Os ataques de Bolsonaro à democracia - e as respostas do Judiciário

Movimentos apontam para uma primeira resposta das instituições para conter arroubos antidemocráticos do presidente/ Isac Nóbrega/PR
Movimentos apontam para uma primeira resposta das instituições para conter arroubos antidemocráticos do presidente/ Isac Nóbrega/PR
Instituições se mobilizam a favor do atual sistema eleitoral brasileiro e em defesa da urna eletrônica.
Fecha de publicación: 05/08/2021

Nos últimos sete dias, o presidente Jair Bolsonaro afiou as suas já pontudas lanças contra o sistema eleitoral brasileiro - e, por consequência, contra a democracia. Antigo defensor de mudanças no voto eletrônico - a quem ele, sem apresentar provas, indica ter sofrido fraudes - o presidente subiu o nível das ameaças em uma live no dia 29 de julho. Desde então, um movimento até então em tons inéditos, em prol do sistema democrático, ganhou as manchetes e apontou o acirramento dos ânimos entre a base governista e outros agentes democráticos.

O sinal mais contundente a estas investidas de Bolsonaro foi dado pelo presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso. O ministro, que também compõe o STF (Supremo Tribunal Federal), se valeu do discurso de abertura do semestre na Corte Eleitoral para alertar sobre o risco de erosão democrática no Brasil. “Há coisas erradas acontecendo no país, todos precisamos estar atentos. Precisamos das instituições, precisamos sociedade civil, ambas bem alertas", advertiu.


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“As democracias contemporâneas são feitas de votos, são feitas do respeito aos direitos fundamentais e são feitas de debate público de qualidade”, prosseguiu Barroso, que leu um discurso de cinco páginas. “A ameaça de não realização de eleições é uma conduta antidemocrática. Suprimir direitos fundamentais, incluindo os de natureza ambiental, é uma conduta antidemocrática. Conspurcar o debate público com desinformação, mentiras, ódio e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática.”

A fala já seria suficiente para inflamar as bases aliadas do presidente Jair Bolsonaro - que já enxergam em Barroso o nêmesis do voto impresso. Mas foram as ações práticas que atiçaram a ira do presidente. Dois dias após a fala de Barroso, o TSE já tinha um inquérito aberto para saber se as falas de Bolsonaro caracterizam abuso de poder político e econômico, além de fraude eleitoral.

É quando entra em ação outra figura do Judiciário: Alexandre de Moraes, que também ocupa cadeiras no TSE e no STF. Na Suprema Corte, onde comanda o controverso “Inquérito das Fake News” que investiga ações contra os próprios ministros, Moraes incluiu o discurso da quinta-feira passada nas investigações da corte. 

Bolsonaro contra-atacou: o presidente disse que poderá a partir de agora usar um antídoto “fora das quatro linhas da constituição”, e disse que a hora do ministro iria chegar. Ainda durante a noite desta quarta-feira (4), publicou em seu Twitter uma série de documentos que, em sua visão, comprovaria que os sistemas do TSE haviam sido invadidos. O Tribunal rapidamente alegou que, por mais que os fatos apresentados não fossem novos, o vazamento não apresentou risco às eleições de 2018. 

Na visão do diretor da Metapolítica, Jorge Ramos Mizael, os movimentos desta semana apontam uma primeira resposta das instituições para conter arroubos antidemocráticos de Bolsonaro. “Em uma democracia consolidada há a divisão dos poderes e a credibilidade das instituições”, pondera o cientista político. “Ao contrário disso, Bolsonaro busca deslegitimar as instituições brasileiras e inflamar a sua base contra o sistema eleitoral no Brasil e apresenta dúvidas em relação à realização das eleições de 2022”. 

Mizael também aponta que o atual movimento pode ser interpretado como outro limite, ao menos por parte da Suprema Corte. “Tudo isso parece também representar de maneira um tanto velada um grande desconforto do alto escalão do poder judiciário com a hesitação ou inação do senhor Procurador-Geral da República, Augusto Aras, em encabeçar as ações de "freio institucional" contra o presidente Bolsonaro”, analisou.

O advogado e professor de direito eleitoral Renato Ribeiro de Almeida lembra que é justamente o Ministério Público quem deverá analisar qualquer resultado que estas investigações produzam. “Caberia ao procurador-geral da república mover processo-crime, caso ele entenda ser necessário, contra o presidente da República”, disse. 

Há, no entanto, outras discussões no próprio TSE contra Bolsonaro. Estas, movidas pelo PT e pelo PDT, discutem ilícitos na campanha de 2018, como o disparo em massa de mensagens pelo Whatsapp. O processo continua aberto e pode apontar abuso de poder econômico pela campanha vencedora. “Se ficar comprovado que o presidente Bolsonaro e o vice Mourão se utilizaram de recursos empresariais para serem eleitos, esta ação de investigação judicial iniciada lá em 2018 pode gerar a cassação da chapa toda”, relembra Renato Ribeiro. 

Se ficar comprovada a ação direta de Bolsonaro e Mourão, ambos ficam inelegíveis por oito anos - uma novidade no caso de presidente da República, mas já aplicada anteriormente, como no caso de Selma Arruda, senadora cassada em 2019 também por abuso de poder econômico. O caso contra Bolsonaro e Mourão segue aberto na corte eleitoral.

No Congresso

Mas a narrativa bolsonarista contra o TSE foi rapidamente adotada no Congresso Nacional, onde deputados da base governista articulam alterações na Constituição em prol do voto impresso e retirando poderes da Justiça Eleitoral. 

“Nós vimos que o sistema eleitoral brasileiro é violável sim. Hackers podem violar estes sistemas assim como o Pentágono, assim como os hospitais, assim como os grandes laboratórios, não só do Brasil como do mundo”, disse a deputada Soraya Manato (PSL/ES), nesta quinta-feira. 


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Mizael aponta que o Legislativo tem focado em tocar suas pautas de reformas e privatização sem a tutoria do Executivo - e isso deve se manter. Enquanto a relação de Bolsonaro com o Judiciário preocupa novamente, a relação com o Legislativo despressuriza.

Isto, no entanto, faria parte de um movimento ambíguo de Bolsonaro. “Primeiro, trocou os seus ministros mais ideológicos (Ricardo Salles, Ernesto Araújo, Abraham Weintraub) por outros com um perfil mais ponderado. Além disso, aumentou fortemente a participação do Centrão na articulação política com Ciro Nogueira, Flávia Arruda, Rogério Marinho e o próprio Fábio Faria”, pontuou Mizael. “Porém, em contrapartida, para manter a conexão com esse eleitorado, endureceu ainda mais o seu discurso em pauta como o voto impresso.”

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