Propriedade intelectual e criptoarte: Hermès vs MetaBirkins

A primeira peça que Mason Rothschild criou sobre sua interpretação da bolsa Birkin, chamada 'Baby Birkin', foi leiloada por 5,5 ETH. / MetaBirkin.
A primeira peça que Mason Rothschild criou sobre sua interpretação da bolsa Birkin, chamada 'Baby Birkin', foi leiloada por 5,5 ETH. / MetaBirkin.
Para os advogados, NFT não permite usar a marca registrada, como é o caso da Birkin.
Fecha de publicación: 03/02/2022

A descrição que a Hermès - a luxuosa marca francesa de moda e artigos de couro - faz da 'Birkin', sua bolsa retangular característica e "um dos objetos mais cobiçados das últimas décadas", inclui uma anedota histórica que vem da designer e atriz Jane Birkin para as costuras 'delicadas' que brincam com a visão, como ilusões, e que, no mundo inteiro, só esta bolsa tem.

Recentemente, a Birkin, como tudo que é famoso, tornou-se alvo de polêmica ao introduzir massivamente o esperado debate sobre propriedade digital, abrigado por tokens não-fungíveis (NFT, Non-Fungible Tokens). O conflito 'sac à main', um dos mais caros do mercado, envolve Mason Rothschild, um criptoartista que fundou a 'MetaBirkins', uma coleção de 100 NFTs em que a bolsa é a base do processo artístico.

Rothschild foi processado pela Hermès sob a premissa de que ainda que um NFT —de acordo com os advogados da famosa marca— possa refletir criatividade artística, o título de artista não confere permissão para usar o equivalente a uma marca registrada como Birkin.


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A disputa jurídica

"O acusado busca se imunizar das consequências jurídicas de sua apropriação das famosas marcas Hermès ao se declarar apenas um artista", detalha o processo do caso 1:22-cv-00384, analisado pela LexLatin.

O escritório Baker & Hostetler, em sua representação da marca francesa, indica que o artista americano lucrou com o modelo da famosa bolsa. Uma das principais alegações é que o uso generalizado da marca 'MetaBirkins' pelo artista constitui violação de marca e diluição da famosa marca.

Alguns dias depois que o processo foi aberto, Rothschild divulgou que, seguindo a primeira emenda, seus advogados garantiram que ele tinha o direito de se expressar e vender sua arte.

“O fato de eu vender a arte usando NFTs não muda o fato de que é arte. Fica bem claro, lendo a denúncia da Hermès que eles não entendem o que é NFT e o que fazem”, diz o artista em sua conta no Twitter. Ele também indica que ele mesmo tentou mediar com a marca e seus advogados, por meio de um bate-papo informal, mas a empresa de moda decidiu tentar intimidar com o processo na Justiça de Nova York.

A primeira peça que Mason Rothschild criou de sua interpretação da bolsa Birkin, chamada 'Baby Birkin', foi leiloada por 5,5 ETH (Etherium, que é uma moeda digital), o equivalente a 15.297 dólares. Depois de observar essa demanda por suas coleções, o artista desenvolveu uma nova série, agora sem pelo e com tecidos alternativos, conforme a própria descrição das bolsas no site. Ali nasceu o MetaBirkin.

Isso, para a Hermès, nada mais é do que uma cópia com o prefixo 'meta' adicionado para se referir ao mundo virtual ou economia onde ativos digitais, como NFTs, podem ser vendidos e negociados, como aponta o processo, promovido em janeiro 14 deste ano, perante o Tribunal do Distrito Sul de Nova York.

Em suas redes, o criptoartista relembrou a intervenção que Andy Warhol fez nas sopas Campbell, como um banner. Ele até compartilhou a nostálgica carta de agradecimento que William P. MacFarland, que era então o product marketing manager, enviou a Warhol.

Sobre o conflito, Roberta Calazans, que é advogada especialista em Propriedade Intelectual (PI) e sócia do escritório Dannemann Siemsen, no Brasil, detalha que o surgimento das NFT's no mundo da moda representa um desafio para a legislação, já que um dos mercados em voga é o da criptoarte.

Para o especialista em PI, fica claro que na ausência de definições ou de um caminho regulatório para aplicar às NFTs (mesmo para obras), seja para fins artísticos ou de moda e que envolvam essa nova forma de criação, devem ser aplicadas as leis vigentes, portanto será interessante conhecer a decisão do Tribunal do Distrito Sul de Nova York, um dos primeiros precedentes para esse tipo de 'novos conflitos'. Também será de grande relevância o que o Tribunal disser sobre as NFTs já existentes e na posse de seus compradores.

