Por que a reforma tributária, como está, não será boa para os escritórios de advocacia?

Mudança, segundo especialistas, vai provocar um aumento nos preços dos serviços jurídicos e fazer crescer a informalidade/Canva
Mudança, segundo especialistas, vai provocar um aumento nos preços dos serviços jurídicos e fazer crescer a informalidade/Canva
Como a carga tributária mais elevada pode mudar a forma como o setor jurídico se organiza no Brasil?
Fecha de publicación: 21/07/2023

O texto da reforma tributária, aprovado no início do mês na Câmara dos Deputados, e atualmente em tramitação no Senado, não traz boas notícias para as sociedades de advogados brasileiros. Se for mantido, do jeito que está, haverá um aumento significativo da tributação para os escritórios de advocacia.

Segundo especialistas em direito tributário, a carga efetiva total de uma sociedade de advogados uniprofissional, pelo lucro presumido, poderá subir dos atuais 15% para até 35,88%. 

Hoje, os escritórios de advocacia, assim como outras sociedades de prestadores de serviços regulamentados, recolhem o Imposto sobre Serviços (ISS) em bases fixas, trimestralmente, conforme o número de profissionais que integram a sociedade. Os escritórios de advocacia fora do Simples Nacional e que atendam aos requisitos legais, pagam o ISS na modalidade fixa.

Funciona assim: a alíquota sobre faturamento é substituída por um valor fixo multiplicado pelo número de profissionais do escritório, resultando em menor imposto a pagar. Esse regime não é previsto na Constituição, mas no Decreto-Lei 406/1968, que disciplina o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o ISS. A norma perderá seu objeto com a reforma tributária.

A atual proposta, em análise no Legislativo, quer criar um ambiente de não cumulatividade nas arrecadações, com direito a créditos decorrentes de débitos tributários assumidos em operações anteriores ou de despesas essenciais à atividade - os chamados insumos. Se não houver uma alíquota diferenciada para as sociedades de advogados, a carga fiscal deverá aumentar para uma alíquota nominal superior ao que se paga hoje (25%, por exemplo, contra um ISS de até 5% e PIS/Cofins de 3,65% ou 9,25%).


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“Ainda é difícil saber exatamente como será afetado cada ramo de atividade específica, porque o texto ainda está em discussão e sujeito a alterações, principalmente no que se refere à carga tributária”, afirma Lucas Lazzarini, especialista em Direito Tributário do Marzagão e Balaró Advogados.

“É importante que, mesmo com a reforma, seja mantido um regime equivalente de tributação fixa para evitar um aumento brusco na tributação, o que deverá ser veiculado pela nova lei complementar que vier a disciplinar os novos tributos sobre consumo (IBS/CBS). Vale lembrar que a preocupação com aumento de carga não é só com os prestadores de serviço, mas do setor como um todo. Visto que, prejudicará muito o setor de serviços, no qual há poucos créditos a se deduzir da base de cálculo", avalia Arthur Barreto, sócio da área tributária do DSA Advogados.

“A importância dos advogados e advogadas transcende o simples ato de representação legal, abrangendo aspectos sociais, políticos e éticos; como dito na Constituição, são essenciais para a Justiça. Haverá flagrante majoração da carga tributária para escritórios de advocacia”, diz a tributarista Fernanda Terra, sócia do Terra e Vecci Advogados.

Durante a discussão do projeto, foram incluídas exceções e regimes diferenciados a determinados setores de serviços, prevendo, por exemplo, alíquota zerada ou com redução de 60% ou aproveitamento de créditos. Estão nesse hall serviços de educação, saúde, serviços públicos de transporte coletivo de passageiros, produtos agropecuários, produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais, além de atividades desportivas e segurança da informação e segurança cibernética. 

O Conselho Federal da OAB atuou para conseguir uma diferenciação de impostos e chegou a apresentar nota técnica à Câmara dos Deputados. “A manutenção do regime tributário adequado é fundamental para o fortalecimento da nossa profissão, a continuidade dos serviços jurídicos de qualidade e a promoção do acesso à justiça em todo o país”, afirmou o presidente da OAB Nacional, Beto Simonetti.


