Caso Larissa Manoela: reflexões sobre a carreira dos jovens e a gestão do patrimônio

Larissa Manoela contou ao Fantástico que os pais sempre estiveram à frente da administração de seu patrimônio, fazendo um controle rigoroso do dinheiro até para gastos rotineiros./Larissa Manoela - Instagram
Larissa Manoela contou ao Fantástico que os pais sempre estiveram à frente da administração de seu patrimônio, fazendo um controle rigoroso do dinheiro até para gastos rotineiros./Larissa Manoela - Instagram
Após a maioridade ou a emancipação, ainda que o jovem resida com os pais, a recomendação é separar a relação familiar da profissional
Fecha de publicación: 18/08/2023

Quando os temas investimento e planejamento patrimonial vêm à mente, o nosso imaginário logo desenha o perfil básico desses players: homens ou mulheres 40+, já consolidados e estabilizados em suas carreiras, eventualmente com filhos, e assim por diante.

 

No entanto, essa (pseudo) realidade vem passando por mudanças significativas. Novos perfis estão sendo diuturnamente descortinados. Jovens criativos e o mundo digital, por exemplo, deram origem aos influencers que ganham e faturam milhões de reais.

 

Nos esportes, marcas renomadas apostam em crianças e adolescentes desde cedo, inclusive remunerando – e muito bem – os trabalhos desses atletas mirins. O cinema e as plataformas de streaming também se revelaram como uma fonte inesgotável de trabalho para jovens e crianças.

 

Não é por outra razão, que, de acordo com uma pesquisa realizada pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitaisem 2019, a faixa etária mais propensa a investir é a de 25 a 34 anos, representando 38% do total de investidores. E se nova pesquisa fosse feita, essa faixa etária já teria se alterado, e certamente para baixo.


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Se, de um lado, temos um movimento que revela a capacidade de pessoas cada vez mais jovens investirem; de outro, temos uma realidade bastante sensível sendo descortinada, que é justamente o fato de que essa “turma” possivelmente começou a ganhar dinheiro antes da maioridade, tendo que, obrigatoriamente, relegar aos seus responsáveis legais a gestão de sua carreira e patrimônio.

Recentemente, o tema ganhou os holofotes, tendo em vista a entrevista veiculada pelo programa “Fantástico”, da Rede Globo, com a atriz Larissa Manoela.

 

A atriz, hoje com 22 anos, iniciou a trajetória artística aos quatros anos, tendo trabalhado em diversas novelas e filmes, além de estrelar campanhas publicitárias e lançar linhas próprias de produtos.

 

Na entrevista, Larissa contou que os pais sempre estiveram à frente da administração de seu patrimônio, fazendo um controle rigoroso do dinheiro até para gastos rotineiros. E que, mesmo após atingir a maioridade, não sabia quanto ganhava e quantos bens possuía.

 

No último ano, a atriz decidiu se inteirar dos negócios e tomou conhecimento que o seu percentual em uma das empresas abertas para concentrar o patrimônio e gerir os contratos era de apenas 2%, enquanto os pais detinham 98%.

 

Diante do crescente número de jovens expostos a situações similares, casos como o da atriz Larissa estão mais propícios de acontecer.

 

Sem prejuízo de exaurir o tema, que pode e deve passar por inúmeras reflexões, seguem alguns dos principais pontos de atenção quanto ao trabalho infantil e à responsabilidade dos representantes legais do menor.


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Trabalho artístico infantil

 

Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), menores de 18 anos somente poderão desenvolver ativamente atividades artísticas, isto é, participar de gravações e ensaios fotográficos, por exemplo, mediante alvará judicial obtido em específico para cada trabalho realizado.

 

Deverão ser informados à Justiça todos os detalhes do trabalho, como local, horário, duração, objeto da performance, condições contratuais, além da apresentação de autorização dos pais ou responsáveis legais.

 

As atividades deverão ser compatíveis com a grade escolar, não poderão sujeitar o menor a situações vexatórias e terão de observar condições que prezem pela saúde e pelo bem-estar da criança ou adolescente.

 

Gestão e titularidade do patrimônio

 

Entre 0 e 16 anos, os pais representam os filhos e, entre 16 e 18 anos, ou até a emancipação, os assistem. Enquanto no exercício de seu ‘poder familiar’ (termo que define o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais em relação aos filhos, tendo em vista a proteção destes), os pais são usufrutuários e têm a administração dos bens dos filhos, mas não são proprietários do patrimônio do menor.

