"Conhecido por ser um país onde investidores sofrem em razão da insegurança jurídica, ao criar uma regulação sobre os criptoativos, o Brasil avança para se tornar mais atrativo para investimentos no setor". É assim que Mirella Andreola, sócia do Machado Associados, avalia a entrada em vigor, no mês passado, do Marco Legal dos Criptoativos (Lei 14.478/22).
“Apesar de ainda estarem pendentes pontos da regulação, a existência do marco legal dos criptoativos é um significante avanço, que demonstra que o legislador brasileiro está atento às novas tecnologias e busca regular o mercado de forma segura, sem interferir de forma demasiada e sem limitar o avanço das tecnologias”, avalia Andreola.
Sancionada em dezembro de 2022, a nova legislação não se debruçou sobre a definição do que são criptoativos ou seu uso, mas na regulação das prestadoras de serviço de ativos virtuais e na edição de tipos penais específicos para crimes nesses meios.
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Desde o mês passado, irregularidades envolvendo criptoativos estão incluídas no artigo 171 do Código Penal, que trata do crime de estelionato. A pena é de quatro a oito anos de reclusão, além de multa. Essa medida é importante para evitar golpes, como no caso do ex-jogador do Palmeiras, Gustavo Scarpa, que teve prejuízo milionário ao investir em uma empresa que dizia operar com esse tipo de ativo.
Com o marco, as empresas deverão obter licença de operação perante o Banco Central para oferta de ativos digitais e prestação de serviços de intermediação no Brasil. O Decreto nº 11.563/2023 estabeleceu que é de competência do BC regular a prestação de serviços de ativos virtuais, inclusive o funcionamento e supervisão das prestadoras, como as exchanges, ou casas de negociação de criptomoedas, locais em que é efetivada a troca de moeda fiduciária para criptoativos.
Contudo, permanece sendo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a competência para regular os criptoativos que sejam qualificados como ativos mobiliários.
“Essa divisão de competências busca garantir uma atuação coordenada e abrangente, considerando as particularidades tanto dos ativos virtuais em geral quanto dos ativos virtuais que representem valores mobiliários, com vistas à criação de um arcabouço regulatório nacional que promova a segurança jurídica, a integridade do mercado e a proteção dos investidores no âmbito dos criptoativos”, explica a advogada Yuri Nabeshima, head de Inovação do VBD Advogados.
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Próximos passos
Ainda é necessário que o Banco Central elabore regras específicas, como os requisitos necessários à licença de operação que será exigida. Rodrigo Caldas de Carvalho Borges, sócio do Carvalho Borges Araujo, vê com otimismo esse ponto, pois “as regras tendem a ser editadas e modificadas de forma mais célere do que um processo legislativo, possibilitando discussões mais técnicas entre o mercado e o Banco Central”.
Além disso, ele lembra que nos últimos anos o Banco Central foi um dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento das fintechs no país, em decorrência das regulações editadas que promoveram um aumento da competitividade e liberdade ao desenvolvimento de novos modelos de negócio.
Por isso, o advogado espera que o Banco Central, por meio da regulação específica da matéria, também ajude no desenvolvimento do mercado. ”Pela experiência em outros mercados e posicionamentos recentes do Banco Central, espera-se por regras que permitam o desenvolvimento do mercado, com a edição de regras e diretrizes que protejam os investidores”.
Yuri Nabeshima alerta, no entanto, que “é necessário ter cautela ao regular essas matérias, de maneira a não restringir ou limitar a inovação do segmento, bem como as inúmeras oportunidades de negócio dali decorrentes”.
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Diferentes abordagens
De acordo com os especialistas, o Brasil escolheu uma abordagem mais principiológica e moderada, com chamamento dos atores de mercado ao diálogo e à autorregulação, buscando entender e estudar o setor antes de implementar regulamentações específicas e impor sanções rigorosas imediatas em caso de descumprimento.
Na União Europeia, a Lei de Mercados de Criptoativos (MiCA), que entrará em vigor em 30 de dezembro de 2024, possui um ímpeto regulatório mais abrangente e detalhado com relação aos criptoativos.
Já os Estados Unidos ainda não avançaram no processo legislativo da matéria. Os reguladores, como a SEC (U.S. Securities and Exchange Commision), vêm atuando por enforcement, criando regras por meio de determinações legais, gerando ambiente de incerteza para os atores de mercado.
Portanto, afirma Rodrigo Caldas de Carvalho Borges, “dentre as grandes economias do mundo, o Brasil está na vanguarda na criação de um ambiente regulatório claro e amigável ao setor”.
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