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A entidade propõe um regime diferenciado para a categoria, com a fixação de um escalonamento de alíquotas conforme a essencialidade do serviço. A OAB defende que o texto seja aprimorado, com um tratamento diferenciado em relação às sociedades de profissões regulamentadas e pede o repasse compulsório no preço dos contratos vigentes.

Eduardo Diamantino, sócio do Diamantino Advogados Associados e vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário, explica que a mudança vai provocar um aumento nos preços de serviço e pode fazer crescer a informalidade, uma vez que a tributação se tornará um empecilho à operação. 

“Vamos do ISS atual para a inclusão dos serviços na base do IBS. De uma alíquota fixa inferior a 1% para uma projetada de mais de 25%. Os defensores alegam que como ele é não cumulativo e terá garantida a sua devolução, isso não seria um mal em si. Nada mais falso. Primeiro porque é tradição brasileira não devolver os créditos tributários e segundo porque não teremos créditos a serem apurados, visto que o insumo principal dessas sociedades é o custo de mão de obra”, explica o especialista. Para o advogado, muitos profissionais voltarão a trabalhar como pessoa física e haverá um desestímulo às sociedades de prestação de serviços profissionais.

O possível encarecimento dos serviços jurídicos, na análise dos advogados, prejudicará o acesso das pessoas físicas ao Poder Judiciário. "Muitos certamente não poderão arcar com esses novos valores de honorários, tornando a Justiça um bem ainda mais elitizado”, afirma Maria Andréia dos Santos, sócia de contencioso tributário do Machado Associados.

A esse contexto de aumento da carga tributária serão somadas, na visão dos tributaristas, preocupações fundamentais do empreendedor advogado. "O profissional tecnicamente se organiza como sociedade simples, mas as evidências demonstram atualmente que, cada dia mais, se organiza como se empresário fosse, como a necessidade de incremento dos investimentos tecnológicos, a premência do direcionamento de recursos para capacitação e retenção de talentos, a preocupação com o ciclo financeiro de seu escritório que, em ambiente de alta judicialização e demora na conclusão dos processos, que alonga-se cada vez mais. O impacto da recessão econômica em seus clientes, entre outras questões, fomentam um período de profunda angústia na profissão”, avalia Dyna Hoffmann Assi Guerra – CEO do SGMP+ Advogados.


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"Os escritórios de advocacia, e especialmente as sociedades uniprofissionais com custos operacionais baixos, precisam urgentemente debater o assunto e tomar medidas proativas para se protegerem das implicações devastadoras desta reforma. Enquanto o projeto de lei está em andamento no Senado, é crucial se mobilizar em favor de um regime diferenciado para as sociedades profissionais regulamentadas, para garantir um tratamento fiscal adequado que não prejudique a continuidade dos serviços jurídicos de qualidade", afirma Leonardo Roesler, advogado especialista em direito tributário.

Caso seja aprovada nos próximos meses, a reforma tributária permitirá a adoção do imposto seletivo por medida provisória de maneira imediata. Quanto ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS estadual e municipal) e à Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS -federal), que dependem de lei complementar para criá-los, o texto permite a cobrança da CBS a partir de 2026 com alíquota de 0,9% e de 0,1% do IBS a título de adaptação. A partir de 2027, a CBS substituirá definitivamente os quatro tributos federais sobre bens e serviços: PIS/Cofins e PIS-Importação/Cofins-Importação, finalizando a compensação.

A expectativa é de que haja pressão das sociedades de advogados e também da OAB, durante a tramitação no Senado nos próximos meses, para que o setor seja incluído no hall de exceções. Para os advogados, a reforma tributária diminui o chamado custo Brasil com a unificação dos impostos, mas há lacunas que precisam ser discutidas para corrigir as desigualdades e a burocracia.

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