“A legislação que vai ser aplicada no caso dos NFTs, que é algo muito novo, vai ser a legislação de Propriedade Intelectual”, ressalta Calazans.

Os advogados de Hermès recorreram à lei de marcas registradas de Nova York, que afirma que os direitos autorais são geralmente usados ​​para itens não utilitários que existem por sua aparência e não por sua utilidade, como pinturas, esculturas, músicas e livros.

Os representantes jurídicos da marca francesa apontam que as intervenções de Rothschild estão relacionadas com “infração de marca registrada, diluição de marca, cyberocupação, falsas designações de origem e falsas descrições feitas da bolsa”, que são protegidas pelo artigo 28 da referida lei.


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Apropriação artística?

Há cada vez mais exemplos de ativos digitais sendo transformados em NFTs com o objetivo de ser comercializados. Mónica Zamora, diretora do projeto ArtCryptedGallery, a primeira galeria de criptoarte do México, e co-fundadora da Esferik Agency, consultora de projetos NFT e Metaverso no México, detalha que a apropriação artística não é uma novidade, pois tem sido usada para criticar visões de arte, mas também para fins lucrativos.

“Vai continuar acontecendo, mesmo que as marcas exijam, aqui depende de qual é o objetivo do artista: talvez seja uma crítica ao trabalho ou ele só queria ganhar dinheiro com a cópia”, diz Zamora.

A mais recente investida no NFT não veio de um grande artista ou celebridade, mas do Coachella Valley Music and Arts Festival, na Califórnia. Para este ano, os organizadores anunciaram que apostariam na entrada do NFT, mas com benefícios no mundo real.

Ou seja, uma série de NFTs serão comercializados no evento, que não serão apenas ativos digitais, mas também poderão ser acesso a experiências exclusivas durante o show. Por exemplo, será possível adquirir a chave #5, atualmente avaliada em 10.000 dólares, que permitirá o acesso a uma festa privada para algumas pessoas, bem como a oportunidade vitalícia de entrar nos shows.

“Coachella Collectibles é a primeira oportunidade de possuir passes vitalícios para festivais, desbloquear experiências únicas no local, itens físicos e colecionáveis ​​digitais”, oferta o evento em uma página da web aberta exclusivamente para lances em NFTs.

Criptoarte, uma revolução?
Quase todas as expressões artísticas podem ter o prefixo “cripto”, que se baseia na necessidade de proteção de um bem digital, além de sua rastreabilidade: uma pintura, um vídeo, um livro eletrônico, uma música, até mesmo um post no Twitter podem ser considerado criptoarte. Esse conceito, por sua vez, implica em uma forma de coletar esses ativos digitais que são NFTs. A onda de criptoarte e sua popularidade nas vendas foi detonada quando a casa de leilões Christie's vendeu uma obra digital da Beeple por quase 60 milhões de dólares.

De acordo com Mónica Zamora, a investida dos NFTs no mundo da arte representa uma revolução, não só no que é concebido como arte, mas também na sua forma de acesso e comercialização.

“A criptoarte traz consigo a independência do artista. Com a tecnologia, a partir do blockchain, busca-se a descentralização, busca-se que o artista possa se tornar independente de museus, por exemplo”, explica Zamora em entrevista.

Embora todas as NFTs não possam ser consideradas criptoarte, todas as obras que o sejam devem portar um token não fungível como meio de transparência em que se conheça sua origem, seu preço, a quem pertence, quando foi adquirido e outras características. Cabe dizer que quando um colecionador adquire uma NFT de uma obra de arte, ele não compra a imagem ou fragmento, mas o padrão de código que a identifica.


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Para a diretora da ArtCryptedGallery, a transição do mundo físico para o mundo imaterial já teve alguns exemplos no início da arte digital, inclusive o 'netart', mas com a criptoarte esse salto ficou mais evidente, pois há, em alguns casos, uma base física da obra de arte. Vale mencionar, por exemplo, que a obra 'Love is in the air' de Banksy, um artista urbano anônimo, tem um respaldo físico, mas seus donos decidiram, há alguns meses, transformar o grafite em 10.000 NFT. Ou seja, o mundo físico vai para o imaterial.

“O suporte físico é importante neste momento para não pular do material para o imaterial, mas para que haja algo no meio. Uma espécie de evangelização para ver obras de arte nas telas”, indica Zamora.

Com a popularização da criptoarte, novas questões também surgiram em relação à propriedade: no mundo físico, uma obra geralmente pertence a uma única pessoa, na arte criptográfica, como na obra de Banksy, existe a possibilidade de ter uma comunidade de proprietários com benefícios nos NFTs adquiridos, algo que beneficia o criptoartista com mais renda.

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