Ferrovias: proposta quer desburocratizar setor e aumentar participação privada

A questão torna-se ainda mais relevante em razão do planejamento de alguns estados para implementar ferrovias por autorização/Pixabay
A questão torna-se ainda mais relevante em razão do planejamento de alguns estados para implementar ferrovias por autorização/Pixabay
Projeto estabelece novo marco regulatório e pode destravar investimentos.
Fecha de publicación: 26/05/2021

O novo marco legal para ferrovias está em discussão no Senado desde 2018. O PLS 261/2018 tem potencial para destravar projetos e investimentos na ordem dos bilhões de reais. A Proposta de Legislação Federal pretende estabelecer novo marco regulatório para o setor ferroviário e apresenta regras para exploração das ferrovias em regime de direito público (concessões e permissões) e privado (autorizações), bem como prevê a possibilidade de autorregulação do setor.

O último substitutivo foi apresentado em novembro pelo relator, o senador Jean Prates, e ainda aguarda votação pelo Senado antes de ser remetido à Câmara.


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O projeto de Lei busca renovar o marco regulatório do setor ferroviário e uma das suas principais novidades diz respeito à outorga de autorizações para exploração das ferrovias em regime de direito privado, de forma semelhante ao que já foi feito no setor portuário e no de telecomunicações.


Espera-se que o PL contribua com a desburocratização do setor e o aumento da participação privada, com uma repercussão imediata de aumento de emprego e renda, necessárias ao desenvolvimento do país.

A retomada do crescimento do setor já tem sido impulsionada pela renovação antecipada de concessões, a viabilizar investimentos e aumentar a capacidade da malha, inclusive por meio de investimentos cruzados. Também merecem registro a concessão da Fiol em abril de 2021 e, sobretudo, a previsão de concessão da Ferrogrão – que traz desafios inerentes à financiabilidade de grandes projetos green field.

Um ponto delicado dessa nova equação se dá na calibragem da assimetria regulatória entre concessionárias e autorizatárias, sobretudo quando se trata da diferença do fardo regulatório incidentes em cada um desses modelos de outorga. A questão torna-se ainda mais relevante em razão do planejamento de alguns estados para implementar ferrovias por autorização, como Minas Gerais, Pará e Mato Grosso.

É nesse contexto que surge a pergunta de um milhão de dólares (ou de bilhões de TKUs): quais seriam os limites para essa assimetria regulatória, considerando-se que o PL transita entre momento de rigidez estanque entre regime jurídico público e privado e entre disposições que buscam maior eficiência e menos amarras na medida em que incentivam a substituição do excesso de regulação técnica pela possibilidade de autorregulação pelos agentes do próprio setor - a incluir as concessionárias?

A resposta regulatória deve estar coordenada com a política pública de transportes e não pode, sob a lógica de aumentar a competitividade e investimentos no setor, desrespeitar os direitos da concessionária.

Diante desse complexo cenário, uma possível solução foi levantada: alteração do atual substitutivo do PL para prever, desde já, a possibilidade de migração de regime jurídico, de forma que as concessões possam se tornar autorizações no futuro, como na experiência do setor de telecomunicações.

Essa solução permitiria ainda uma transição mais suave do modelo de monopólio vertical para um contexto de maior abertura do acesso.

Não se pode alegar a ausência de modelos de migração nos portos como simples causa para sua não previsão no caso das ferrovias. Nos portos, tem-se a tendência de aproximação com o modelo de autorização, de forma que grandes portos no mundo são operados por autorização. Ao contrário das ferrovias, o porto está a jusante na cadeia. Assim, as peculiaridades de integração do sistema ferroviário são muito mais complexas.

Sobre esse aspecto, há uma preocupação do MDR em tratar não apenas a formação dos blocos, tal como previsto no Novo Marco do Saneamento, mas também em tratar as dificuldades que surgirão devido à complexidade e heterogeneidade existentes no Brasil. Há muitos municípios com realidades diferentes e preocupações próprias que precisam ser consideradas. Dessa forma, a intenção do MDR é não apenas acompanhar a formação de cada bloco, mas ao mesmo tempo de não deixar de priorizar aquelas regiões mais sensíveis que demandam maior apoio técnico do governo federal.

Além do mais, em maior ou menor medida, em todos os setores em que houve assimetria regulatória, observou-se uma transição de modelo que culminou em desconstitucionalização e em progressivo esvaziamento do núcleo das concessões – como, por exemplo, do setor de telecomunicações, o qual acabou por possibilitar a migração de regimes jurídicos.

Vocação das autorizações: malhas greenfield ou short lines

Sobre as potencialidades e tipos de investimentos possíveis pela via da autorização, dois caminhos foram vislumbrados: a expansão e construção de novas ferrovias por meio do modelo greenfield e a reabilitação de trechos devolvidos por meio de short lines.

No caso de regiões servidas por trechos já concedidos, é natural que a expansão ocorra por investimentos na própria concessionária. Ainda, considerando a necessidade de investimento intensivo de capital, não se considera plausível a ocorrência de projetos de duplicação de infra e superestrutura ferroviária de forma paralela às ferrovias já concedidas.

