Propriedade intelectual e Starbucks na Venezuela

A autorregulação em matéria de ética comercial pode ser mais importante que as leis/Unsplash
A autorregulação em matéria de ética comercial pode ser mais importante que as leis/Unsplash
Acordo comercial que valia para Miami foi usado de forma indevida e causou confusão entre consumidores.
Fecha de publicación: 09/02/2022

Durante a segunda quinzena de dezembro, em Caracas, na Venezuela, espalhou-se o boato de que um local ofereceria café pelo programa Starbucks 'We Proudly Serve', o programa com o qual são concedidas licenças para comercializar as bebidas da sereia verde de cauda dupla.

A abertura, viralizada, chegou nos escritórios do Starbucks e Nestlé - parceiros comerciais para conceder as licenças do programa. Essas organizações se desvincularam do local, revelando que quem o operava não tinha as licenças.

O supermercado Yeet Venezuela estava por trás da operação. De acordo com seus porta-vozes, Yeet de fato obteve as licenças, porém, o acordo que assinou era para comercializar as bebidas do programa dentro de Miami, não na Venezuela.


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LexLatin entrevistou Anavel Suarez, Faustino Flamarique e Carlos Domínguez, especialistas em propriedade intelectual e parte do departamento de propriedade intelectual do escritório venezuelano LEĜA Abogados. A respeito disso, os especialistas detalham que o uso do símbolo Starbucks com um contrato de licença limitado em escopo e alcance territorial em Miami, no âmbito da propriedade intelectual, constitui um uso indevido da marca, pelo qual se justifica uma sanção.

A sanção decorre da Lei de Propriedade Industrial e demais regulamentações de marcas.

“Que isso tenha sido temporariamente limitado no tempo, como resultado de um mal-entendido ou que não tenha havido intencionalidade, não exclui ilegalidade ou violação de marca registrada que possa ter ocorrido. As declarações do Starbucks e da Nestlé deixam claro que não autorizaram o uso da marca na Venezuela”, menciona Carlos Domínguez, sócio sênior da LEĜA.

De acordo com a declaração do YEET, o conflito foi resolvido com o Starbucks de maneira 'amigável'.

Comunicado YEET

Concorrência desleal

Em uma leitura detalhada dessa confusão, Anavel Suarez revela um aspecto a considerar: “A confusão gerada no mercado é um ato de concorrência desleal contrário às práticas honestas no comércio, nos termos da Convenção de Paris sobre a Propriedade Industrial?"

O Yeet Venezuela, em comunicado, informou que as máquinas e produtos vendidos na loja eram originais, os mesmos que são usados ​​na Starbucks em todo o mundo. No entanto, a especialista diz: “o processo de criar, facilitar ou estimular a confusão dos consumidores sobre quem é o operador de uma atividade comercial, bem como se tem o apoio de uma marca de renome ou muito conhecida, é uma prática que pode ser considerada desleal a outros concorrentes e consumidores, sancionada pela legislação comercial”.

Autorregulação e ética

Após o término do diálogo jurídico entre Starbucks e Yeet, a Federação de Comércio da Venezuela (Fedecomercio) decidiu expulsar de maneira definitiva e irrevogável a empresa Yeet.

Faustino Flamarique, sócio sénior da LEĜA Abogados, alerta que embora esta seja uma decisão que não repercute na legislação em vigor, é importante porque “a autorregulação em matéria de ética comercial das empresas e dos seus sindicatos gera confiança no mercado e nos consumidores, que valorizam que os padrões de honestidade, com os quais se regem as organizações, sejam mais altos que os que impõem as próprias leis”.

Finalmente, a Fedecomercio é uma associação sindical empresarial criada para reunir e representar os comerciantes venezuelanos, é uma iniciativa privada que se rege por seus estatutos internos.

Quais são as lições aprendidas com o caso YEET-Starbucks?

Carlos Domínguez. Primeiro, a velocidade com que o mercado abraça marcas conhecidas. Uma prova palpável do valor dos intangíveis e do que representa a solidez das marcas.

Em segundo lugar, e do ponto de vista da propriedade intelectual, a importância do registro de marca, pois garante proteção, exclusividade e a possibilidade de impedir que terceiros façam uso indevido desses ativos protegidos. Da mesma forma, a necessidade de acordos entre as partes para uso por terceiros, sem que haja confusão para excluir a aplicabilidade das leis por infrações aos direitos dos titulares de registros de marcas.

Em quarto lugar, além das infrações de marca (que protegem o titular da marca), podem ser geradas confusões nos consumidores e deslealdades comerciais que afetam o mercado e que podem acabar sendo atos de concorrência desleal.


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Em termos de propriedade intelectual, qual teria sido o resultado lógico se o YEET e a Starbucks não tivessem resolvido o conflito 'amigavelmente'?

Anavel Suarez. Quando o proprietário de uma marca registrada enfrenta o uso não autorizado por terceiros, há violação de seus direitos de propriedade intelectual. Além disso, se não conseguem que esse terceiro deixe de usar, seja voluntariamente ou por acordo com o titular da marca, a parte afetada deve recorrer às instâncias judiciais ou administrativas que a Lei de Propriedade Industrial e o restante da regulamentação de marcas colocam à sua disposição para defender seus direitos.

Nessa matéria, existem ações civis, tanto inibitórias quanto compensatórias, que têm por objetivo cessar a infração e indenizar os eventuais danos causados. Há também ações penais, uma vez que esses delitos também constituem tipos penais específicos, com penas específicas contra o infrator.

Além disso, existem órgãos administrativos que também podem ouvir determinados tipos de ações e procedimentos, dependendo das características do caso e da finalidade perseguida pelo autor, como a Superintendência Nacional de Defesa dos Direitos Socioeconômicos, o escritório do Controle Posterior do SENIAT, a Superintendência Antimonopólio, etc.

As estratégias de defesa de direitos podem incluir uma ou várias ações. Da mesma forma, o processo pode ser mais ou menos simples ou oneroso se forem realizadas medidas preventivas ou executivas. Em suma, há um grande número de circunstâncias que podem influenciar os custos dessas ações.

A globalização de marcas famosas representa um desafio para o tema?

Faustino Flamarique. A globalização, mais do que um desafio, significou uma ajuda à Propriedade Intelectual. Os meios de comunicação e - em especial das redes sociais - facilitam o trabalho dos examinadores dos escritórios de marcas, além de ajudar o público consumidor a se informar melhor.

Existem vários princípios no campo da propriedade intelectual, um deles é o da territorialidade. Em virtude deste princípio a proteção e o direito de exclusividade são limitados ao território do país em que a marca está registrada, porém, há exceções para esses princípios, como marcas conhecidas e renomadas, esses símbolos são tão conhecidos pelo público que quebram os princípios da especialidade e da territorialidade.

Existem vários Acordos e Tratados Internacionais (alguns assinados e ratificados pela Venezuela) que regulam e protegem marcas conhecidas e renomadas. O Starbucks é um exemplo claro desse tipo de marca, pois, mesmo que não houvesse registros no país em seu nome, é provável que nenhum terceiro pudesse fazer uso dos seus símbolos e de seus produtos sem ser autorizado por ser uma marca conhecida.

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