É legal exigir de Djokovic a vacinação completa?

A resolução ordena a devolução de seu passaporte, objetos pessoais e o pagamento de custas judiciais./Foto: Yann Caradec.
A resolução ordena a devolução de seu passaporte, objetos pessoais e o pagamento de custas judiciais./Foto: Yann Caradec.
As questões legais e os privilégios que envolvem o direito de não se vacinar do tenista número um do mundo.
Fecha de publicación: 11/01/2022

Trinta minutos após a decisão do magistrado Anthony Kelly ter sido proferida, na tarde da última segunda-feira (10), na Austrália, Novak Djokovic, o tenista sérvio mais destacado do mundo, obteve luz verde para circular no país, recuperar seu passaporte e objetos pessoais. Além disso, a decisão concedeu-lhe o pagamento de custas judiciais por sua polêmica prisão.

É importante lembrar que quatro dias antes, na madrugada da quinta-feira (6), o tenista chegou a Melbourne, onde após algumas horas de ligações e falta de coordenação foi encaminhado como detento para o Park Hotel, na Bairro Carlton, alojamento para refugiados requerentes de asilo e cidadãos estrangeiros que necessitam de cumprir uma quarentena que impede a propagação de variantes da Covid-19.

A causa da prisão de Djokovic foi não ter uma isenção médica válida para o governo australiano que justifique não estar vacinado. Durante a redação desta reportagem, o atleta já havia participado de seu primeiro treino para recuperar sua condição física. Seu último treino foi em 3 de janeiro em Marbella, um dia antes de pegar o voo para Melbourne.

A resolução rápida e favorável não é uma vitória certa para Djokovic. Karen Sweeney, repórter judicial da Australian Press Association (AAP), garante que "o ministro da Imigração, Alex Hawke, ainda está considerando uma decisão sobre a deportação e que o processo está em andamento".

Se ele não participar do slam, Daniil Medvedev ou Alexander Zverev podem ganhar o número um.

A pressão política australiana e sérvia, bem como a exercida pela indústria do esporte, são a estrutura necessária para reconhecer, como reflete Daniel Acevedo, sênior manager do Ernst & Young para a América Latina, que "esta não é uma discussão sobre se Djokovic tem razão ou não na sua postura antivacina”, mas sim em saber “a capacidade de um país estabelecer regras e que todos as cumpram”.


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Há quem considere que o tratamento do tenista foi um sinal da fragilidade política do país quando essa capacidade que Acevedo evocou teve de ser legitimada. Exemplos disso são o fato de o Ministério de Assuntos Exteriores da Sérvia, no mesmo dia da sua detenção, ter exigido a transferência do atleta para um estabelecimento de nível superior onde não fosse tratado de forma “indecente”. Ou que no dia da decisão da juíza Kelly, a ministra australiana de Assuntos Internos, Karen Andrews, se distanciou da posição do primeiro-ministro Scott Morrison e de sua decisão contundente de revogar o visto de Djokovic. Para o advogado, a Austrália deu um recado:

“(...) sim, existem regras, mas se você é o tenista número 1 do mundo ou em outras palavras, dependendo do seu status social, então essas regras, que em princípio são o que precisamos para funcionar como sociedade, talvez não se apliquem a você ou se apliquem de forma diferente”.

O timing dos prazos para declarar como culpado

A resolução de Kelly aponta um procedimento irregular em detrimento do atleta como causa desse problema que mais uma vez nos levou ao limbo jurídico sobre os limites da vacinação como medida administrativa.

“Djokovic foi informado às 5h20 da quinta-feira (6) que tinha até 8h30 para responder a um aviso de intenção de cancelar seu visto. Em vez disso, seus comentários foram solicitados (para regularizar seu status de imigração) às 6h14”, detalhou a agência de imprensa local AAP.

Esse foi o principal argumento com o qual Kelly defendeu a decisão de liberar o tenista. Para o magistrado, se o tempo estabelecido tivesse sido concedido, o atleta teria mais chances de entrar em contato com alguém que pudesse auxiliá-lo efetivamente. A recusa do cidadão sérvio em assinar um documento que o proibia de entrar no país foi o acontecimento anterior à sua transferência para o hotel Park, onde permaneceu enquanto sua situação era avaliada.

No sábado (8), quando os advogados do tenista já estavam no meio do processo de apelação, soube-se que a Tennis Australia, o comitê organizador do Australia Open, havia concedido uma isenção médica da obrigatoriedade de todos os viajantes estrangeiros de ter uma diretriz de vacinação completa para entrar no país. Tal permissão foi obtida depois que os representantes do tenista informaram que em dezembro passado Djokovic registrou sua segunda infecção por Covid-19. No entanto, para Morrison, o sérvio "não tinha uma isenção médica válida" no dia de sua prisão.

As tensões da política sérvia continuam. Após a resolução do juiz Kelly, o presidente do Parlamento sérvio, Ivica Dačić, expressou desconfiança de que esta medida seja irrevogável. Em entrevista à estação local Hepi, Dačić assegura que “obviamente, as autoridades australianas vão optar por deportá-lo”.

Por enquanto, a família Djokovic realizou uma grande exibição midiática para a pronta resolução da confusão jurídica em que o atleta se envolveu por não ter sido vacinado. A este respeito, o irmão do atleta garante que “tudo que o Novak quer é ter a liberdade de escolher o que é melhor para ele”.


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Direitos discricionários?

A categoria de “número 1” fez com que o tenista usufruísse de certos privilégios que cidadãos e atletas, da mesma disciplina que ele, não tiveram. Por exemplo, o caso da tenista Renata Voráčová, da República Tcheca, passou despercebido. Paralelamente à disputa que estava sendo travada judicialmente e através da mídia, Voráčová enfrentou o mesmo processo, embora a atleta, segundo o Ministério das Relações Exteriores da República Tcheca, tenha decidido deixar a Austrália sem concluir as etapas com as quais poderia ter regularizado sua situação imigratória. Uma reportagem do jornal El País garante que Voráčová estava no país antes de sua prisão e até jogou uma partida de preparação antes do Australia Open.

Além do caso da tenista, a situação dos 30 refugiados que acompanharam Novak passa despercebida. São pessoas detidas sem um futuro legal definido, sob regras rígidas das autoridades de imigração e em condições difíceis: quartos pequenos, com beliches, onde não é possível abrir as janelas para tomar ar fresco e, em algumas ocasiões, a comida era estragada.

Até 2010, o governo utilizava centros de detenção em alto mar, especialmente para o processamento de cidadãos em situação migratória irregular que chegavam de barco. Naquela época, alguns foram levados para hotéis na Austrália, principalmente para tratamento por motivos de saúde.

Antes de Djokovic chegar ao Hotel Park, um pequeno grupo de ativistas se reuniu na frente, expressando sua oposição ao tratamento dos cidadãos refugiados. Agora, sua principal crítica tem a ver com o fato de manter esse grupo de pessoas em uma situação sem solução à vista, após a situação do atleta ter sido abordada e resolvida em apenas quatro dias.

Por enquanto, em relação ao caso Djokovic, as leis de imigração australianas preveem a proibição de reentrada no país por até três anos após o cancelamento do visto sob certas condições. Ainda não está claro se o tenista enfrentará tal penalidade.

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