa pode, em certos casos, liberar o cadastro dos produtos, mas mesmo estes ficariam proibidos de venda a menores.


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A lei enquadra a comercialização dos dispositivos eletrônicos nas hipóteses de infração à legislação sanitária federal. Tanto as sanções administrativas cabíveis como o procedimento para sua aplicação estão previstas em uma lei de 1977 que regulamenta a questão.

Além da venda em ambientes físicos, como na Rua Santa Ifigênia, a venda em ambientes virtuais deve ser coibida: “as plataformas de marketplaces têm por dever prever ou favorecer mecanismos de fiscalização e controle para impedir ou limitar o incremento de ofertas de produtos ilegais”, ressalta Renata Schuch, advogada especialista em direito regulatório e sócia do Schuch Advogados.

A multa para quem comercializa, importa e divulga estes produtos, explica o sócio do escritório Martinelli & Guimarães Advocacia Contemporânea, Gustavo Martinelli, varia de R$200 mil a R$1,5 milhão. Mesmo assim, o mercado segue em franca expansão. 

O problema é que a resolução tem seus limites na venda do produto - a partir daí, o jogo muda. “Relativamente ao porte do produto pelo usuário, como normalmente ocorre com as agências reguladoras, trata-se de norma direcionada à cadeia de fornecedores, não aos consumidores”, pondera o advogado paranaense. Dessa forma, não há qualquer impeditivo legal quanto ao porte de ‘vapes’.”

No caso do crescente número de menores que consomem o produto, seja em ambientes públicos ou privados, o advogado aponta que, novamente, a responsabilidade recai sobre o comerciante do produto. Isso, em tese, livra pais e responsáveis de responsabilidade.

Gustavo entende, no entanto, que este deve ser mesmo o limite legal dos vaporizadores, uma vez que uma penalização maior a quem consome os vapes seria contrário às vontades do legislador - que quis desincentivar, e não proibir, o uso destes aparelhos.


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Renata Schuch ressalta que, além de leis específicas, o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a venda para jovem de tabaco - o mesmo valeria para os vapes. “Por analogia, vez que não menciona expressamente os dispositivos eletrônicos, podemos aplicar o Estatuto. Contudo, o consumo de tabaco não é crime, não podendo se falar em punição ou responsabilização de pais ou qualquer outro responsável pelo menor”, ressaltou.

Paulo Corrêa indica que, no futuro, o momento enfrentado pelas grandes empresas de tabaco virá para os cigarros eletrônicos. E será enfrentado por estas mesmas empresas, já que gigantes do setor de tabaco são hoje donas de parte ou todo de fabricantes de cigarros eletrônicos e seus aditivos.

“Elas usam das mesmas estratégias de recrutamento de jovem, associação com sucesso - o clássico, o old school da indústria do tabaco, a indústria do vape está fazendo”, diz Paulo. “E, com muita capacidade de influência, eles conseguem o que querem.”

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