7 dicas para avaliar parceiros comerciais e proteger os trabalhadores

O modelo de negócios atual demanda que uma companhia conheça quem são todos os envolvidos na produção dos bens e serviços contratados./Foto: Canva
O modelo de negócios atual demanda que uma companhia conheça quem são todos os envolvidos na produção dos bens e serviços contratados./Foto: Canva
Confira sugestões para empresas que desejem efetivamente se prevenir de fazer negócios com quem viola direitos humanos e demais normas legais.
Fecha de publicación: 15/06/2023

Nos últimos meses, os brasileiros tomaram conhecimento sobre diversos casos, espalhados pelo país, de trabalhadores mantidos em situação análoga à escravidão. Só em 2023, foram resgatadas 1.201 pessoas nestas condições. O número representa uma alta de 140% em relação ao mesmo período do ano passado e um recorde nos últimos 15 anos, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Algumas companhias, após serem flagradas se beneficiando desta situação, afirmaram ter implementado e aplicado aos seus parceiros de negócio a devida diligência, processo de análise de riscos de fornecedores e, ou, prestadores de serviço. Contudo, está claro que essa análise, nos moldes atuais, tem sido falha e insuficiente perante à realidade das práticas comerciais e das relações de trabalho existentes.

Isso porque, atualmente, uma due diligence de terceiros tende a ignorar toda a cadeia produtiva por trás de uma empresa a ser contratada para fornecimento de um bem ou realização de um serviço. Há ainda, por parte daqueles que deveriam detectar e garantir o cumprimento de medidas de compliance a terceiros, um apego ao modelo de avaliação clássico de checklist protocolar, focado exclusivamente na avaliação da empresa a ser contratada, o que se limita a pedir ou emitir certidões e averiguar a existência de pendências formais ou jurídicas. Por vezes, essas análises ainda se ampliam aos sócios da companhia averiguada, mas geralmente se limitam à checagem de registros criminais ou problemas reputacionais.

Desde 2018, a terceirização de todas as etapas do processo produtivo de uma empresa, sejam estas atividades-meio ou atividade-fim do objeto social do negócio, é considerada lícita no Brasil, conforme decidido pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Esta mudança de paradigma jurídico deveria ter alterado a forma como são realizadas as due diligence de fornecedores de bens e de prestadores de serviço, que ainda são muito calcadas no CNPJ contido no contrato formal, ignorando, assim, toda a cadeia de relações comerciais envolvidas nas atividades.


Mais sobre o tema: Os riscos da terceirização sem fiscalização


O fato é que o modelo de negócios atual demanda que uma companhia conheça quem são todos os envolvidos na produção dos bens e serviços contratados, posto que os variados riscos que se buscam detectar e evitar estão mais difundidos por toda uma intricada - e por vezes oculta - rede de empresas terceirizadas, quarteirizadas e parceiras comerciais informais.

Nesse sentido, vale reforçar que a ONU (Organização das Nações Unidas), por meio da sua cartilha “Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos”, assinala que as companhias “podem estar envolvidas em impactos adversos nos direitos humanos por meio de suas próprias atividades ou como resultado de suas relações comerciais com outras partes”. Justamente por isso, entende a organização, que é dever do mundo corporativo "prevenir ou mitigar impactos adversos nos direitos humanos que estejam diretamente relacionados às suas atividades e operações, produtos ou serviços prestados em suas relações comerciais, mesmo se elas não tiverem contribuído para esses impactos”.

Em vista do cenário atual sobre a dinâmica dos negócios, seguem abaixo sete sugestões de melhorias ao processo de due diligence de fornecedores que as empresas deveriam começar a implementar urgentemente, caso desejem efetivamente se prevenir de fazer negócios com quem viola direitos humanos e demais normas legais:

1.    Exigir da empresa a ser contratada uma lista completa e atualizada - enquanto perdurar o contrato - de todas as suas terceirizadas vinculadas, direta ou indiretamente;

2.    Saber se estas companhias terceirizadas passam por algum tipo de análise de Due Diligence por parte da empresa contratada e sobre quais critérios são analisadas: comercial, fiscal, trabalhista, criminal, regulatório, reputacional, ambiental, social, critérios de governança etc;

3.    Ter ciência se os sócios das terceirizadas são alvo de averiguação de antecedentes, os chamados background checks, e sobre quais temas são analisados: criminais, reputacionais, histórico empresarial, conflito de interesse, presença em listas restritivas etc;

4.    Cobrar que seja realizado algum tipo de monitoramento contínuo das terceirizadas e dos sócios dela, além de saber o período entre essas reavaliações;

5.    Demandar que sejam realizadas visitas in loco às instalações da empresa terceirizada para verificar se as condições de trabalho e as práticas comerciais estão em conformidade com as normas de saúde e segurança no trabalho, inclusive com entrevistas dos empregados, e determinar que ocorram novas visitas enquanto perdurar o contrato;

6.    Obter informação se a terceirizada precisa reportar, periodicamente, para a fornecedora comprovantes de cumprimento de determinados requisitos para acompanhamento de sua regularidade: recolhimento de FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e outras contribuições, validade de certidões e licenças específicas, distribuição de EPIs, reporte de funcionários afastados ou desligados por CID (Classificação Internacional de Doenças), emissão de relatório CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados com a lista de funcionários etc;

7.    Ter conhecimento se as terceirizadas precisam, no contrato padrão de prestação de serviço, demonstrar cumprirem com temas ligados a questões sociais, ambientes, governança (ESG) e de direitos humanos, ou assinar um termo de compromisso em respeito a esses fatores, sob pena de aplicação de multas, ressarcimentos e até rompimento do contrato.


Não perca: Como e por que desenvolver um programa de compliance em direitos humanos?


Os variados casos recentes de trabalhos análogos à escravidão reforçam a percepção de que os riscos do negócio não estão concentrados somente no CNPJ que figurará em um contrato, mas em outros a ele relacionados, os quais geralmente são "ocultos" do contratante final do serviço ou bem adquirido. Estas companhias desconhecidas da cadeia produtiva podem ser parte de um grupo econômico "informal" (sócios diferentes, mas com laços de parentesco e que atuam na prática em parceria comercial por terem o mesmo CNAE), ou de companhias quarteirizadas, as quais fornecem mão de obra barata para realização da atividade-fim e que, geralmente, não são alvo de diligências formais. Esta inexistência de fiscalização facilita e muito a ocorrência das práticas nocivas que o Estado vem combatendo.

Para todas aqueles que trabalham com compliance é inadmissível acreditar ainda que basta fazer uma análise direta de um fornecedor para afirmar que a contratante estará resguarda de eventuais riscos do negócio, especialmente dependendo do setor comercial atuante, visto o longo histórico de violações a diversas normas legais. Precisamos ir além em nossas avaliações corporativas, principalmente para proteger os mais vulneráveis na dinâmica do mercado de trabalho.

*Adriel Santos Santana e Carolina Castier de Melo atuam na área de Inteligência Corporativa da Aliant, empresa especializada em soluções completas para Governança, Compliance, Ética, Privacidade e ESG.

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