O que é design de serviços jurídicos?

Cada vez mais atores de diferentes profissões se juntam ao setor jurídico. / Unsplash, ThisisEngineeringRAEng.
Cada vez mais atores de diferentes profissões se juntam ao setor jurídico. / Unsplash, ThisisEngineeringRAEng.
Prática chegou para ficar na indústria legal.
Fecha de publicación: 31/01/2022

Tem uma frase que eu adoro e é a seguinte: "Antes de correr você tem que aprender a andar e em todo o caso engatinhar", ela é recorrente em meus artigos.

Nesse sentido, gostaria de iniciar enfatizando a definição de design de serviço ou mais conhecido como "Service Design", e para isso vamos desmembrar a definição em pedacinhos: "Um serviço é um sistema de pessoas, processos e bens que satisfaz as necessidades através do intercâmbio de valor” e por isso, hoje ouvimos mais sobre design de sistemas, mas falaremos sobre isso em outro momento.

Então se falarmos que um serviço é um sistema de pessoas, quem compõe esse sistema? Acho que essa resposta vai depender muito do tipo de setor em que esse sistema pretende operar, pode ser o setor de TI, o setor do agronegócio, o setor de telecomunicações ou o setor jurídico, que é o que nos interessa neste artigo.


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No caso do design de serviço jurídicos, a resposta é mais que óbvia. Os atores desse sistema são em sua maioria advogados, e digo maioria, porque cada vez aparecem - e são mais integrados à esse ecossistema - novos atores como cientistas de dados, designers (logicamente), engenheiros, desenvolvedores, entre outros. A alegoria que melhor exemplifica o design de serviços - jurídicos ou não - é a do teatro e aqui vocês podem visualizá-la e eu explicarei o papel que cumprem tanto os atores do front-stage quanto a equipe de suporte no backstage

teatro

Foto 1: Service design: a jornada para a inovação que sua empresa precisa repensar (Medium)

Imagina que você vai ao teatro. Você encontra seu assento, senta e tcharan! Apagão na sala. Acendem um canhão de luz para o cenário, um telão é aberto e aparece uma atriz fantasiada de viking, que começa a cantar. A peça termina e você se surpreende com um punhado de emoções, desde gargalhadas às lágrimas. Depois, te permitem visitar o backstage e você vai correndo para descobrir que, para alcançar todas essas sensações, foi necessário não só dos 7 atores em cena, mas uma equipe de técnicos de luzes, som, vestuário, maquiagem e mais, que chegam a ser quase 50 pessoas. 

Claro que isso também ocorre em qualquer organização, qualquer que seja. Vamos lembrar que as organizações não oferecem um só serviço, mas dois, três ou mais, como por exemplo as empresas de telecomunicações ou as linhas aéreas e sem falar dos serviços jurídicos, mal chamados - na minha opinião - só de escritórios de advocacia. Por que? A resposta é simples, digo que são mal chamados de “só escritórios de advocacia” porque:

  1. Ao chamar assim, enquadramos o serviço jurídico unicamente como o serviço prestado por advogados, o que não necessariamente é verdade e não teria porque ser assim à risca. Para esse ponto tenho muitos motivos, mas destaco o da interdisciplinaridade pelo simples fato de que a contabilidade - salvo pequenos casos - é responsabilidade de um contador formado, o software do escritório sempre é de um engenheiro, em pouquíssimos escritórios há a figura do legal engineering. Eu só conheço 5 verdadeiros e muito bons.
  2. Ao chamá-los assim e limitá-los ao campo dos advogados não fornecemos aos escritórios de advocacia essa cota de humanidade e serviço que se supõe que eles tenham e/ou deveriam ter. Alguns poucos escritórios têm, em outros, têm meio caminho andado e há aqueles em que é inexistente. Não é suposto que os nossos “clientes” no fim do dia são pessoas que têm emoções e sentimentos?
  3. Ao chamá-los assim, não estamos olhando para o serviço de uma perspectiva holística onde todos os atores estão envolvidos em seu co-design e co-criação. Pelo contrário, estamos mais uma vez o rotulando como pensado e idealizado por advogados para um cliente que também pode ser outro advogado, porque em geral é outro advogado que representa os interesses do cliente, da contraparte, das pessoas - exceto em alguns sistemas que com limitações suficientes permitem a auto-representação jurídica em certos casos, mas isso é outra história. Em linhas gerais, o serviço prestado pelos escritórios de advocacia é pensado por advogados para advogados e não para os representados ou aqueles que acabam sendo impactados pelas decisões de seus representantes, as pessoas.
  4. Ao chamá-los assim, indicamos que a única coisa que os escritórios de advocacia fazem é assistência jurídica, mas excluímos outras interações de serviços e outros serviços que complementam os serviços jurídicos que o escritório em questão pode fornecer, como procuração, representação que, não é o mesmo que mera assistência em muitos casos, automatização de trâmites, cobrança de inadimplências, design de documentos e escrituras diversas, negociações, entre tantas outras que me ocorrem e as que faltam.
the legal user journey

