Como o Brasil deixou de ser referência em matéria ambiental no mundo

O meio ambiente está no centro do debate político e jurídico/Vinícius Mendonça/Ibama
O meio ambiente está no centro do debate político e jurídico/Vinícius Mendonça/Ibama
País passou rapidamente para a condição de pária internacional no assunto.
Fecha de publicación: 14/07/2020
Etiquetas: Meio Ambiente

Além do avanço da pandemia, com o aumento significativo de infectados e de mortos pela Covid-19 no país, o meio ambiente está no centro do debate político. Empresários e investidores estrangeiros, governos, o mundo acadêmico, especialistas em geral, ONGs, todos pressionam o governo Bolsonaro a mudar de forma rápida e radical a política para o setor. A ameaça real de pesadas sanções contra o Brasil não pode ser desprezada.

De referência em matéria ambiental, o país passou rapidamente para a condição de pária internacional. Para começar, o Inpe sofreu retaliações que culminaram no afastamento de seu presidente. Na última segunda-feira (13), o governo exonerou a coordenadora-geral de Observação da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Lubia Vinhas. Ela faz parte do setor que faz monitoramento da devastação da Amazônia em tempo real. Na semana passada, o Inpe informou que junho teve a maior quantidade de alertas de desmatamento desde 2015.

Ibama e ICMBio, responsáveis pelo controle e fiscalização em áreas protegidas, foram entregues a policiais militares. Por fim, registre-se a exclusão de grupos da sociedade civil de conselhos e fundos ambientais. Enquanto isso, a floresta amazônica registra recordes seguidos de desmatamento e queimadas.

 

O principal responsável por isso, com o aval do presidente da República, é claro, é o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (sem partido). Arrogante e pouco conhecedor das demandas do setor, ele se aliou aos grupos que defendem (e muitas vezes praticam) políticas de devastação da Amazônia, como grileiros e invasores de terra em geral. A rigor, ao colocar em prática um processo de desmonte do aparato estatal e legal para o meio ambiente, Salles seguiu à risca as diretrizes do Planalto.

 

Essa política, agora, está em xeque. Salles está com a cabeça a prêmio. Não são poucos os movimentos contra ele. O Ministério Público Federal pediu seu afastamento por improbidade administrativa. Um grupo de mais de trinta empresas de porte manifestou preocupação com a deterioração da imagem do Brasil no exterior. Na Europa, a campanha “Boicote Bolsonaro” pede que supermercados do continente parem de comprar alimentos brasileiros. O Fundo Amazônia, temporariamente suspenso, foi recriado, mas seus dois principais financiadores, Alemanha e Noruega, não garantem o aporte de recursos. Fundos estrangeiros divulgaram carta contra a política ambiental. Igualmente, ex-ministros da Fazenda e do Banco Central brasileiros prepararam carta contra o governo e sua política ambiental. Esses são alguns exemplos.

 

Uma figura importante nesse processo é o vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB). Na tentativa de melhorar o quadro, ele assumiu o comando do Fundo Amazônia e afastou Salles. No entanto, até agora tudo está no terreno da retórica. O vice fala em “conspiração mundial” contra o Brasil por conta de o país ser a “maior potência agrícola”. Discurso fraco e falso, que não aponta soluções para o problema.

 

Outro nome relevante é o da ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM/MS). Alçada ao posto com o apoio da bancada ruralista e do agronegócio, ela se viu obrigada a assumir uma postura de defesa do desenvolvimento sustentável. Em recente entrevista, se disse contra a exploração predatória da Amazônia. Indo além, produziu uma série em vídeo, que tem como alvo investidores estrangeiros, na qual fala da produção de suco de laranja, carne, soja e café “em harmonia com as florestas, áreas de preservação e importantes biomas, como a Amazônia”. 

 

É evidente que a titular da Agricultura quer manter os mercados abertos ao Brasil, mas sua postura a coloca mais próxima da causa ambiental do que Salles. Uma singular e inédita troca de posições.

 

Caso a situação do ministro se torne politicamente insustentável, o presidente da República terá três opções. A primeira seria a nomeação de um nome de peso para a pasta, alguém com o perfil de Marina Silva ou Rubens Ricupero. A questão aqui é se esse expoente da área aceitaria o convite. Mais, teria “carta branca” de Bolsonaro? Dado o histórico presidencial, o “não” é a resposta provável.

 

A segunda possibilidade é nomear alguém com perfil similar ao de Salles. Solução que traria poucos resultados práticos, pois dificilmente seria aceita pela comunidade internacional. 

 

Por fim, uma hipótese menos provável, mas que não pode ser descartada, seria colocar o ministério do Meio Ambiente sob o guarda-chuva da Agricultura. Não se sabe como isso se daria, mas há quem, no governo, veja a medida com simpatia. 

 

Bolsonaro e seu negacionismo, com o suporte de Salles e outros, isolam ainda mais o país. No pior cenário, o Brasil sairá da pandemia atraindo menos investidores. Recursos que farão muita falta quando se pensa na recuperação da economia. A crise econômica que já assola o país, tende a piorar.

 

Sirkis 

 

É de triste simbolismo que, em meio a esse debate, o Brasil tenha perdido uma figura do porte do ex-deputado Alfredo Sirkis (PSB/RJ). Decano na questão ambiental, sua voz e suas ideias farão falta nesse momento crítico.

 

*André Pereira César é cientista político.

 

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.