A importância de ser chamado de iPhone: a disputa entre Apple e Gradiente

A resposta do Tribunal terá impacto em casos semelhantes a este no futuro e a sua decisão criará um precedente sobre o assunto que deve ser seguido pelos tribunais inferiores / Brandon Romanchuk - Unsplash
A resposta do Tribunal terá impacto em casos semelhantes a este no futuro e a sua decisão criará um precedente sobre o assunto que deve ser seguido pelos tribunais inferiores / Brandon Romanchuk - Unsplash
No julgamento em que se enfrentam Gradiente e Apple, o saldo poderá ser a favor da empresa norte-americana: 3 votos a 2 deram razão à Apple no Plenário Supremo Virtual, antes de irem para o TSF.
Fecha de publicación: 02/11/2023

Uma marca é tão importante quanto os nomes próprios de uma pessoa que tem cuidado com sua individualidade. Uma marca pode dizer tudo e nos vender uma ideia gravada no coletivo com um logotipo ou uma frase, pode atrair um novo público e, acima de tudo, gerar lucros para uma empresa por ser seu ativo intangível mais importante, mas o que acontece quando uma marca universalmente reconhecida deve lutar contra uma marca local que foi registrada antes dela? Ou melhor, quão profundas são as águas em que deve nadar uma marca local que foi devidamente registada pouco antes de outra marca alcançar fama mundial e contestar o seu registo em território nacional?

Isso é o que está descobrindo a marca brasileira Gradiente, que disputa o direito de uso de sua marca registrada no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi) em 2000, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), que desde a semana passada acolhe um julgamento que determinará se será parcialmente anulada a marca G Gradiente iPhone, que protege o uso exclusivo do iPhone pela Gradiente, a favor da Apple, apesar de a empresa nacional ter solicitado o registo sete anos antes de a Apple lançar no mercado a sua conceituada marca de celular.

Qual é o pomo da discórdia? Pois bem, embora a Gradiente tenha solicitado o registro anos antes do surgimento do Apple iPhone, o Inpi concedeu a marca logo após a marca americana se tornar conhecida mundialmente.

Até poucos dias atrás, infelizmente para a Gradiente, a balança pendia a favor da Apple, com 3 votos a 2, o que significaria, se o litígio fosse concluído desta forma, que a Gradiente perderia o direito de usar exclusivamente a palavra iPhone nos seus produtos, entendendo que, para proteger o consumidor que associa esta marca à Apple, é necessário chegar a um ponto médio que não prejudique nenhuma das empresas.


Leia também: A oposição da Apple Inc ao registro de nomes de frutas


O mais recente: O processo é retomado

Por hora, a batalha dessas marcas se centra em duas realidades tão válidas quanto opostas: primeira, a Gradiente solicitou o registo da marca anos antes do surgimento do Apple iPhone e não se responsabiliza pelos atrasos ocorridos na concessão, e que deram o registro oito anos após solicitá-lo; segunda, que produtos que começam com “i”, como iPod, iWatch e iMac, são sinônimos da Apple. Este é o dilema que os magistrados devem resolver.

O atraso na aprovação da marca Gradiente pelo Inpi foi atribuído principalmente aos processos internos envolvidos na análise da marca. Em especial, pela oposição de terceiros ao pedido de registro de marca da Gradiente, analisado pelo Inpi em 2002 e interrompido em 2005 e 2007 devido a existência de duas disposições potencialmente conflitantes de marcas existentes que poderiam dificultar a aprovação.

No dia 23 de outubro, de seis juízes do Plenário Supremo Virtual, cinco votaram a favor da Apple, dois votaram a favor da Gradiente e um se absteve em uma disputa que começou quando a Gradiente lançou seu smartphone no Brasil em 2012 e teve que enfrentar em 2013 a primeira tentativa de invalidação da Apple, que tentou usar a marca com exclusividade no Brasil ou pelo menos que esta não fosse usada isoladamente aqui; na época, argumentaram que o cadastro da Gradiente não abrangia a palavra isoladamente. Diante disso, o Inpi determinou que a Apple não detinha direitos exclusivos desta marca no Brasil.

Dado que o Plenário Supremo Virtual não conseguiu determinar qual das duas empresas tem razão, o TSF (que recebeu o processo depois de o julgamento ter sido transferido para o plenário físico do TSF) deve decidir agora, embora tenha sido uma decisão complicada, já que falta unanimidade no veredito: embora a maioria dos juízes tenha votado a favor da Apple, José Antonio Dias Toffoli apoia a Gradiente, que diz que o direito à marca deve permanecer nas mãos de quem a solicitou primeiro , embora tenha havido atrasos na concessão do registo. Do lado oposto, os demais juízes defendem que o direito à marca deve ser concedido a quem domina o mercado com ela e que dificultar o seu uso não beneficia ninguém.


