Patente Unitária Europeia: o que significa para as empresas da América Latina?

Santa Cruz: Na América Latina devemos pensar em PI como uma ferramenta estratégica / Markus Spiske - Unsplash.
Santa Cruz: Na América Latina devemos pensar em PI como uma ferramenta estratégica / Markus Spiske - Unsplash.
Santa Cruz: A meta é que as ideias se transformem em ativos e que isso seja uma poderosa ferramenta de transferência de tecnologia
Fecha de publicación: 15/06/2023

No primeiro dia deste mês, entrou em vigor a Patente Unitária Europeia, considerada uma das maiores conquistas em matéria de propriedade industrial e intelectual dos últimos anos. O mecanismo comunitário é aplicado, por enquanto, em 17 nações: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Dinamarca, Eslovênia, Estônia, Finlândia, França, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Holanda, Portugal e Suécia.

 

A Patente Unitária é concedida pelo Escritório Europeu de Patentes (EPO) sob as regras e procedimentos da Convenção de Munique sobre a Concessão de Patentes Europeias, de 1973, que abrange 25 países europeus, o que garante um efeito unitário nas nações da União Europeia  que ratificou o Acordo para um Tribunal Unificado de Patentes (UPC) e que, em 2012, depois de discutido pelos chefes de governo, desenhou um pacote de medidas visando à criação de uma patente unificada, aprovada pela maioria dos países membros da UE.

 

A obtenção de uma Patente Unitária envolve um procedimento semelhante ao da obtenção da Patente Europeia Comum (examinada e concedida pelo EPO) cujos benefícios, segundo o Instituto, são a possibilidade de buscar a proteção em uma única instância, economizar custos por não haver necessidade de registo em mais do que uma jurisdição, simplificar a burocracia habitualmente associada a esses procedimentos e reduzir os encargos administrativos para os inventores, especialmente as PME.

 

Juntamente com esse instrumento está o Tribunal Unificado de Patentes (UPC), um sistema comunitário de resolução de disputas que oferece aos inventores resoluções rápidas, corretas e uniformes, por meio do uso de uma estrutura legal coesa que reduzirá o risco de resoluções conflitantes. Esse tribunal apreciará litígios relativos a patentes unitárias e outras patentes europeias, de acordo com o European Patent Grant Agreement, que concede proteção uniforme em até vinte e cinco Estados-Membros da União Europeia (UE).

 

Maximiliano Santa Cruz.

Em termos gerais, apesar de existirem países como a Espanha, que decidiram ficar de fora deste novo mecanismo porque não o consideram significativamente mais benéfico do que os já existentes, o fato de esse ser o terceiro sistema que se soma às possibilidades de proteger uma invenção em países europeus e que dependa de um único trâmite supera, na opinião de Maximiliano Santa Cruz, sócio-fundador da firma chilena Santa Cruz IP e especialista no sistema europeu de patentes, quaisquer objeções que existam em relação à sua implementação.


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Santa Cruz explica que a principal vantagem é justamente a redução de etapas, já que antes da entrada em vigor da Patente Unitária, os inovadores tinham que validar a proteção de suas invenções país por país após solicitá-la perante o OEP, já que o antigo sistema de patentes europeias se baseia na territorialidade.

 

Sob os procedimentos existentes na Comissão Europeia de Patentes, agora é concedida uma patente única e harmonizada para todos os países que fazem parte do sistema, o que se traduz na eliminação de dezenas de procedimentos e economia em custos diretos e indiretos (como pagamento de taxas para solicitar ou renovar uma patente).

 

Consultado sobre as razões apresentadas por nações que preferiram ficar à margem, como a Espanha, porque argumentam que fazer parte desse sistema unitário pode gerar um aumento nas demandas sobre propriedade industrial e nos custos administrativos, já que o espanhol ficou de fora das línguas oficiais, o especialista disse que a Espanha tem um ponto importante, já que o espanhol não é falado em um único país, mas em regiões inteiras e também considerando que o regime unitário não é apenas para os países da CE, mas global.