Foto 2: Abordagem de design de serviço para o sistema legal - Margaret Hagan-Medium

Sob essa perspectiva, então não temos um, mas vários atores envolvidos no design e funcionamento do sistema jurídico que, por sua vez, como vemos, é composto por vários serviços. Podemos redesenhar o conceito de "só escritórios de advocacia" para os serviços jurídicos e dar esse conceito de maior conteúdo e impacto que realmente tem e corresponde. Nessa linha e de acordo com a definição citada no primeiro parágrafo, que indica que essas pessoas criam e/ou desenham artefatos ou produtos, a pergunta seguinte seria: o que desenhamos exatamente? O que os atores do setor jurídico e os escritórios de advocacia desenham?

O design de serviço atua e/ou permite desenhar ou intervir uma variedade de objetos e pode influir ou criar mudanças em uma variedade de níveis. Eu adoro esta brilhante definição da Lucy Kimbell porque é muito pontual, no sentido de que introduz outro termo importante que é “mudança de comportamento”, como um dos meus mentores, o cientista comportamental, Matt Wallaert, em seu livro “Start at the end”, concorda e eu também acredito que quando intervimos em serviços e produtos e/ou artefatos, no final o que se busca é gerar uma mudança no comportamento das pessoas. Embora essa mudança não seja buscada de uma forma ou de outra, um bom produto, artefato ou serviço de alguma forma impactará algum comportamento das pessoas para as quais foi projetado ou redesenhado.

service design

Foto 3: Pinterest.

Já que falamos do impacto da tecnologia e aproveitando a modo do “The social dilemma”, série que recomendo muito e que será matéria de outro artigo, os designers de serviços e mais além, os designers de serviços jurídico têm a “enorme responsabilidade” de ter claro as seguintes questões:

  1. O que desenhamos ou redesenhamos?
  2. Para quem desenhamos ou redesenhamos?
  3. Por que desenhamos ou redesenhamos?
  4. Qual é o impacto que vai ter meu desenho sobre o ecossistema?
service design

Foto 4: Domestika 

E a análise poderia continuar, mas pelo menos esses quatro pontos me parecem básicos porque delimitam o norte de um designer em geral e, no caso de designers jurídicos ou daqueles que pretendem iniciar nessa carreira, eu acrescentaria um quinto ponto que seria:

O design ou redesenho de meus produtos, artefatos ou serviços contribui ou facilita o acesso à justiça? A escala deste ponto dependerá do âmbito no qual o designer jurídico exerça sua prática, pois pode ser mais amplo ou mais reduzido em função de onde ofereça seus serviços, mas aqui se aplica a regra de ouro da moda: "Menos é mais".

Quanto mais sempre e limitada for a sua solução, melhor, estamos todos à procura do "momento Eureka", quando o que devemos fazer é resolver ou pelo menos tentar projetar ou redesenhar e resolver tudo o que nos cerca e que consideramos que pode ser melhorado.

Isso já é uma conclusão final: estou mais inclinada a redesenhar - explico melhor neste artigo - e "TUDO TEM OPORTUNIDADES PARA MELHORAR” e coloco em maiúsculas porque talvez nem todos consigamos ter esse “momento Eureka”, mas pelo menos teremos sido úteis, teremos servido e contribuído para melhorar o ecossistema em que participamos.


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O terceiro ponto da definição, referente ao fato de que os produtos, artefatos ou serviços que projetamos buscam satisfazer as necessidades -das pessoas- através do intercâmbio de valor, deixo para um artigo posterior porque surgem mais dúvidas e é melhor desagregar a definição e as ferramentas atualmente disponíveis, que são muitas, para projetar ou redesenhar os serviços jurídicos que prestamos para torná-los mais ACESSÍVEIS, ATRATIVOS e ÚTEIS para as pessoas, que ao mesmo tempo geram e contribuem para alcançar uma sociedade mais justa e humana.

legal system

Foto 5: Abordagem do design de serviços para o sistema jurídico - Margaret Hagan-Medium

*Karol Valencia é fundadora da @WOW Legal Experience e consultora em inovação. Karol no LinkedIn

Este artigo foi publicado originalmente no ebook A Digital Future. O ambiente jurídico e o papel do advogado pelo Lawit Group. Aqui você pode baixá-lo

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