Clubes brasileiros entram na rota dos grandes negócios do futebol mundial

Compra da SAF do Bahia por grupo que controla o Manchester City marca a chegada ao Brasil dos grandes players mundiais que investem em esportes./Felipe Oliveira / EC Bahia
Compra da SAF do Bahia por grupo que controla o Manchester City marca a chegada ao Brasil dos grandes players mundiais que investem em esportes./Felipe Oliveira / EC Bahia
Dos 17 clubes que já foram campeões brasileiros, Cruzeiro, Botafogo e Vasco da Gama já tiveram o controle de suas SAFs vendido para investidores.
Fecha de publicación: 22/11/2022

Se como único país que esteve em todas as Copas do Mundo da Fifa, das quais ganhou cinco, o Brasil já era visto como um “El Dorado” do futebol no campo esportivo, na área dos negócios a imagem era outra. Desde que foi aprovada a Lei das Sociedades Anônimas do Futebol (SAF), no ano passado, no entanto, a situação mudou. De lá pra cá, dos 17 clubes que já foram campeões brasileiros, Cruzeiro, Botafogo e Vasco da Gama já tiveram o controle de suas SAFs vendido para investidores, e o Bahia está prestes a fechar com o Grupo City, que opera a partir de uma estratégia de multi-clubes, sendo o Manchester City, da Inglaterra, o mais importante.

 

O economista Cesar Grafietti, consultor de gestão e finanças do esporte e sócio da consultoria Convocados, alerta, contudo, que “a decisão de transformar em SAF deve ser tomada de forma muito consciente: “Nós veremos no Brasil casos de clubes que não vão se transformar só porque viraram empresa. Não é só o dinheiro. É isso mais a inteligência e a tecnologia de gestão. Por isso, quando olho esses quatro casos, o mais vencedor é o do Bahia, que foi buscar justamente o grupo que tem certamente a maior tecnologia para formação de multi-clubes, para aplicar tecnologias relacionadas a formação de elenco e estruturação do negócio. Então, talvez seja aquele que tenha a maior chance de dar certo.”

O Bahia tem mais de 19 mil sócios habilitados a participarem das assembleias que, em 3 de dezembro, decidirão pela aprovação da transformação do futebol do clube em SAF e da venda de 90 % da SAF para o Grupo City por 800 milhões de reais em investimentos obrigatórios, durante 15 anos. Serão 300 milhões destinados ao pagamento de dívidas e 500 milhões à compra de jogadores. O Grupo City também promete investir mais 200 milhões em infraestrutura e categorias de base, entre outros itens. Por contrato, a SAF será obrigada a manter a folha salarial no que for maior entre 120 milhões por ano ou 60% da receita bruta que auferir, excetuando transferências de jogadores.


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Grupo City pode atrair mais investidores

Sócio da consultoria Win the Game, recém-criada em parceria com o Banco BTG Pactual para atuar no segmento de esporte e entretenimento da América Latina, Claudio Pracownik explica que a operação do Bahia será a mais relevante, não pelos valores envolvidos, mas “pelo comprador, pelo smart money”: “Em termos de visibilidade pro exterior, ela é bem importante, porque o City aqui demonstra para os demais investidores que essa é uma estratégia viável e interessante”.

A SAF é um tipo específico de empresa criado pela Lei 14.193/2001 para facilitar a transformação dos clubes de futebol tradicionalmente mantidos pelos seus associados para um modelo de clube-empresa. Isso inclui novas regras de governança e controle, além de meios de financiamento próprios para a atividade do futebol. Pracownik lembra que é comum se dizer no Brasil que há leis que “pegam” e leis que “não pegam”, e conta uma história para ilustrar como essa lei “pegou” rapidamente. Ele era vice-presidente de Finanças do Flamengo, em 2018, quando licitou um estacionamento do clube e foi ameaçado de morte sob a alegação de que ele tinha vindo do mercado financeiro para vender o clube. “E agora, nas operações de Vasco, Cruzeiro e Botafogo, todas tiveram protesto das torcidas organizadas, diante dos conselheiros, pedindo ‘vendam meu clube’. Isso é muito significativo porque atende a um clamor social.”

Outro incentivo ao novo formato de clube-empresa previsto na lei é que, enquanto uma associação não podia receber investimentos para ser valorizada e, em um processo de realização de lucros, vendida, a SAF é um ativo do qual um investidor pode dispor como bem desejar, seja para revenda, seja para recebimento de dividendos, por exemplo. Além disso, o que tem se tornado comum na formação de grupos que passaram a controlar vários clubes, os chamados multi-clubes, é a integração desse ativo a uma cadeia de negócios de outros setores, que se beneficiam de uma população de torcedores com interesses em comum.

