Contratos de franquia: Justiça do Trabalho não tem competência para julgar

As decisões nesse sentido estão aumentando a cada dia e nos convidam para refletir sobre um novo cenário dentro das múltiplas formas de divisão do trabalho da atualidade./Canva
As decisões nesse sentido estão aumentando a cada dia e nos convidam para refletir sobre um novo cenário dentro das múltiplas formas de divisão do trabalho da atualidade./Canva
Intercorrências na relação entre franqueado e franqueador que geram ações judiciais devem ser julgadas pela Justiça Comum.
Fecha de publicación: 28/09/2023

A 12ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) de São Paulo decidiu, recentemente, em duas ações envolvendo a validade de contratos de franquia, que a competência para processar e julgar ambos os casos é da Justiça do Trabalho. Um mês depois, a juíza titular da 90ª Vara do Trabalho de São Paulo, em caso idêntico, determinou a remessa dos autos à Justiça Comum, antes mesmo da instrução, com base no direcionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que não compete à Justiça do Trabalho apreciar demandas que envolvem franqueado e franqueador.

 

Essas não são as primeiras decisões de primeiro e segundo grau nesse sentido. É um entendimento que, aos poucos, está ganhando cada vez mais espaço nos tribunais trabalhistas, não apenas em São Paulo. Aliás, as decisões de julho da 12ª Turma do TRT-2 seguem a linha adotada por aquele Tribunal desde 2021, em suas diferentes composições. São acórdãos e sentenças que chamam muita atenção daqueles que, diariamente, trabalham com litígios relacionados com pedidos de reconhecimento de vínculo de emprego de profissionais contratados por meio de empresas regularmente constituídas.

 

Os fundamentos centrais das decisões da 12ª Turma do TRT-2 podem ser assim resumidos:

  • Os autores celebraram contratos de franquia firmados à luz das disposições da lei de franquias;
  • A lei de franquias traz o conceito de franquia e estabelece expressamente que a relação entre franqueador e franqueado não caracteriza vínculo de emprego;
  • O STF tem decidido que, nos casos em que se discute eventual nulidade da relação jurídica de natureza cível e que a própria lei impõe regramentos para a configuração da relação, compete à Justiça Comum apreciar a presença dos requisitos da lei de regência do contrato, antes de se adentrar ao mérito sobre a existência ou não do vínculo de emprego.

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Por esses motivos, a 12ª Turma do TRT-2 decidiu que eventual questão oriunda de vício de vontade, nulidade ou irregularidade em razão do contrato de franquia celebrado entre as partes deve ser dirimida pela Justiça Comum. A turma ponderou que, caso a Justiça Comum verifique que não foram preenchidos os requisitos impostos na lei, a competência passaria a ser da Justiça do Trabalho, ocasião em que seria feito o exame da relação jurídica com base nos elementos caros ao reconhecimento do vínculo de emprego: pessoalidade, habitualidade, onerosidade e, especialmente, a subordinação.

 

Os acórdãos proferidos pela 12ª Turma do TRT-2 ressaltam que a solução jurídica empregada é similar à adotada pelo Plenário do STF na ADC 48. Esse precedente é no sentido de que, para os transportadores autônomos de carga, uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007, estará configurada a relação comercial civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista.

 

No mesmo sentido, também foi dado destaque ao precedente da Reclamação Constitucional nº 46.069, que reafirmou que as controvérsias sobre as relações jurídicas envolvendo a Lei nº 11.442/2007 devem ser julgadas pela Justiça Comum, e não pela Justiça do Trabalho. A 12ª Turma do TRT-2 também ressaltou que a decisão está em linha com o voto do ministro Alexandre de Moraes, seguido pelo ministro Dias Toffoli, ambos do STF, no agravo regimental interposto na Reclamação Constitucional nº 43.544, quando foi reafirmado que a presença dos pressupostos e requisitos legais deve iniciar-se pela Justiça Comum.


