As sementes tecnológicas no setor jurídico

A semente 'blockchain' não tem muito potencial para transformar o setor jurídico / Pixabay
A semente 'blockchain' não tem muito potencial para transformar o setor jurídico / Pixabay
De alguma ou de outra forma, todas as tecnologias ganharam seu lugar na profissão jurídica.
Fecha de publicación: 14/06/2021
Etiquetas: Gestão LexLatin

Apesar da resistência que já é estereotipada do setor jurídico, são várias as tecnologias que conseguiram entrar e transformar a profissão. Desde a internet até a inteligência artificial, os advogados têm visto a indústria se adaptar (na realidade, reagir) aos novos contextos facilitados pela era digital.

A internet nos aproxima do conhecimento jurídico e nos permite chegar a novos clientes localizados em lugares que a distância não permitiria alcançar. A inteligência artificial coloca à nossa disposição máquinas revisoras de contratos e até bots que dão consultoria jurídica. A nuvem nos permite colaborar em tempo real apesar da distância, aumentando a disponibilidade de recursos que antes eram centralizados em um só lugar.


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De alguma ou de outra forma, todas as tecnologias ganharam seu lugar na profissão jurídica. Umas com mais fertilidade que outras. Isto devido ao fato que as tecnologias, como as sementes de um agricultor, são sensíveis ao terreno onde serão semeadas. Vejamos alguns exemplos.

No setor de seguros, a internet das coisas (IoT) tem demonstrado muitíssimo potencial. A forma de assegurar uma pessoa passou da previsão para a observação. As empresas insurtech podem agora medir o que fazemos, como fazemos, em que lugar e em que velocidade. Se manejamos pouco, pagamos menos; se manejamos mal, pagamos mais.

O setor tech encontrou na nuvem um claro fator de inovação. As companhias que dependiam de uma licença instalada em um dispositivo particular migraram para modelos onde podiam usar essa licença em qualquer momento e em qualquer lugar. O suporte técnico deixou de ser presencial. Agora podemos acessar nossos arquivos a partir de qualquer localização.

No setor financeiro, o blockchain não tem e não teve um competidor igual. Os empréstimos e os serviços financeiros deixaram de ser exclusivos da banca tradicional. O dinheiro se tornou digital. As moedas deixaram de ser um produto nacional e as casas de câmbio deixaram de requerer uma filial.

É válido então nos perguntar quais sementes tecnológicas têm mais fertilidade jurídica e quais sementes não têm nenhum tipo de potencial.

Sem dúvida, a inteligência artificial é o claro ganhador. Sendo a profissão jurídica uma indústria profundamente analítica e dominada por quantidades massivas de informação, a inteligência artificial se apresenta como uma tecnologia nativamente desenhada para deixar mais fácil e mais econômica nossa profissão.

De acordo com a Lawtech Adoption Research, elaborada pela The Law Society em fevereiro de 2019, a inteligência artificial e o aprendizado automatizado (AI/ML) têm, em média, uma adoção e uma penetração alta nos setores B2B, B2C e in-house. Estas tecnologias permitiram criar e implantar soluções de analítica judicial, revisão contratual, previsão de resultados, qualificação documental, DIY (do it yourself) e muitas outras mais. As startups, os escritórios e os provedores alternativos de serviços legais viram imediatamente seu potencial.


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O blockchain é outra história. Neste mesmo relatório, a The Law Society detectou baixa penetração e adoção da tecnologia nos setores B2B, B2C e in-house. De todas as tecnologias (robótica, aprendizagem automatizada, processadores de linguagem natural, soluções na nuvem, etc), o blockchain teve a pior penetração.

É preciso dizer: a semente blockchain não tem muito potencial para transformar o setor jurídico; ao menos não no seu estado atual. Isto poderia surpreender a muitos advogados; especialmente todos aqueles que acreditam que os smart contracts, ou contratos inteligentes, têm espaço na nossa profissão só por ter a palavra “contrato” na sua denominação. Se surpreenderão, talvez porque nunca tenham visto um smart contract na realidade. Para o leitor curioso, aqui é possível consultar um smart contract funcionando em tempo real. É um contrato sem cláusulas, sem linguagem natural. Código, código, código.

Em outras palavras, se querem vender o desenvolvimento, a auditoria ou a implementação de um smart contract a um advogado, cuidado! Isso não é algo que eles querem comprar a um profissional jurídico. Para isso, devem buscar um programador.

Desde a minha perspectiva, a razão principal da baixa penetração do blockchain na indústria jurídica é que não é possível combater fogo com fogo. Os contratos inteligentes buscam cumprir uma função particular: executar de forma automática (e descentralizada) tantas funções e tarefas possíveis, com o objetivo de reduzir os custos de transação de uma determinada operação. Lendo de outra forma, a função dos contratos inteligentes é eliminar os advogados da equação.

Há, claro, algumas exceções. O blockchain tem muito potencial para transformar (ou desaparecer?) a função judicial, notarial e registral. É aí onde o blockchain terá um impacto sem comparação. Projetos como Kleros e Aragon Court estão buscando a forma de democratizar a Justiça utilizando blockchain e sistemas descentralizados de votação. Os registros públicos da propriedade passaram a ser administrados de forma descentralizada, eliminando os riscos inerentes aos erros humanos e a corrupção. Os notários deixarão de ser os donos da verdade e perderão o monopólio que durante tanto tempo buscaram proteger. Agora, a verdade será levada de forma descentralizada, com carimbos de tempo e assinatura digital.

Mas no setor B2B, B2C e in-house, a realidade é que o blockchain se manterá com uma baixa penetração. Naturalmente, surgirão soluções legaltech que integram o blockchain como parte da sua proposta de valor. A esses projetos devem ser perguntados: é indispensável usar o blockchain para adicionar valor? Se a resposta for sim, então surgirá um projeto legaltech digno de uma boa discussão. Se a resposta for não, teremos identificado um projeto legaltech que só viu no blockchain uma oportunidade de branding que não quis deixar passar.


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É claro que a tecnologia trouxe consigo um mar de oportunidades para quem presta consultoria jurídica. Nossos sistemas jurídicos não estavam prontos para suportar ou justificar uma mudança de paradigma tão radical como a descentralização. A entrada no cenário do blockchain e dos criptoativos, trouxe novos desafios em termos de propriedade digital, privacidade e proteção de dados, comércio eletrônico, identidade digital, tributação internacional e responsabilidade.

*Isaac López é fundador e CEO da Legitt e co-fundador da ALIL - Alianza Latinoamericana para la Innovación Legal. (@isaaclegaltech)

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