Livrarias fecham com aumento nas vendas de livros online

Essa crise do varejo não é estranha às livrarias, que tiveram que enfrentar a mudança nos modelos de compra e a entrada em cena de um catálogo mais amplo de livros digitais e audiolivros de menor preço./Canva
Essa crise do varejo não é estranha às livrarias, que tiveram que enfrentar a mudança nos modelos de compra e a entrada em cena de um catálogo mais amplo de livros digitais e audiolivros de menor preço./Canva
A declaração de falência neste mês da rede de livrarias Saraiva faz pensar se as livrarias morrerão num futuro próximo.
Fecha de publicación: 26/10/2023

Talvez seja algo que o público sabe intuitivamente, pelo menos o público que gosta de ler, mas tornou-se óbvio nos últimos anos que a indústria editorial está em crise. Além da intuição, isso também foi expresso por especialistas como Marifé Boix García, vice-presidenta da Frankfurter Buchmesse (a feira editorial mais importante do mundo), que disse durante a CONTEC México 2023 (reunião realizada pela fundação alemã na América Latina) que a indústria editorial latino-americana “não vive seu melhor momento”, pois, paralelamente ao fechamento das livrarias físicas, o mercado de livros digitais cresceu exponencialmente, criando um contexto em que se propôs levar a operação editorial para o que é digital para tornar o mundo editorial mais sustentável, portanto, para ela deve haver um “repensar do espaço em que trabalhamos até a produção de livros”, como, por exemplo, a impressão sob demanda.

 

Boix García também destacou que os anos de pandemia tiveram um impacto negativo na indústria editorial, e os números provam que ela tem razão: De acordo com o Relatório Bookwire 2023 Evolução do mercado digital (e-books e audiolivros) na Espanha e na América Latina, “a venda e leitura de e-books continuou a crescer dois anos depois da explosão ocorrida em 2020 devido à mudança de costumes forçada pelo confinamento. (...) Portanto, o mercado abrandou um pouco o seu crescimento, estimado em 15% em 2021 face a 2020, mas continuou a expandir-se e a conquistar novos leitores.”

 

No Brasil, especificamente, o relatório Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro garante que o crescimento nominal do setor editorial brasileiro, durante 2022, reflete a economia nacional, “e ainda depende de o Brasil superar os obstáculos econômicos e sociais que permitem a expansão do hábito de ler”. A pesquisa apurou ainda que as livrarias exclusivamente digitais foram o canal com maior participação nas receitas das editoras no ano passado, com um crescimento nominal de 35%, "impulsionado pelo aumento de 69% nas receitas das Bibliotecas Virtuais e pela inserção do subsetor didático através a categoria Plataformas Educacionais”.


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Assim, alertam os números, anunciam os especialistas e circunstâncias como a declaração de falência neste mês da rede de livrarias Saraiva (solicitada pela própria empresa, em pleno processo de recuperação judicial desde 2018 de uma dívida de 675 milhões de reais) faz pensar se as livrarias morrerão num futuro próximo.

 

Enquanto chega a resposta a essa questão quase apocalíptica, o Brasil soma processos judiciais como o da 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial da Capital do Estado de São Paulo, que declarou a falência da Saraiva por descumprimento do plano de recuperação judicial e a reabertura (em junho e pela segunda vez em 2023) da Livraria Cultural do Conjunto Nacional (São Paulo), após uma série de decisões judiciais relacionadas à sua declaração de falência pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

 

Tanto a Cultura quanto a Saraiva têm buscado renegociar suas dívidas com fornecedores e serem resgatadas por um terceiro, por meio de concurso. Por exemplo, a Cultura recebeu um amparo do Tribunal de Justiça (STJ) em que o juiz que o concedeu afirmou que uma insolvência de 2 milhões de reais não era grave o suficiente para tornar inviável sua recuperação judicial, por isso pôde reabrir uma segunda vez. No caso da Saraiva, embora a livraria tenha feito o pedido de autofalência, acabou solicitando a autosolvência logo após fechar suas lojas físicas e operar apenas em sua plataforma de e-commerce.


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O que estabelece a Lei de Falências

 

No ordenamento jurídico local, uma empresa que não tenha acesso à recuperação judicial, por não reunir condições para solicitá-la, pode declarar processo de falência, que independe de credores pedirem falência ou de títulos vencidos. Este autoconcurso segue o mesmo procedimento da solicitação de concurso tradicional.

