Propriedade Intelectual: por que a indicação geográfica é pouco usada no Brasil?

A Terra indígena Sateré-Mawé, entre os estados do Pará e Amazonas, é reconhecida como região de guaraná nativo/Agência Brasil
A Terra indígena Sateré-Mawé, entre os estados do Pará e Amazonas, é reconhecida como região de guaraná nativo/Agência Brasil
Registro é conferido a produtos ou serviços que são característicos do seu local de origem e podem desenvolver turismo e potencial econômico.
Fecha de publicación: 10/07/2023

O tamanho territorial do Brasil mostra o enorme potencial que o registro de marcas associadas a uma região tem por aqui. São inúmeros os produtos de áreas específicas, como o queijo da Serra da Canastra, de Minas Gerais, os vinhos do Vale do Vinhedos, do Rio Grande do Sul, e o Guaraná, da Terra indígena Sateré-Mawé, entre os estados do Amazonas e Pará. O problema é que as chamadas indicações geográficas, que são usadas para identificar e proteger produtos e serviços associados a uma determinada localidade, são pouco usadas, tanto dentro quanto fora do país. Nosso exemplo mais conhecido, a cachaça, é reconhecido em apenas 4 países. Só para comparação, a Tequila, no México, é protegida em 42 países.

De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária, o registro de Indicação Geográfica (IG) é dado a produtos ou serviços que são característicos do seu local de origem. Essa denominação lhes dá reputação, valor intrínseco e identidade própria, além de os distinguir em relação a produtos parecidos. Mas eles precisam ter uma ou mais qualidades únicas como consequência de fatores como recursos naturais, solo, vegetação, clima e o saber fazer, o chamado know-how. Atualmente, o uso das IGs no Brasil está mais difundido no agronegócio, principalmente vinhos, café, queijos e frutas. 

O marco legal das Indicações Geográficas no Brasil é a Lei da Propriedade Industiral, que normatiza os direitos e obrigações sobre propriedade industrial e intelectual. A regulamentação segue uma Portaria do INPI que estabelece as condições para o registro das IGs.   

A legislação mostra que são duas formas usadas para definir a Indicação Geográfica: a Indicação de Procedência e a Denominação de Origem. A Indicação de Procedência é o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade do território que ficou conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço. 

Hoje, o Brasil reconhece 33 denominações de procedência, entre elas algumas internacionais, como a região de Champagne, na França; o Vale dos Vinhedos, no estado americano da Califórnia; e a Tequila, no México. O reconhecimento do INPI protege esses produtos estrangeiros por aqui.


Leia também: Como diminuir o tempo do registro de marcas e patentes no Brasil?


Mas a maioria dos registros concedidos são para produtos ou produtores nacionais. Alguns exemplos são a Associação dos Artesãos em Capim Dourado, da Região do Jalapão, no estado de Tocantins, o Sindicato das Indústrias de Calçados de Franca, no interior paulista, e a Associação dos Produtores de Cachaça de Salinas, no norte de Minas Gerais. 

Já a Denominação de Origem é o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade do território que designe produto ou serviço que tenha qualidades ou características que se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos. Foram conferidas, até agora, 79 indicações geográficas pelo INPI. Já conseguiram o registro, por exemplo, a Associação dos Produtores de Arroz do Litoral Norte Gaúcho, os Cafeicultores Associados da Região Matas de Rondônia e a Associação dos Produtores de Maçã e Pêra de Santa Catarina.

Um dos destaques desta lista é a terra indígena Andirá-Marau, do povo Sateré-Mawé, que fica nos estados do Amazonas e Pará. Ela foi reconhecida em 2020 como indicação geográfica para o guaraná nativo. É a primeira IG no Brasil a ser utilizada por um povo indígena, o que vai possibilitar proteger e identificar o guaraná beneficiado por eles, que é exportado para a França e a Itália, contra pirataria, por exemplo.

O guaraná nativo produzido pelo povo Sateré-Mawé é colhido na floresta e passa por um processo de secagem no forno de argila. Logo depois ele é desidratado e defumado de forma artesanal. Somente o que não é consumido por eles é comercializado como grão, pó ou em pasta. Neste caso, a indicação geográfica ajuda a manter a cultura milenar de um dos povos originários da Amazônia. 


Sugestão: A proteção do trade dress no ordenamento jurídico brasileiro


Crescente interesse pelas indicações geográficas

Desde 2021, quando foi publicado o 1º Manual de Indicações Geográficas pelo INPI, houve aumento da visibilidade sobre o tema e o crescimento na proteção das Indicações Geográficas. Dos 111 registros oficiais até agora, 38 foram concedidos a partir de 2020, o que mostra a conscientização nos últimos anos da importância das IGs. 

Para os especialistas, é fato que o registro e a proteção agregam valor ao produto ou serviço, aumentam a competitividade, fortalecem a governança ― a organização de métodos de produção e melhores práticas ―, além de ajudar a evitar fraudes, estimular o desenvolvimento econômico-social da área geográfica e ampliar o renome de uma região. As IGs podem até aumentar o fluxo de turistas. 

