Provas digitais e uso da geolocalização na Justiça do Trabalho

Empresas de transporte de carga podem usar a geolocalização para controlar a jornada efetivamente trabalhada do motorista, por exemplo/Canva
Empresas de transporte de carga podem usar a geolocalização para controlar a jornada efetivamente trabalhada do motorista, por exemplo/Canva
Ferramentas podem ser utilizadas como evidência, mas enfrentam obstáculos jurídicos.
Fecha de publicación: 16/11/2021

Vivemos em um mundo que se encontra em constante evolução. A sociedade tem se modificado e se tornado cada vez mais complexa e, assim, o Direito não poderia deixar de acompanhar a evolução das relações sociais.

A Justiça do Trabalho pode ser considerada aquela que mais acompanha as tecnologias atualmente. De forma pioneira, inovou o direito brasileiro com a introdução quase integral de processos eletrônicos por todo o país.

Da mesma forma, a Justiça inovou quanto à utilização de provas digitais, passando a aceitar e-mails, fotos, vídeos, áudios, capturas de tela ou “prints” de redes sociais como prova ou contraprova diante de determinada alegação. O uso desse tipo de prova se dá por ambas as partes protagonistas do processo, podendo se referir à prova quanto à jornada de trabalho, justa causa, condições do local de trabalho, desvio de função, entre outras diversas matérias.


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O mundo modernizado de hoje permite que qualquer pessoa tenha acesso a um telefone celular, o qual é capaz de produzir provas significativas dentro do processo trabalhista, inclusive, utilizando uma ferramenta que já tem mostrado sua importância em alguns processos dessa natureza: a geolocalização. Este recurso identifica a localização geográfica, utilizada pela maioria dos aplicativos, de um objeto ou pessoa. Nos aplicativos de GPS, é possível encontrar o histórico de localização do aparelho de forma detalhada, sendo possível a verificação, com precisão de segundos, do exato local em que a pessoa se encontrava em determinada data.

Um exemplo corriqueiro são as empresas de transporte de cargas que utilizam o sistema de geolocalização para rastreamento da carga e do caminhão, como forma de monitorar em tempo real a rota traçada e a entrega da carga, sendo possível, ainda, controlar a jornada efetivamente trabalhada do motorista.

Desta forma, este recurso se faz presente também nos processos trabalhistas, não somente no caso de contraprova da empresa transportadora, no que se refere à jornada do motorista, mas também por meio de ofício às operadoras de celulares para detalharem a localização do colaborador, por exemplo.

Na hipótese de um trabalhador pleiteando por horas extras e alegando jornada excessiva, o juiz poderá oficiar, às operadoras de celulares, o envio de dados da geolocalização exata do aparelho celular, sendo possível comprovar efetivamente sua localização em determinado dia e horário. Evidentemente, a utilização da geolocalização nos casos de horas extras não se faz possível nos casos de home office, uma vez que a residência do empregado passou a ser o seu local de trabalho.

A Justiça do Trabalho tem realizado a capacitação dos servidores e magistrados quanto à utilização de provas digitais na instrução processual, o que permite a aproximação da atuação processual à realidade da era digital, consagrando princípio essencial nas ações do trabalho, qual seja, o da primazia da realidade. Logo, a utilização de registros de bancos de dados poderá auxiliar na comprovação de fatos controvertidos dentro de processos trabalhistas.

No entanto, o uso de tal ferramenta como prova ainda encontra alguns obstáculos jurídicos, razão pela qual é pouco utilizada. Questões sobre violação da privacidade e da intimidade do empregado são levantadas em oposição à utilização desta prova pela empresa.

Para evitar-se violação da privacidade e da intimidade do colaborador, bem como de eventual quebra de sigilo de dados, é recomendável que o processo trabalhista tramite em segredo de justiça, o que permite apenas que as partes, procuradores e a autoridade competente tenham acesso aos dados disponibilizados.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) dispõe sobre a proteção de dados pessoais, evitando eventuais vazamentos. No entanto, a obtenção de dados por determinação judicial não se enquadra como vazamento de dados, não configurando nenhuma ofensa à nova Lei.

Além disso, o artigo 370 do Código de Processo Civil determina que “caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito”. Assim, não haveria qualquer objeção na solicitação por ofício do juiz ou a requerimento da Reclamada quanto aos registros da geolocalização do empregado.


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Nota-se que o princípio da oralidade na Justiça do Trabalho possui papel fundamental no processo trabalhista, em especial quanto à prevalência da prova oral, seja pelo depoimento das partes ou pelo depoimento de testemunhas nos casos de matérias fáticas.

Entretanto, a prova testemunhal, mesmo que realizada na presença do magistrado, muitas vezes se apresenta falha por motivos de amizade íntima ao obreiro ou interesse na causa e, assim, a solução é a utilização das provas digitais, as quais, de forma gradual, estão se tornando cada vez mais relevantes ao processo.

Dessa forma, o uso de provas digitais não ofende, nem mesmo viola o direito fundamental da privacidade. Pelo contrário, sua utilização é de extrema importância na comprovação de matérias fáticas dentro do processo trabalhista. Portanto, a possibilidade de apresentação destas evidências no processo pelas partes ou de ofício dos magistrados representa verdadeira evolução processual e possibilidade real pela busca da verdade.

*Bárbara Guimarães De Martin é advogada trabalhista no Granito, Boneli e Andery Advogados (GBA Advogados Associados).

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