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Com base nos precedentes indicados acima, portanto, a 12ª Turma do TRT-2 fixou o entendimento de que, se declarada a irregularidade, vício ou nulidade da relação jurídica entabulada entre as partes pela Justiça Comum, cabe o processamento da demanda perante a Justiça do Trabalho para avaliar a natureza da relação.

 

Os precedentes mais recentes do STF, no que dizem respeito ao tema de vínculo de emprego, destacam valores como liberdade de iniciativa, liberdade jurídica e autonomia da vontade das partes. Também se extrai desses precedentes o reconhecimento da licitude da terceirização ou de qualquer outra forma de divisão do trabalho.

 

O próprio STF tem reforçado a necessidade de aplicar tais precedentes quando da análise da validade de contratos de franquia. É o que se extrai da decisão do ministro André Mendonça, por ocasião do julgamento da Reclamação nº 58.333. Nesse caso, o ministro destacou que, a despeito da existência do contrato de franquia, foi reconhecida a relação de emprego pelo TRT-2, em “aparente desconformidade com o conjunto das decisões emanadas desta Corte”.

 

Foi dado destaque, ainda, para a necessidade de o Direito dar a mesma solução para problemas de pessoas em igual situação, destacando que as teses firmadas pelo STF nascem com efeito vinculante e erga omnes, devendo ser observadas por todo o Poder Judiciário.

 

Essas decisões turmárias do TRT-2 de São Paulo dão cor a um cenário muito específico no contexto das relações comerciais de franquia. Os franqueados, via de regra, são empresários que, em sua grande maioria, faturam valores relevantes, pela comercialização de produtos da franqueadora. São, em geral, profissionais bem formados, qualificados, que negociam em igualdade de condições.

 

Não por outra razão, alguns juízes já começam a adotar esse posicionamento nas decisões de primeiro grau, dando maior efetividade e celeridade na prestação jurisdicional. No mesmo sentido da decisão mencionada da 90ª Turma, no mês passado, a juíza da 58ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro decidiu, antes de iniciar a instrução, que a competência para apreciar contratos de natureza cível não é da Justiça do Trabalho. Na sentença, foram destacados os precedentes do STF, com enfoque para a conclusão de que, se o Supremo entende que há atividade de natureza mercantil na representação comercial e no contrato rodoviário autônomo, a princípio, a mesma natureza comercial se aplica aos contratos de franquia.


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As decisões nesse sentido estão aumentando a cada dia e nos convidam para refletir sobre um novo cenário dentro das múltiplas formas de divisão do trabalho da atualidade.

 

Enquanto as decisões de incompetência ganham evidência nas varas e nos tribunais trabalhistas, os operadores do Direito se beneficiam de um elevado nível de discussão jurídica. As empresas, por sua vez, ficam atentas e aguardando, cada vez mais, um cenário de maior segurança jurídica para as relações comerciais celebradas com boa-fé, sem qualquer vício de consentimento ou irregularidade na sua formação.

 

O papel da Justiça do Trabalho para a promoção da igualdade social e do desenvolvimento socioeconômico do país é inquestionável. As decisões que reconhecem que a competência para a análise dos contratos de natureza comercial é da Justiça Comum não afetam, nem de longe, a relevância da Justiça do Trabalho para a pacificação das relações sociais. Ao contrário, ao garantir que empreendedores que atuaram de forma autônoma, sem subordinação e que se beneficiaram de um sistema de tributação diferenciado, sejam julgados pela Justiça Comum, o Judiciário assegura que a Justiça do Trabalho volte sua atenção a quem, de fato, carece de proteção, reafirmando o seu compromisso de equilibrar a relação entre o capital e o trabalho.

 

*Cleber Venditti é sócio e Ingrid Serezuelo de Oliveira e Renata do Nascimento Ziebarth são advogadas do Mattos Filho.

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