Para obter o registro, é necessário verificar se a região atende os requisitos e que os produtores/prestadores de serviço envolvidos na cadeia se organizem para apresentar a documentação necessária. “Esse benefício pode ser ainda maior se levarmos em consideração a crescente importância do tema ESG que tem levado uma parcela cada vez maior da sociedade, tanto pessoas físicas quanto empresas a buscar produtos e serviços diferenciados, com maior qualidade, que possuem referências culturais e rastreabilidade dos territórios onde são produzidos ou ofertados”, afirma Bruna Rego Lins, sócia da área de Propriedade Intelectual do Veirano Advogados.

A advogada defende o uso dessas indicações como reconhecimento oficial da boa reputação na prestação de serviços, algo pouco comum nos pedidos enviados junto ao INPI. “Acredito que seria interessante para o nosso país desenvolver a proteção de IGs voltadas para o turismo: Carnaval do Rio, Carnaval de Salvador, Festas Juninas, Festival de Parintins, Festival da Cachaça e Círio de Nazaré”.

Por que a indicação geográfica é pouco usada no Brasil?
Por que a indicação geográfica é pouco usada no Brasil?

Por que existe um sub-registo de Indicações Geográficas?

Felipe Zaltman, sócio da área de Propriedade Intelectual e Tecnologia do Trench Rossi Watanabe, explica que, embora o uso das Indicações Geográficas venha se popularizando, ainda há um entrave cultural e organizacional para melhor difundir essa forma de registro.

“Em muitos casos, não está clara ainda uma correlação direta entre a obtenção da indicação geográfica perante ao INPI e a valorização do produto, o que pode fazer com que essa não seja uma prioridade do produtor que já tem inúmeros outros desafios à sua frente. Em segundo lugar, o procedimento perante ao INPI tem exigências de documentos comprobatórios que nem sempre são fáceis de se reunir, exigindo tempo e recursos de coordenação daqueles que pretendem obter a indicação”.

Por conta desses entraves, avalia o advogado, o número de pedidos e aprovações ainda é baixo para um país de dimensões continentais como o Brasil. Ele cita alguns exemplos que ainda não foram reconhecidos, como o Alho Roxo do Planalto Catarinense, Ostras de Florianópolis, em Santa Catarina, e o Arroz Vermelho do Vale do Piancó, na Paraíba.

Esse mercado, relacionado à Propriedade Intelectual, também é pouco explorado pela indústria jurídica. “Há um potencial importante para o processo de obtenção desse registro, mas também de tutela na hipótese de afirmações inverídicas por terceiros. Quando produtos ganham reputação, é natural que terceiros busquem se apropriar de forma indevida para pegar carona no investimento alheio. Nesse momento, o engajamento jurídico é essencial para não prejudicar produtores que já adquiriram o devido renome”, diz Zaltman.


Não perca: As marcas de posição no mercado brasileiro e sua importância para a PI


Clarice Minatogawa, advogada associada ao BVA Advogados, destaca outros potenciais produtos a serem valorizados pela Indicação Geográfica, como os calçados femininos de Jaú e as cervejas de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. 

“Contribuir para o fomento do acesso a essas informações de forma clara e simples, permitindo a propagação do conhecimento do conceito e formas de proteção de Indicações Geográficas inevitavelmente estimula o desenvolvimento dos inúmeros setores que podem ser aplicados a elas. Isso fortalece o crescimento econômico da região e aumenta a busca pela proteção das IGs como estratégia de desenvolvimento, forma de agregar valor ao produto e preservar o patrimônio material e imaterial da região”, analisa a especialista.

Além da extensão territorial, a biodiversidade e a enorme quantidade de recursos naturais e conhecimentos aplicados a regiões do país devem causar um boom de novos pedidos nos próximos anos, avaliam os advogados especializados. Por isso, a importância da sua proteção para a valorização e geração de renda dessas localidades.

Mas antes será preciso quebrar barreiras e difundir o conhecimento sobre a Indicação Geográfica. "É preciso desenvolver programas educativos em escolas, universidades e centros de formação profissional que possam abordar o tema das IGs através de palestras, workshops e cursos de formação. A divulgação na mídia também é fundamental. Precisamos fazer um bom uso dos jornais, da televisão, do rádio e, claro, das redes sociais para espalhar a palavra sobre a importância e os benefícios das IGs. Isso pode ser realizado através da publicação de artigos, realização de entrevistas e compartilhamento de histórias de sucesso", avalia Ana Carolina Camino Moreira, do Carlos Nogueira Advogados.

A especialista também defende parcerias com os stakeholders, que são as empresas, as associações de produtores e os governos locais. "Essas entidades podem promover as IGs realizando eventos, desenvolvendo projetos conjuntos e apoiando a obtenção de certificações", explica.

Algumas plataformas online atuam como hubs de informações e recursos sobre as IGs no país. Esses espaços digitais oferecem bancos de dados com IGs já existentes, fornecem orientações de como solicitar uma IG e ainda disponibilizam links para recursos adicionais. Uma referência nesse cenário é a plataforma virtual do Sebrae em parceria com o INPI. Nela, é possível explorar a diversidade de todas as IGs do Brasil. Além disso, o próprio INPI tem uma seção dedicada às IGs em seu site, onde fornece informações e recursos úteis sobre o assunto.

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.