Tradicionalmente, o papel de promover a sustentabilidade, a Diversidade, Equidade & Inclusão e as políticas corporativas socialmente conscientes, bem como de estabelecer requisitos mínimos de governança corporativa, cabe aos governos e legisladores, que estabelecem padrões a serem observados pelas empresas.
Porém, como resultado da pressão da sociedade, dos investidores, consumidores, funcionários ou outros trabalhadores contingentes, as empresas são forçadas a ir além dos limites legais mínimos de políticas de ESG, assim como a contribuir de forma mais ativa e assertiva para transformar as comunidades em que operam.
Ao adotar princípios ou padrões de ESG, as organizações assumem um compromisso com os três pilares do desenvolvimento sustentável: ambiental, social e de governança. O pilar ambiental se refere ao compromisso da organização de considerar as preocupações ambientais juntamente com o desenvolvimento econômico, bem como de adotar medidas para mitigar os impactos ambientais de suas operações.
O pilar social refere-se às relações da organização com seus stakeholders, incluindo seu capital humano (contribuindo para um ambiente diversificado e inclusivo, por exemplo) e as comunidades em que opera (com programas de alcance comunitário, políticas e ações de impacto social).
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Já o pilar de governança refere-se ao conjunto de regras escritas e não escritas pelas quais as organizações e seus participantes são governados, e podem abranger desde padrões de tomada de decisão até requisitos de auditoria e diretrizes de diversidade.
Para os advogados, uma das principais formas de retribuir e contribuir para a melhoria da sociedade é por meio do trabalho pro bono, prestando serviços jurídicos gratuitamente ou a custos muito baixos, gerando um impacto social imensurável.
Na maioria das empresas, o trabalho pro bono e o ESG costumam ser tratados como tópicos separados e gerenciados por diferentes áreas internas. Isso porque, enquanto o trabalho pro bono é resultado de uma tradição jurídica de mais de cem anos, o surgimento dos princípios de ESG é muito mais recente e exige adaptações por parte das empresas.
Considerando que os escritórios não têm um impacto significativo direto sobre o meio ambiente, por serem prestadores de serviços, ações como conscientização sobre a gestão de resíduos e redução da emissão de gases de efeito estufa são suficientes para cumprir o princípio ambiental. Em termos de governança, os escritórios podem implementar mudanças para aumentar a diversidade e inclusão, por exemplo, bem como adotar medidas de compliance.
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Entretanto, em muitas empresas, a dimensão social recebe menos atenção e investimento. E uma das principais maneiras pelas quais as empresas e os escritórios de advocacia podem alcançar os critérios sociais é por meio do trabalho pro bono, que permite um direcionamento ativo e eficiente do fator "S".
A incorporação de critérios do ESG no mercado jurídico foi, em grande parte, impulsionada pela demanda dos clientes. E os escritórios e os departamentos jurídicos corporativos desempenham um papel crucial como partes interessadas importantes na implementação de práticas do ESG, especialmente quando trabalham internamente e com clientes, a fim de incorporar o fator "S" para obter iniciativas de impacto social positivo.
Nos escritórios, os critérios do ESG são frequentemente encontrados no Investimento Social, em Programas de Diversidade e Inclusão e em trabalhos pro bono. Assim, impulsionam os critérios do ESG de duas maneiras: promovendo o trabalho pro bono e contribuindo para o acesso à justiça, e abordando questões relacionadas ao ESG em serviços jurídicos pro bono, como direito ambiental, direitos humanos e governança corporativa.
As motivações por trás da observância dos pilares do ESG e do envolvimento em trabalhos pro bono, que se enquadra no aspecto social, parecem estar interconectadas. O mundo passou por profundas transformações nas últimas décadas, com preocupações crescentes sobre as mudanças climáticas e o impacto das ações das empresas.
Consumidores e clientes também se tornaram mais conscientes acerca dos impactos ambientais e sociais das empresas, valorizando as que priorizam a produção sustentável e a proteção ambiental, além do impacto social positivo de suas ações.
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Portanto, o trabalho pro bono é importante em termos de responsabilidade social corporativa. E esse trabalho não apenas atrai clientes e investidores, como atende aos critérios sociais do ESG. Porém, a adaptação a uma cultura pro bono ainda é um desafio. Não apenas porque ela ainda precisa ser promovida em diferentes lugares, mas porque o ESG surge como algo novo, em constante construção e adaptação.
É necessário entender que o trabalho pro bono traz vários benefícios para a comunidade, para as empresas e para os escritórios de advocacia, e a integração das práticas do ESG fortalece e aumenta ainda mais esses benefícios. Além disso, ao incluir o trabalho pro bono em sua estratégia ESG, os escritórios e as empresas demonstram seu compromisso com a responsabilidade social, a equidade e a justiça, reafirmando a promoção do acesso à justiça como um direito fundamental.
O trabalho pro bono pode ser também uma oportunidade valiosa para os profissionais desenvolverem suas habilidades e ampliarem sua experiência profissional, pois os advogados podem enfrentar desafios jurídicos únicos e aprimorar suas habilidades de comunicação, pesquisa e solução de problemas, promovendo uma cultura de engajamento social nos escritórios e nas empresas.
Assim, separar trabalho pro bono do ESG é uma falsa distinção e não ajudará o objetivo final de utilizar habilidades para uma retribuição às comunidades e à sociedade. Os conceitos andam de mãos dadas e podem ser usados em conjunto para maximizar os resultados e os impactos positivos. A rica história e a institucionalização do trabalho pro bono na profissão jurídica, combinadas com os padrões de responsabilidade e medição dos princípios do ESG, podem gerar um verdadeiro impacto social.
*Antônia Azambuja é advogada do Contencioso Cível do Machado Meyer Advogados, Helena Rabethge é gerente de Responsabilidade Social Corporativa do Machado Meyer Advogados, Juliana Meneghelli é analista de Responsabilidade Social Corporativa do Machado Meyer Advogados, Rebecca Groterhorst é coordenadora de projetos do Instituto Pro Bono e Jaime Chavez-Alor é diretor de políticas para a América Latina do Vance Center.
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