Futebol, M&As e IPOs

Trata-se de um processo de consolidação como se pode observar em qualquer outro setor da economia, capitaneado, globalmente, por fundos de investimento e outros grandes investidores. A estratégia de multi-clubes, comum nos EUA, pode incluir organizações de outros esportes, como faz o Fenway Sports Group (FSG), que é dono do Boston Red Sox, da Major League Baseball e do Liverpool, da Inglaterra. Notícia recente da Bloomberg dá conta inclusive que o Liverpool, comprado por 300 milhões de libras em 2010, estaria à venda por um valor que poderia chegar a 5 bilhões de libras.

Casos como esse, similares a operações de fusões e aquisições (M&A) de qualquer outro setor, em que os investidores buscam ganhos de escala, valorizam o ativo e vendem sua participação, são cada vez mais comuns no mundo do futebol. Há também casos de aberturas de capital (IPO), sendo o mais conhecido o do Manchester United, da Inglaterra. No Brasil, antes da Lei das SAF também não era comum a formação de clube-empresa porque a concorrência com as associações civis que mantêm os clubes no formato tradicional é desigual do ponto de vista tributário, principalmente. Como associações civis são isentas de vários impostos, a Lei criou para a SAF um tributo unificado de 5%, nos primeiros cinco anos, sobre as receitas totais, exceto transferências de atletas. A partir daí, o imposto cai para 4%, mas incide sobre todas as receitas.

A maior parte dos demais clubes do grupo que possui títulos de campeão brasileiro já começou a debater a criação de suas SAF. Ainda não há exemplos de sucesso, mesmo porque é preciso definir o que é o êxito do investimento em um clube de futebol. A questão é o modelo de negócios. Clubes com finanças melhor estruturadas, como Flamengo, Palmeiras e Athletico-PR, não têm urgência de investimentos externos e podem vir a desenvolver um modelo de SAF em que os clubes sejam investidores majoritários.

Grafietti aponta, por exemplo, o modelo da Red Bull como de “marketing puro” e o do Grupo City como um que mudou da busca por mais influência política por meio do futebol, o chamado sport washing, para outro que busca negócios efetivamente rentáveis. Para Pracownik, porém, todos estão mesmo é em busca de ganhar dinheiro. “Existem modelos em que fica mais difícil entender de onde o investidor ganha o dinheiro. É aquela história de que o cinema não ganha dinheiro com a exibição do filme, mas com a venda da pipoca. Tem investidores que fazem isso para ter status? Sim, para ter status, acesso a stakeholders importantes, para fazer negócios com essas pessoas e ganhar dinheiro.”


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Duas ligas e uma proposta de 25 bilhões de reais

Além dos negócios que envolvem os clubes, o futebol brasileiro se movimenta pela proposta de criação de uma liga para administrar o campeonato nacional. Por incapacidade financeira da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), os clubes brasileiros organizaram o Campeonato Brasileiro em 1987 e 2000, mas a CBF sempre se posicionou contra a criação de ligas de clubes.

No ano passado, após o afastamento do presidente da CBF, Rogério Caboclo, sob acusações de assédio sexual, os clubes voltaram a se organizar para criar uma liga própria que administre o campeonato. Só que esse movimento resultou em dois grupos: o da Liga Forte Futebol Brasil (LFF), ou “Forte”, que preza mais a competitividade, nos moldes da Premier League da Inglaterra, e a Liga do Futebol Brasileiro (Libra), que concentra mais receitas em uma elite de clubes, como a La Liga, da Espanha. 

Claudio Pracownik vê a liga como “inevitável” no processo de profissionalização do futebol brasileiro. O relatório “Revisão Anual das Finanças do Futebol 2022”, recém-publicado pela consultoria Deloitte, destaca a liga brasileira entre as que têm despertado interesse de grandes fundos de private equity. “O Brasil tem um papel muito importante no que vai acontecer nos próximos 5 a 10 anos”, destaca Simon Howard, sócio da Deloitte especializado em investimentos no futebol.

De fato, no início de novembro, o fundo Mubala Capital, dos Emirados Árabes, ofereceu 5 bilhões de reais por 20% da Libra, o que significa um valuation total de 25 bilhões. A proposta só vale, no entanto, se for aceita por todos os clubes que disputam o campeonato brasileiro. Pela proposta de um grupo ou de outro, todos vão ganhar mais. Então, é só uma questão de repartir o bolo.

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