Os programas de denúncias de lavagem de dinheiro

Programa possibilita relatos anônimos sobre a violação da legislação norte-americana de segredo bancário/Canva
Programa possibilita relatos anônimos sobre a violação da legislação norte-americana de segredo bancário/Canva
Conheça o modelo norte-americano e os mecanismos brasileiros de combate à corrupção.
Fecha de publicación: 01/06/2022

Programas de reportantes destinados ao relato de infrações vêm ganhando cada vez mais destaque na agenda internacional. Recentemente, a Lei de Sigilo Bancário dos Estados Unidos foi alterada para prever incentivos específicos para quem denuncia infrações envolvendo falhas em programas de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.

No Brasil, as imposições a certos setores econômicos no monitoramento e na comunicação de operações suspeitas de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo são corriqueiras. Elas se iniciaram em 1998, com foco no sistema financeiro, tendo expandido largamente seu espectro em 2012 e 2018, conforme recomendações internacionais.

A fiscalização sobre esse monitoramento atualmente é de competência de órgãos estatais de regulamentação, como o Bacen, conselhos profissionais e, residualmente o Coaf, que podem impor as sanções administrativas previstas no art. 12 da Lei 9.613/98. Em casos mais sensíveis, como o descumprimento de deveres legais de combate à lavagem de dinheiro, é possível a responsabilização criminal dos indivíduos que concorreram para tanto, nos termos do art. 1º, §2º, II da lei 9.613/98 c.c. art. 13, § 2º do Código Penal.


Leia também: Whistleblower: a importância de um olhar global na busca de melhores práticas


Na prática, esses órgãos atuam quando há indícios de que uma determinada empresa ou indivíduo falhou em seu dever de noticiar uma transação suspeita ou quando identificam que clientes se utilizaram de determinada empresa para ocultar ou dissimular bens de origem criminosa.

Com as recentes alterações no combate à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo dos Estados Unidos, antevê-se reflexos, a curto prazo, na formulação de medidas para a prevenção e o enfrentamento do delito mundialmente.

Inspirada no sucesso dos programas de reportante da Security Exchange Comission, as autoridades antilavagem de dinheiro norte-americanas implementaram um programa próprio de relato, que possibilita a realização de relatos anônimos sobre a violação da legislação norte-americana de segredo bancário, falhas em programas de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo ou na comunicação de operações suspeitas. Além da proteção aos reportantes contra retaliações, o relato lhes pode resultar em uma recompensa de até 30% dos valores recuperados.

Para receber o prêmio, o reportante não pode ser servidor de agências regulatórias, bancárias e policiais. Além disso, é possibilitado ao reportante ser representado por advogado.

No Brasil, não há normas que tratem de um programa específico de reportantes em matéria de lavagem de dinheiro ou financiamento do terrorismo. Contudo, o artigo 4º-A da Lei nº 13.608/2018, incluído pela Lei nº 13.964/2019, dispõe que qualquer pessoa tem o direito de relatar informações sobre crimes contra a administração pública, ilícitos administrativos ou quaisquer ações ou omissões lesivas ao interesse público.

Os sistemas de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo podem se enquadrar como atividades de interesse público, pois buscam coibir a ocultação, dissimulação e uso de ativos de origem criminosa, muitas vezes originados de delitos contra administração pública. Ainda, violações à legislação antilavagem representam infrações de natureza administrativa e criminal.

Assim, é coerente que eventual relato de infrações criminais ou administrativas envolvendo lavagem de dinheiro no Brasil seja coberto pela Lei nº 13.608/2018, garantindo ao reportante: o sigilo de dados, incluindo a preservação de sua  identidade; a extensão das medidas de proteção da Lei nº 9.807/1999 (Lei de Proteção às Testemunhas); a previsão de falta disciplinar grave e demissão a eventual retaliador; a isenção de responsabilização civil e criminal em relação ao relato e o ressarcimento pelos danos materiais e morais sofridos.

Outro direito conferido ao reportante é a recompensa de até 5% por cento do valor recuperado no contexto de crimes contra a administração pública. Aqui, cabe destacar que a acepção de “valor recuperado” parece remeter à natureza indenizatória, não abrangendo multas, como ocorre na legislação norte-americana.


Veja também: Compliance: Denunciar ou não denunciar, eis a questão


Muito embora a Lei nº 13.608/2018 tenha consagrado o direito de relatar a qualquer pessoa, sem apresentar ressalvas, é discutível que sejam elegíveis à recompensa membros de agências reguladoras e integrantes de conselhos profissionais quando no exercício de suas atividades.

Isso porque, nesse contexto eles exercem funções fiscalizatórias sobre os setores obrigados, estando em posição similar aos servidores públicos de órgãos que realizam medidas fiscalizatórias, investigativas ou repressivas, como auditores fiscais, policiais e promotores de justiça/procuradores da república.

Se esses profissionais fossem caracterizados como reportantes, nos termos da Lei nº 13.608/2018, teriam direito de usufruir das recompensas financeiras, levantando questionamentos em relação à proibição do recebimento de vantagem de qualquer espécie em razão do exercício de suas atribuições, disposta no artigo 117, inciso XII, da Lei nº 8.112/1990.

Ainda é cedo para saber se as autoridades brasileiras irão se inspirar no modelo norte-americano e desenhar um programa de reportantes próprio em matéria de lavagem de dinheiro. Contudo, é fato que no Brasil já há mecanismos legais de incentivo ao relato, aptos a favorecer a detecção e o desmantelamento de infrações à legislação antilavagem de dinheiro.

*Filipe Lovato Batich e Rhasmye El Rafih são advogados associados da prática White Collar & Compliance do Madrona Advogados.

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.