Divulgação de informações ESG no mercado de capitais: comparação entre Brasil e EUA

Se regra da SEC for aprovada, companhias registradas dos EUA terão um processo mais rigoroso do que o modelo “pratique ou explique” imporá às companhias abertas no Brasil/Canva
Se regra da SEC for aprovada, companhias registradas dos EUA terão um processo mais rigoroso do que o modelo “pratique ou explique” imporá às companhias abertas no Brasil/Canva
Ambos os reguladores têm avançado bastante na agenda de sustentabilidade para atender às demandas do mercado.
Fecha de publicación: 11/11/2022
Etiquetas: mercado de capitais, esg, CVM, SEC

Considerando a crescente relevância da temática ESG (do inglês Environmental, Social and Governance) para investidores e para o mercado de maneira geral, os órgãos reguladores dos mercados de capitais brasileiro e norte-americano têm proposto novas regras sobre o assunto, sobretudo no que tange à divulgação e padronização de informações de tal natureza. A forma de disclosure das políticas e iniciativas ESG das companhias e a possibilidade de efetiva comparação entre pares a respeito do tema ainda figura como desafio central nessa seara.

Mercado de capitais brasileiro

No Brasil, as companhias registradas junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) passarão a ter que divulgar informações sobre fatores ESG em seus formulários de referência, que até então não possuíam seção específica para tratamento da matéria. Em dezembro de 2021, a CVM publicou a Resolução CVM nº 59, que trouxe mudanças à então vigente Instrução CVM nº 480 (norma que regulamentava o registro e a prestação de informações periódicas e eventuais de emissores de valores mobiliários, recentemente revogada pela Resolução CVM nº 80), passando a exigir uma divulgação detalhada de informações a respeito de fatores ESG pelas companhias.

No novo modelo do formulário de referência trazido pela Resolução CVM nº 59, os emissores registrados tanto na categoria “A” quanto “B” passam a ter que divulgar, a partir de 02.01.2023, informações específicas em relação a questões ESG (informações sobre se o emissor divulga questões ESG em relatório anual e a metodologia ou padrão seguidos na elaboração desse relatório, por exemplo), ao passo que apenas os emissores registrados na categoria “A” devem divulgar, ainda, os efeitos da regulação estatal sobre as atividades do emissor a respeito dos principais aspectos relacionados ao cumprimento das obrigações legais e regulatórias ligadas a questões ambientais e sociais. O novo regramento da CVM introduziu a lógica “pratique ou explique”, de forma que as companhias que optarem por não divulgar informações de cunho ESG deverão justificar o motivo pelo qual fizeram tal escolha. Dessa forma, a CVM busca disseminar a prática e divulgação de elementos ESG pelas companhias.


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Dando seguimento a essa agenda de sustentabilidade no mercado de capitais brasileiro, a B3 S/A – Brasil, Bolsa, Balcão divulgou, em agosto de 2022, um edital de audiência pública que propõe a criação de um anexo ao “Regulamento para Listagem de Emissores e Admissão à Negociação de Valores Mobiliários”, visando a aumentar a adoção de práticas ESG por companhias listadas. Dentre outras medidas, a B3 está propondo a eleição de, pelo menos, uma mulher e um membro de comunidade minoritária (pessoas pretas ou pardas, integrantes da comunidade LGBTQIA+ ou pessoas com deficiência) como membros efetivos dos conselhos de administração ou das diretorias das companhias. Com essas medidas, a B3 procura promover a diversidade e inclusão em cargos de alta liderança das companhias listadas.

A proposta também sugere mudanças nas eventuais políticas de remuneração variável da administração das companhias, que deverão incluir indicadores de desempenho ligados a temas ou metas ESG.

As mudanças propostas pela B3 não são de todo impositivas, seguindo também a lógica do regime “pratique ou explique” adotado pela CVM: as companhias que não conseguirem eleger administradores que respeitem os critérios de diversidade previstos, ou que optem por políticas de remuneração variável sem indicadores ESG, precisarão explicar ao mercado os motivos que inviabilizaram os avanços e os fundamentos da respectiva decisão.