 

Não há regra específica para a forma de gerenciamento do patrimônio do menor, mas a lei traz algumas limitações à administração de modo que, salvo expressa autorização judicial, os pais não podem vender ou onerar imóveis dos filhos nem contrair obrigações que ultrapassem a mera gestão.

Em geral, todo e qualquer ato de gestão sempre deverá ter como finalidade atender e proteger os interesses do menor, de maneira que o dinheiro fruto do trabalho infantil artístico será revertido em proveito da criança ou adolescente.

 

Fato é que, enquanto menores de idade e não emancipados, a administração do patrimônio apenas será retirada dos pais judicialmente se constatada a colisão entre os interesses dos pais e os dos filhos.

 

Nessas circunstâncias, o requerimento poderá ser feito pelo menor (hipótese pouco provável) ou pelo Ministério Público, mediante denúncia de terceiros, situação em que o juiz nomeará um curador especial, que passará a gerir o patrimônio e deverá prestar contas em juízo acerca da gestão.

 


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Prestação de contas e indenização

 

Considerando que as chances de o menor recorrer ao Judiciário sozinho ou obter respaldo do Ministério Público mediante denúncia são remotas, o menor tem a seu favor, quando emancipado ou após completar 18 anos, a possibilidade de requerer a prestação de contas pelos pais da gestão de seu patrimônio durante a menoridade.

 

Nesse caso, se constatado o desvio ou manipulação do patrimônio, fraude, negligência, ou qualquer ilícito, na gestão pelos pais, que tenha causado dano material ao menor, poderá ser requerido indenização correspondente aos prejuízos sofridos.

 

Na situação da atriz, ela menciona que rompeu com os pais e que abdicou de um patrimônio de aproximadamente R$ 18 milhões, fruto do trabalho exercido enquanto menor. A escolha, portanto, é pessoal pois a lei assegura à Larissa a possibilidade de tomar ciência sobre a gestão de seus bens e reaver o patrimônio.

 

Maioridade, emancipação e administração da carreira e do patrimônio

 

Ao atingir a maioridade ou obter a emancipação, a legislação brasileira considera que se extingue o poder familiar uma vez que a pessoa é absolutamente capaz, tendo condições para tomar decisões por si mesma. 

 

A emancipação poderá ser obtida após atingir os 16 anos de idade e se divide, segundo o Código Civil, em três espécies: voluntária, judicial e legal. A modalidade voluntária ocorre quando, por mera liberalidade, os pais mediante instrumento público, sem necessidade de homologação judicial, concedem a emancipação aos filhos.

 

A emancipação judicial, por sua vez, ocorre quando o jovem entre 16 e 18 anos, é tutelado, isto é, quando for órfão, ou quando os pais já foram destituídos do poder familiar ou forem ausentes.

Nesse caso, ouvido o tutor, o juiz poderá conceder a emancipação. E, por fim, a própria Lei dispõe de hipóteses de emancipação por meio do casamento, emprego público efetivo, colação de grau em curso superior e se o menor aos 16 anos possuir renda própria. 

 

A esse respeito, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) já decidiu que o menor com 16 anos completos, que tenha vínculo empregatício e que dele decorra economia própria, terá capacidade para realizar atos da vida civil, como assinar contratos e gerir seu patrimônio. Ou seja, nesses casos o artista menor de idade já poderá ter pleno domínio sobre sua carreira e suas finanças.


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De qualquer forma, seja após a maioridade ou a emancipação, ainda que o jovem resida com os pais e queira auxílio na condução de sua carreira, a recomendação é que a administração seja formalizada, separando a relação familiar da relação profissional.

 

Sobre esse aspecto, pais e filhos poderão se valer de instrumentos comuns a esse tipo de negócio a fim de trazer maior segurança jurídica a ambas as partes, a exemplo de mandatos com poderes específicos, contratos de gestão de carreira por meio do qual a remuneração dos pais esteja delimitada, ou, ainda, caso exista uma pessoa jurídica, contrato social e acordo de sócios por meio dos quais se estabeleçam regras de administração e distribuição dos dividendos e pró-labore.

 

A despeito de, como visto acima, as normas atualmente vigentes garantirem tutela reparatória aos direitos dos menores, os fatos havidos e a nova realidade que se apresenta deixaram claro que abusos podem acontecer e que é preciso, sim, termos mecanismos mais atuais e modernos de defesa prévia desses interesses para que não estejamos diante de vitórias de piro, apenas.

 

*Maria Helena Bragaglia é sócia das áreas de Resolução de Disputas, Consumo & Varejo e Estruturação Patrimonial e Sucessória do Demarest AdvogadosBianca Onófrio é advogada da área de Resolução de Disputas do Demarest Advogados.

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