O pacote prometido por Bolsonaro sobre os combustíveis e a Lei Complementar nº 194/2022

Lei Complementar define que, para fins de incidência do ICMS, os combustíveis e o gás natural são considerados bens essenciais/Canva
Lei Complementar define que, para fins de incidência do ICMS, os combustíveis e o gás natural são considerados bens essenciais/Canva
É necessário maior diálogo entre o Governo e os Estados e Municípios para redução do valor dos combustíveis na bomba.
Fecha de publicación: 04/07/2022

Conforme amplamente divulgado pela mídia, o Presidente da República anunciou, no início de junho, o pacote de ações impulsionado pelo contexto eleitoral de 2022, chamado de “pacote da desoneração”.

Inicialmente, a proposta previa a redução a zero dos tributos federais PIS/COFINS e CIDE incidentes sobre a gasolina e o etanol (o diesel e o GLP são isentos), bem como o ressarcimento dos valores referentes ao ICMS sobre diesel e do gás liquefeito de petróleo (GLP) aos estados que reduzissem à zero as referidas alíquotas até o final de 2022.

Com efeito, a medida proposta foi condicionada à aprovação, no Congresso, do projeto de lei complementar (PLP) nº 18/2022, que fixa um teto para o ICMS sobre os combustíveis e tarifas de energia elétrica em 17% na maioria dos casos e, ainda, à edição de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para autorizar o repasse aos Estados.


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Neste contexto, foi publicada a Lei Complementar nº 194, de 23 de junho de 2022, sancionada pelo Presidente da República, que limitou a cobrança do ICMS de combustíveis, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo.

Trata-se de lei complementar resultante da aprovação por senadores e deputados do PLP nº 18/2022 que limita a cobrança do ICMS sobre produtos e serviços essenciais à alíquota mínima de cada estado, que varia entre 17% e 18%.

Nos termos da exposição de motivos do PLP nº 18/2022, resta afirmado que não há dúvidas de que a definição, relativamente aos combustíveis, de alíquotas semelhantes às incidentes sobre bens supérfluos ofende os princípios da isonomia tributária e da seletividade do ICMS em função da essencialidade dos bens e serviços tributados, na medida em que o critério de graduação dos níveis de tributação imposto pelo legislador constituinte não vem sendo observada.

Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal recentemente reconheceu, no julgamento do Recurso Extraordinário nº RE 714.139/SC, o direito do contribuinte de recolher o ICMS sobre a energia elétrica e sobre os serviços de telecomunicação, sob o patamar ordinário de 17%, afastando a alíquota mais elevada que incidia sobre tais bens e serviços.

Neste sentido, a Lei Complementar nº 194 define que, para fins de incidência do ICMS, são considerados bens essenciais e indispensáveis, não podendo ser tratados como supérfluos, os combustíveis e o gás natural e, dessa forma, a alíquota máxima para esses itens deve ser a aplicada às operações em geral, em média, de 17% a 18%.

Por outro lado, o chefe do Poder Executivo vetou dispositivos da Lei Complementar nº 194 que previam compensação financeira para os estados da integralidade da perda de arrecadação do ICMS.

Cumpre pontuar que, sem prejuízo de a Lei Complementar nº 194 já ter sido publicada, os vetos aos dispositivos devem ser apreciados em sessão conjunta do Congresso Nacional, no prazo de 30 dias, sob pena de trancar a pauta de votação caso o prazo não seja atendido. E, ao fim, se os vetos forem derrubados pelo Congresso, necessariamente por maioria absoluta de senadores (41 votos) e deputados (257 votos), o texto será encaminhado à promulgação pelo presidente da República no prazo de 48 horas.

O tema é polêmico e existem duas ações sobre a matéria em tramitação no Supremo Tribunal Federal, uma movida pelo presidente Jair Bolsonaro e outra por governadores de onze estados e o Distrito Federal.

Em ato contínuo à publicação da Lei Complementar nº 194, o Colégio Nacional dos Procuradores Gerais dos Estados e do Distrito Federal (Conpeg), representando os governadores dos estados de Pernambuco, Maranhão, Paraíba, Bahia, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Sergipe, Rio Grande do Norte, Ceará e Distrito Federal, ajuizou um ação direta de inconstitucionalidade (ADI 7195) no Supremo Tribunal Federal requerendo a suspensão imediata de dispositivos da referida Lei Complementar que classificou combustíveis como bens essenciais e, portanto, não sujeitos à majoração do ICMS. 

Alegam os Estados que a Lei Complementar nº 194 fere o pacto federativo constitucional, além de violar a autonomia financeira dos entes subnacionais, impor ônus excessivo e desproporcional aos cofres estaduais e municipais pela automática redução das transferências constitucionais obrigatórias, e estimular maior consumo de combustíveis fósseis e extremamente poluentes, contrário aos objetivos ambientais.

A ADI foi encaminhado para a análise da relatora da Ministra Rosa Weber em 29 de junho, última quarta-feira.

Por outro lado, o presidente da República, Jair Bolsonaro, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 984), de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com o objetivo de limitar a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre combustíveis nos 26 estados e no Distrito Federal ao percentual previsto para as operações em geral.

A Advocacia-Geral da União (AGU), que representa o presidente nos autos, argumenta que o “alto custo gerado por alíquotas excessivas” sobre um bem essencial estaria penalizando o consumidor final e ocasionando um estado de coisas inconstitucional. Além disso, as operações com combustíveis deveriam ter tratamento semelhante ao dado aos serviços de fornecimento de energia elétrica e de telecomunicações, considerados pelo Supremo como essenciais, e não poderiam ser alvo de tributação superior à das operações gerais.

O Ministro Gilmar Mendes promoveu, na última terça-feira (28), uma audiência de conciliação na tentativa de celebrar acordo entre União, estados e Distrito Federal acerca da cobrança do Imposto sobre Circulação de Bens e Serviços (ICMS) dos combustíveis.


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No encontro, representantes estaduais apresentaram proposta na qual pedem que a alíquota do ICMS sobre o diesel seja calculada com base na média dos últimos 60 meses, que a cobrança do imposto sobre operações de fornecimento de combustíveis passe a ser maior do que o cobrado sobre as demais operações de bens e serviços a partir de 2024, e que os combustíveis não sejam considerados bens essenciais e, portanto, sujeitos a uma alíquota máxima de 17% e 18%.

A proposta dos representantes estaduais está em análise pela União, sendo certo que a Advocacia Geral da União solicitou o prazo de 30 dias para se posicionar sobre a matéria.

Verifica-se, portanto, a necessidade de maior diálogo entre o Governo e os Estados e Municípios para superação do impasse gerado acerca do tema com maior celeridade, priorizando o interesse da população, para a redução no valor dos combustíveis na bomba, impactando não só no menor gasto do consumidor com combustíveis, como também beneficiando caminhoneiros e transportadores. 

*Cristina Mancebo Camara é sócia da área Tributária da SiqueiraCastro.

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