Relacionado: Case Apple vs Gradiente: direito de anterioridade da marca “Iphone”


A visão pericial e a interpretação da lei

Diante disso, especialistas em marcas e propriedade intelectual como Pedro Tinoco, sócio do Almeida Advogados, afirmam que uma abordagem justa para esse assunto passaria pela busca da Apple pelo reconhecimento de sua marca como notória (ou mesmo pela obtenção de uma marca reconhecida) devido ao extenso portfólio de marcas da Apple, composto pelo prefixo “i”, associado aos termos do seu segmento tecnológico e ao consequente impacto de seus produtos e serviços na sociedade brasileira.

Para chegar a este ponto, explica Emerson Soares Mendes, consultor jurídico sênior do Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados, é necessário analisar a Lei Federal Brasileira 9.279/1996, que indica que a proteção de uma marca é garantida pelo seu registro, mas que há proteção jurídica a partir da data de apresentação da petição ao Inpi. O advogado destaca ainda que a Gradiente possui o registro da marca G Gradiente iPhone mas parece que nunca utilizou esta marca e nunca criou um celular utilizando esta marca, “o que pode causar a perda dos direitos de exclusividade da Gradiente sobre a marca, conforme previsto no artigo 143 da Lei”, a isso se acrescenta um fato fundamental: “A Apple criou o iPhone, que se tornou marca notória, e marca notória tem proteção especial independentemente de seu registro anterior perante o Inpi, conforme artigo 126 da Lei Federal Brasileira 9.279/1996.”

Tendo isto em conta, continua Soares Mendes, “não é justo não permitir que a Apple utilize a marca iPhone só porque a Gradiente tem o direito exclusivo de utilizar a marca G Gradiente iPhone, que não foi utilizada pela Gradiente, que não fez qualquer investimento financeiro ou tecnológico”, especialmente porque essa oposição pode ser considerada uma forma ilegal de restringir a concorrência.

Questionado se o fato de o TRF-2 ter dito que o tamanho da marca iPhone não poderia ser ignorado quando o Inpi concedeu a marca à Gradiente não está relativizando o direito fundamental à marca e o direito exclusivo à propriedade industrial da Gradiente, o advogado do  Nogueira de Lima Gasparini lembrou que o direito de exclusividade sobre uma marca não é absoluto, “o que significa que existem exceções que limitam o direito de exclusividade”, como a proteção concedida pelo artigo da Lei Federal às marcas notoriamente conhecidas, independentemente de registro prévio no Inpi.


Leia também: Livrarias fecham com aumento nas vendas de livros online


A esse respeito, Pedro Tinoco lembra que a decisão do TRF-2 sobre o caso visa garantir o exercício da função social da marca, “já que é inegável que, em 2008, o impacto social da marca iPhone no Brasil (e em todo o mundo) era enorme, e não seria possível deferir o pedido de registro da Gradiente sem considerar as repercussões de tal ato jurídico na sociedade brasileira", o que significa que, seguindo esse raciocínio, "para garantir o pleno cumprimento da função social da marca, seria será possível relativizar os direitos da Gradiente de constituir um uso exclusivo do termo iPhone."

Nesse sentido, também seriam contemplados os princípios da livre concorrência e do uso leal da marca, na medida em que a relativização do sistema de constituição de direitos de marca no Brasil (primeiro a depositar) garantiria ao terceiro “usuário de boa-fé de uma marca” (neste caso, a Apple) a possibilidade de explorar o termo iPhone “sem que tal conduta seja reconhecida como violação de marca”, enfatiza Tinoco.

Enquanto a disputa não for resolvida, uma coisa é certa: a resposta do Tribunal terá impacto em casos semelhantes a este no futuro e a sua decisão criará um precedente sobre o assunto "que deve ser seguido pelos tribunais inferiores e, eventualmente, pode criar uma nova exceção à regra do primeiro a registrar”, diz Tinoco.

Soares Mendes concorda: “considerando que a decisão será proferida pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, certamente esta decisão influenciará todos os demais tribunais brasileiros, principalmente se esta decisão for considerada de repercussão geral, quando a decisão deve ser seguida por todos os tribunais brasileiros. Até o momento, o Supremo reconheceu a existência de repercussão geral (Tópico 1.205), mas o juiz Barroso votou a favor do não reconhecimento da existência de repercussão geral.”

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.