Mercado de capitais norte-americano

Questões de natureza ESG também têm tido papel de destaque na agenda da Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador do mercado de capitais norte-americano. Em março de 2022, a SEC aprovou uma proposta regulatória para exigir a divulgação padronizada de informações ambientais por companhias listadas nas bolsas de valores americanas, incluindo emissores estrangeiros (e, consequentemente, empresas brasileiras listadas na NYSE e Nasdaq, por exemplo).

De acordo com a proposta, todas as companhias que tenham valores mobiliários negociados em bolsa terão que informar as seguintes informações em suas demonstrações financeiras anuais: (i) a governança dos riscos climáticos e os processos adotados para gerenciamento desses riscos; (ii) como os riscos climáticos terão um impacto material em seus negócios, podendo esse impacto se manifestar no curto, médio e longo prazo; (iii) como os riscos climáticos têm afetado ou podem afetar a estratégia de atuação da companhia, bem como seu modelo de negócios e suas perspectivas; e (iv) o impacto de eventos climáticos severos e outras condições naturais e de atividades de transição nas demonstrações financeiras consolidadas da companhia, bem como em suas estimativas e premissas financeiras.

Além dessas informações, as regras propostas pela SEC também preveem que as empresas deverão divulgar informações sobre suas emissões de carbono, as quais estão divididas nos seguintes escopos: Escopo 1 - Emissões provenientes das atividades primárias da companhia; Escopo 2 - Emissões provenientes da energia adquirida pelas companhias para realização de suas atividades; Escopo 3 - Emissões associadas à sua cadeia produtiva (fornecedores e consumidores de produtos e serviços). O Escopo 3 é chamado de value chain emissions, sendo o ponto mais sensível da proposta regulatória por impor às companhias um rigoroso monitoramento ao longo de sua cadeia de produção e consumo. De acordo com a SEC, essas propostas para divulgação de emissões de gases de efeito estufa forneceriam aos investidores informações úteis para avaliar a exposição de um emissor a riscos climáticos e sua forma de gerenciamento.


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Empresas de menor porte são isentas da obrigatoriedade de divulgação das informações previstas no Escopo 3, ao passo que empresas de grande porte terão, ainda, outra obrigação: a contabilização das emissões dos escopos 1 e 2 terão que ser submetidas a auditoria independente.

Caso a proposta seja aprovada, as novas regras da SEC - que acompanham os padrões estabelecidos pelo Task Force on Climate-Related Financial Disclosures - entrarão em vigor no ano fiscal de 2023, sendo aplicáveis à apresentação de demonstrações financeiras do ano fiscal de 2024.

Em maio de 2022, a SEC propôs alterações às regras de divulgação de informações ESG por parte de fundos de investimentos e de seus gestores, de forma que investidores tenham acesso a dados consistentes e comparáveis sobre as estratégias ESG adotadas por gestores de recursos. Caso entrem em vigor, as regras serão aplicáveis aos gestores de recursos, às investment companies e às business development companies.

As novas regras propostas pela SEC buscam categorizar certos tipos de estratégias ESG e exigem que fundos de investimento e seus gestores realizem divulgações mais específicas nos prospectos de investimento dos fundos e em seus relatórios anuais. Em termos mais práticos, a proposta da SEC requer, em relação aos fundos que tenham como enfoque o aspecto ambiental da sigla ESG, a divulgação das métricas de emissões de gases de efeito estufa relacionadas aos seus portfólios. Fundos que declarem buscar um impacto ESG específico, por sua vez, deveriam descrevê-lo, bem como sintetizar seu progresso e os fatores-chave que tenham contribuído para tanto.

Ambos os reguladores têm avançado bastante na agenda de sustentabilidade para atender às demandas do mercado em relação à divulgação de informações ESG, criando bases de comparabilidade consistentes entre as companhias. Não se pode deixar de notar, contudo, que se a regra da SEC em relação à divulgação de tais informações for aprovada na forma proposta, a necessidade de contabilização do inventario de gases de efeito estufa, especialmente no tocante à value chain emissions, imporá às companhias registradas nos EUA um processo mais rigoroso do que o modelo “pratique ou explique” imporá às companhias abertas no Brasil.

*Camila Goldberg e Maria Luiza Belmiro, são sócia e associada da área de Mercados Financeiros e de Capitais do BMA Advogados

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