Por todo exposto, há a percepção de que os projetos greenfield de grande extensão provavelmente serão instalados em localidades ainda não atendidas pelas malhas ferroviárias.

Quanto aos projetos brownfield, há aposta de que sejam desenvolvidos sobretudo no modelo de short lines que reabilitam linhas anteriormente devolvidas. Nos moldes atualmente previstos pelo PLS, esta autorização volta-se à busca de interessados na exploração econômica de trechos ferroviários ociosos por mais de três anos.

Resta avaliar se essa restrição tem o condão de afastar o risco de cherry picking ou cream skimming, com atuação do autorizatário apenas nos segmentos mais lucrativos do mercado, legando à concessionária o ônus de operar nos segmentos deficitários.

Assim, é fundamental que a defesa da concorrência esteja equipada de ferramentas para evitar ou coibir comportamentos abusivos e que a regulação se incumba de reduzir ônus desnecessários às concessões, a permitir maior equilíbrio entre os players.

Das políticas públicas ao aperfeiçoamento regulatório: como estimular novos entrantes?

Todo o cenário descrito evidencia a necessidade de se aperfeiçoar a agenda regulatória em concessões no geral. A discussão vai desde a necessidade de redução do fardo regulatório incidente sobre o setor até questões estratégicas quanto ao modelo de exploração e concorrência, com a eventual previsão da autorização.

Nos debates do evento do GRI Club, destacou-se a importância de que esse movimento comece no planejamento das políticas públicas que garantam a prioridade na alocação de recursos para assegurar competitividade e acesso ao porto pelas concessões ferroviárias.

Para desenvolver short lines, por exemplo, é preciso acesso a grandes linhas, que estão concedidas. Dessa forma, a consolidação de regras racionais para o direito de passagem e tráfego mútuo são centrais.

Também foi destacada a experiência na prorrogação antecipada das concessões, para as quais previu-se regra de gatilho de investimento com malha saturada, de forma a possibilitar maior acesso a ferrovias. Assim, se houver trecho saturado para o qual novo interessado demanda capacidade de transporte, o concessionário deve fazer expansão de capacidade contratual. A questão que remanesce: é possível prever tal aditamento?

Outro ponto destacado entre as medidas já implementadas para estimular a chegada de novos entrantes foi a recente alteração das regras aplicáveis ao Operador Ferroviário Independente (OFI).

Ainda existem dúvidas sobre o potencial de implementação no modelo, considerando que ainda não existem OFI em operação no Brasil. Faltam incentivos ou o OFI seria de fato uma figura residual?

O OFI ainda é um modelo recente (instituído em 2014) e, diante da regulamentação nova, é possível que os investidores ainda não tenham conseguido se estruturar. O investimento em ferrovia é de alta escala, então, para ter investimento, é preciso ter infraestrutura, material rodante, dentre outros. Outra questão relevante é a necessidade de garantir maior segurança na operação do OFI nos trechos em que há também transporte de passageiros.

Nesse contexto, as maiores barreiras de entrada do OFI parecem ser o volume de investimentos e o temor de que não se garanta a segurança jurídica para que tais investimentos sejam realizados.

As dificuldades para operação do OFI devem ser consideradas para que o modelo de autorização seja capaz de fomentar os esperados investimentos privados em infraestrutura ferroviária.

Transporte de passageiros

O setor de transporte de passageiros por ferrovias ainda não tem experimentado a expansão comemorada no setor de transporte de cargas.

Os participantes destacaram a esperança no setor de passageiros com as short lines, com análise comparada em contextos semelhantes. Ainda não há linhas significativas de passageiros, apenas aproveitamento de linhas de carga para transporte de passageiros ou linhas turísticas. A carga possibilita previsibilidade de demanda, o que não acontece com a questão dos passageiros. Assim, verifica-se a possibilidade de aproveitamento da experiência do setor elétrico para remuneração por disponibilidade. Construir linhas independentemente da demanda requer remunerar o investidor com base na disponibilidade de demandas.

Destacou-se, ainda, investimentos sendo realizados para a segregação de linhas de cargas e passageiros no Estado de São Paulo, e disponibilização de faixa de domínio para implementação de trem de média velocidade entre São Paulo e Campinas.


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Autorizações estaduais e sua comparação com o PLS 261

Os Estados do Pará, Mato Grosso e Minas Gerais passaram por iniciativas de emenda às suas respectivas constituições para viabilizar a exploração de serviços públicos no regime de autorização; a Constituição mineira foi explícita ao inserir a competência estadual para outorgar autorização para explorar ferrovias que não transponham os limites de seu território.

Os estados editaram legislações para regrar a autorização. A legislação mineira difere das demais, pois não prevê detalhamento do regime de autorização, dispondo sobre as linhas gerais da política estadual de transporte ferroviário e o Plano Estratégico Ferroviário do Estado (PEF). O governo estadual anunciou que a regulamentação provavelmente ocorrerá no primeiro semestre de 2021.

*Floriano de Azevedo Marques Neto e Mariana Magalhães Avelar são sócios do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados

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