O que o fundão eleitoral nos diz sobre a realidade política brasileira?

Especialistas apontam que escolhas do Brasil sobre modelo de financiamento trouxeram ao momento atual/Pixabay
Especialistas apontam que escolhas do Brasil sobre modelo de financiamento trouxeram ao momento atual/Pixabay
Discussão reacente debate sobre financiamento público x privado de campanha.
Fecha de publicación: 27/07/2021

Está na mesa do presidente Jair Bolsonaro, aguardando sua sanção ou veto, a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para o ano de 2022. Como o próprio nome sugere, são regras a serem seguidas para a produção do orçamento, que ocorrerá apenas no final do ano. Mas a batata está quente, e no colo de Bolsonaro: aprovar a lei como está fará com que o país reserve R$ 5,7 bilhões de um fundo eleitoral para partidos políticos disputarem as eleições de 2022. 

O valor, o triplo dos R$ 2 bilhões reservados em 2018, causou verdadeira celeuma na base de apoio do presidente, e promove mais um desgaste de sua imagem. Na última segunda-feira (26), Bolsonaro acenou que pode vetar apenas parte do fundo, diminuindo para R$ 4 bilhões, o dobro do destinado no último ciclo eleitoral nacional.

A nova onda de discussões sobre o fundo eleitoral reacendeu uma discussão iniciada em 2015 pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que proibiu naquele ano o financiamento privado de campanhas. Especialistas alertam que as decisões tomadas naquele ano têm consequência direta sobre a composição do fundo eleitoral e que o Brasil não pode evitar de financiar suas campanhas e seus partidos políticos, pelo meio que for.

O texto da LDO foi aprovado de maneira muito rápida pelo Congresso - o texto, apresentado na madrugada do dia 15 de julho, estava aprovado no final da tarde tanto pelos deputados quanto pelos senadores do Congresso Nacional. Uma articulação de partidos, em sua maioria de oposição a Bolsonaro, tentou parar o crescimento do “fundão”, mas acabou ignorado. 

A discussão acabou descambando para os ataques pessoais: o presidente Jair Bolsonaro acusou o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), de arquitetar a aprovação do fundo eleitoral. Quando procurado, minutos depois, Marcelo Ramos disse que “é típico dele e dos filhos correr das suas responsabilidades e obrigações.” 

O próprio decano do Supremo, Gilmar Mendes, disse que já havia avisado que a proibição de financiamento privado de campanha teria este efeito colateral. A decisão coincidiu com o início da Operação Lava Jato e com as descobertas de que um grupo de empresas, em sua maioria empreiteiras de grande porte, financiaram quase que indiscriminadamente as campanhas de partidos de situação e oposição.

A advogada eleitoral e coordenadora acadêmica da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), Emma Roberta Palú Bueno, considera que o caso do fundão de hoje tem raízes naquele julgamento, concluído por oito votos a três. “As campanhas eleitorais eram majoritariamente financiadas por pessoas jurídicas. Então, quando houve uma pressão inclusive popular antes do julgamento, a consequência dessa decisão foi a criação deste fundo eleitoral.” 

A advogada considera improvável que Jair Bolsonaro seja capaz de vetar a medida. “Embora ele venha com um discurso para vetar, e sinalizaria que poderia vetar parcialmente, em 2019, quando foi aumentado pela primeira vez os valores do fundo eleitoral , ele também disse que vetaria, mas acabou aprovando dizendo que, se não atuasse, acabaria com um processo de impeachment”, rememorou.

O cientista político e diretor da Dominium Associados, Leandro Gabiati, aponta que a discussão da LDO é sintomática de um Congresso Nacional reformista e liberal, mas que ao mesmo tempo joga para o governo federal o ônus das ações em benefício próprio. O cientista político também argumenta que o valor pode ter passado inflado, justamente para que as partes pudessem "queimar gordura" e diminuir este montante com o passar das negociações.

Há inclusive fatores culturais, além da política, que influenciam no fundão. “Não temos a cultura como, por exemplo nos Estados Unidos, de doação por pessoa física”, disse Gabiati. “Se não temos empresas e pessoas jurídicas, o que resta?”


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Por isso, tanto Emma quanto Leandro chegam à mesma conclusão: “a política e a democracia têm um custo”. No entanto, ambos discordam sobre quem irá arcar com ele.

Leandro considera a decisão de proibir o financiamento de campanha como positiva, mas que o custo desta decisão deve ser absorvida pelo contribuinte. “Ser contra financiamento de campanha via fundo público beira a hipocrisia, porque se a decisão do Supremo fica de um lado e a pessoa jurídica não doa por outro, não há outra alternativa”, argumenta. “Sei que a palavra ‘hipocrisia’ é uma palavra dura até, mas há certa hipocrisia do cidadão em questionar o financiamento. Ninguém assume que a política, a democracia e as eleições têm um custo. ”

Já Emma Roberta argumenta em favor da volta do financiamento privado de campanhas - o que demandaria um concerto entre Legislativo e Judiciário para reverter o atual cenário. A advogada tem como argumento o fato de que o eleitor não é um indivíduo alheio às discussões ao seu redor: “Há quem fale que a empresa doe para este e aquele candidato, mas eu, eleitora, tenho condições em saber, mesmo pelo site do TSE, para quem esta empresa está doando, assim como saber de quem aquele deputado está recebendo.”

“Quando você permite que uma pessoa jurídica doe,essa doação fica sob o crivo da Justiça Eleitoral na prestação de contas de campanha”, ponderou a advogada. “Não tem como viver numa democracia e sermos contra um fundo público, ao mesmo tempo que somos contra doações de pessoas jurídicas.”

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