“Agora — esclarece —, sobre o aumento de demandas, ainda resta esperar para ver. O que deve ser considerado é que um terceiro elemento do novo regime, além do pacote da Patente Unitária e do sistema idiomático das traduções, é que existe o Tribunal Europeu de Patentes (TEP), e o que o TEP faz é substituir tantos sistemas judiciais como os países que existem na União Europeia, por isso, se eu achasse que a minha patente foi infringida, teria que ativar ou reclamar em cada um desses países e isso voltaria a acarretar custos diretos e indiretos, com a incerteza de não saber quais seriamos resultados nos dois, três, quatro, cinco, sete ou quinze países onde eu movesse uma ação judicial ou uma reclamação por violação de minha patente.”

Por isso, ter um tribunal unificado traz benefícios em termos de segurança jurídica, pois eles entregam uma resolução única sobre as infrações e também é um tribunal especializado, em que haverá juízes altamente competentes.

“Então, eu acho que o argumento de que os conflitos e processos vão aumentar é válido para qualquer questão de integração ou cooperação, porque justamente a ideia desses esquemas de integração, em que o OEP não é o único, essas coisas não necessariamente aconteceram, mas os pedidos e registros de patentes aumentaram. Essa é uma questão estatística: se aumentam os cadastros e as solicitações, também é normal que os conflitos aumentem.

LexLatin: Nesse sentido, que conselho você daria para as empresas pertencentes a países que ficaram de fora da Patente Unitária (PU)?

 

Esses países têm que esperar e, como eu disse, o regime de Patente Unitária não é válido apenas para os 17 países que aderiram hoje, mais países serão incorporados até possivelmente chegar aos 25 da UE, mas essas empresas terão a mesma vantagem como empresas chilenas, venezuelanas, peruanas ou brasileiras. Também não devemos esquecer que os regimes anteriores subsistem e coexistirão com a PU.

 

Há casos em que será melhor, do ponto de vista econômico, beneficiar-se do novo sistema ou manter a forma clássica de validar a patente em cada país? Se sim, quais seriam esses casos?

 

A análise que uma empresa ou uma instituição tem de fazer é que, muito provavelmente, a partir de um determinado número de países onde pretendo proteger uma patente, começam a ser convenientes os regimes integrados e, por isso, se pretendo proteger uma patente ou uma marca em dois ou três países, provavelmente é conveniente ir país por país, através da Convenção de Paris; mas, a partir de um certo número de países, não há dúvida de que esses sistemas de integração, seja o PCT, seja algum dos sistemas administrados pelo EPO, ou em outros continentes, esses sistemas são convenientes e simplificam, agilizam e, principalmente, o que é importante para as organizações latino-americanas, melhoram substancialmente o processo de registro.


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Você acha que os países que preferiram ficar de fora da patente unitária decidirão aderir a médio ou longo prazo? O que poderia levá-los a fazê-lo eventualmente?

 

Não estou em condições de dizer se vão aderir. O importante é que tenham a porta aberta para fazê-lo e imagino que, com o tempo, vão fazer uma avaliação de como funciona o sistema, o que, não tenho dúvidas, funcionará bem, e você notará que os benefícios hoje são importantes para os cidadãos europeus e latino-americanos.

 

O que significa a entrada em vigor da Patente Unitária e do tribunal para o Chile e os outros países da América Latina?

 

Acredito que a PU se tornou um dos eventos mais importantes no campo do sistema internacional de patentes nos últimos 15 anos e seus efeitos não são apenas, como eu disse, para os países europeus, mas também devem ter impacto na América Latina. E por quê? Acredito que o problema da América Latina hoje, em termos de propriedade intelectual, é que temos um baixo nível de patenteamento e que internacionalizamos pouco, e isso é particularmente grave para países que são pequenos ou médios, ou mercados que não são suficientes para rentabilizar a pesquisa e o desenvolvimento.

 

Se pensarmos que a América Latina tem pouco mais de 8% da população mundial, pouco mais de 7% do PIB mundial, mas menos de 1% dos pedidos de patentes mundiais, o cenário não é nada auspicioso. Temos cerca de 0,2% dos pedidos de patentes e isso não chega nem perto do que nos corresponde mundialmente.

 

Em termos de marcas, porém, temos uma participação maior, temos cerca de 3,5% dos pedidos de patentes, e se tirarmos a China dos números, porque concentra 45% dos pedidos de patentes do mundo e, portanto, distorce os números, como também o Brasil, que pode distorcer dentro da nossa região, subimos um pouco. Temos muito pouco patenteamento na América Latina e, como disse, a internacionalização também funciona a nosso favor.

 

O Chile é um dos poucos países da América Latina que patenteia mais no exterior do que no próprio país, ou seja, tem um alto índice de internacionalização; para cada patente que registramos no país, estamos pedindo 1,2 no exterior; gostaria de ver isso também no futuro entre países irmãos. Medidas como a PU convidam nossas empresas a internacionalizar ainda mais suas patentes porque simplifica e otimiza os procedimentos, até porque a Europa é um destino preferencial para os países da América Latina, mesmo que hoje normalmente patenteamos para os Estados Unidos ou países vizinhos e temos a Europa como destino terceira opção. Portanto, ter essa possibilidade de investir recursos limitados em uma patente que será mais barata na Europa é vantajoso.


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Falando da América Latina, quais são os avanços mais significativos em termos de patentes, propriedade industrial e propriedade intelectual?

 

Acho que a adesão de sistemas, como o PCT e agora o Protocolo de Madri, é muito bem-vinda, nossa região tem sido tradicionalmente resistente à adesão de sistemas como esses, mas felizmente isso começou a mudar primeiro nas patentes e agora com o Protocolo de Madri, em que já temos Cuba, México, Colômbia, Brasil e Chile.

 

Em outras palavras, temos três das cinco maiores economias da América Latina já incorporadas ao Protocolo de Madri e o bom é que esses sistemas causam o que se chama de "efeito rede", fazendo com que seja conveniente entrar nesses sistemas na medida em que as destinações de minhas marcas e patentes também estão incorporadas a esses tratados, portanto, na medida em que vários países latino-americanos passarem a aderir aos sistemas de registro, isso deveria ser um convite para que outros países o façam.

 

Acredito que nossos países deveriam ter agora medidas um pouco mais agressivas quanto ao uso dado aos recursos públicos que vão para pesquisa, desenvolvimento e inovação. Em nossos países, diferentemente dos desenvolvidos, a maior proporção dos recursos aplicados em inovação vem do Estado, 80%, e 20% do setor privado, por isso, em nossa região, os governos não devem apenas dar incentivos, mas também instar aqueles que recebem recursos públicos para passar pelo sistema de patentes.

 

Acredito que a inovação que ocorre em nosso continente não é amparada pelo sistema de patentes por desconhecimento e mitos de que o sistema é pesado, caro e lento, o que leva a existência de muito preconceito sobre esses processos, então o objetivo é que as ideias se transformem em ativos e que esta seja uma poderosa ferramenta de transferência de tecnologia.

 

O que ainda falta fazer na América Latina em termos de propriedade intelectual e industrial?

 

Acho que ainda há muito a fazer. Temos uma rede de agentes de propriedade intelectual excepcionais, altamente treinados e qualificados, mas a grande maioria de nós continua prestando serviços a partir de agências de propriedade intelectual que são muito comuns, privilegiando-se principalmente, ou basicamente, o registro de patentes, embora acredite que existem muitas etapas para sofisticar os serviços e pensar na PI como uma ferramenta estratégica, a partir da qual acompanhamos as nossas empresas ao longo do ciclo produtivo: desde a concepção de uma ideia até sua comercialização.

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