 

Para declarar falência, a empresa ou empresário deverá apresentar ao tribunal competente as suas três últimas demonstrações financeiras, um balanço contabilístico, uma lista nominal de credores, uma lista de bens e direitos, comprovativos da situação comercial, livros e documentos contábeis exigidos por lei e uma lista de seus administradores nos últimos cinco anos. A Saraiva está em recuperação judicial desde 2018, após não conseguir chegar a acordo com seus fornecedores para renegociar suas dívidas.

“Para que a falência seja eficiente e funcione como instrumento de consolidação do mercado, é necessário que, além de criar condições para preservar os benefícios derivados da atividade empresarial (mediante a substituição do agente e a realocação de ativos), também proporciona ao empresário uma nova oportunidade, um novo começo na atividade empresarial”, escreveu Daniel Carnio Costa, juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo.

A possibilidade de autofalência é uma novidade incluída na Lei 14.112/20 (Lei de Falências), aprovada no final de 2020 e que modernizou a Lei 11.101/05, de falências e recuperação judicial e extrajudicial vigente até então. Isso protege os bens do devedor como pessoa jurídica, fortalece métodos alternativos e de arbitragem para resolução de conflitos, modifica as obrigações do autodeclarado, ao reduzir o limite mínimo de pagamento aos credores (de 50% para 25%), e extingue as suas obrigações ao entregar os bens falidos três anos após a declaração de falência, o que lhe permite retornar às suas atividades comerciais.

 

Diferentemente da Lei 11.101/05, a Lei 14.112/20 inclui os produtores rurais, que podem apresentar plano especial de recuperação judicial, desde que o valor de sua dívida não ultrapasse 4,8 milhões de reais, e também proíbe a retenção ou apreensão de bens e qualquer forma de retenção, apreensão ou penhora dos bens do devedor, incentivando a conciliação em qualquer momento do processo e em qualquer nível de jurisdição.

 

Por isso, diz Carnio Costa, este novo regulamento apresenta a declaração de autofalência como uma opção interessante para enfrentar a crise de uma empresa, "porque pode ser mais vantajoso para o empresário procurar a extinção das suas responsabilidades e a sua reabilitação mediante um processo rápido, em vez de se aventurar em uma recuperação judicial sem chances de sucesso e que acabará se transformando em falência”.


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Por que as livrarias físicas estão falindo?

 

No início de 2022, a Amazon (que começou como um marketplace de livros), grande responsável por parte do declínio das livrarias físicas, anunciou o fechamento de todas as suas livrarias nos Estados Unidos e no Reino Unido (além de outras lojas físicas de natureza diferente), porque o volume de negócios local foi o mais baixo desde 2018 devido à mudança gradual dos hábitos de consumo do público e à passagem da maior parte destes para compras online, o que se agravou durante a pandemia.

 

Essa crise do varejo não é estranha às livrarias, que tiveram que enfrentar a mudança nos modelos de compra e a entrada em cena de um catálogo mais amplo de livros digitais e audiolivros de menor preço. Um exemplo claro de como a contração do mercado editorial prejudica as livrarias é a falência da Cultura, afetada desde 2015 pela queda nas vendas de livros impressos, que foi obrigada a fechar lojas (para manter apenas as de São Paulo e Porto Alegre) e manter suas operações por meio de canais digitais, o que a mergulhou em uma crise econômica e financeira que totalizou uma dívida de 285,4 milhões de reais com fornecedores e bancos.

 

Outro exemplo do que está acontecendo com as livrarias físicas é apresentado pelo Chile onde, por mais que a quarentena da Covid-19 tenha afetado o comércio varejista, a mudança forçada para a venda online de seus livros é pequena, em comparação com a venda no local, ao que se soma que o preço de venda online é normalmente mais baixo (seja por razões logísticas ou forçado pela concorrência de vendedores maiores com preços mais baixos), o que reduz as capacidades de manutenção e presença a longo prazo e o risco de falência aumenta, especialmente quando a média ou pequena livraria, que passa a depender cada vez mais da venda online, não possui um catálogo muito extenso (muito menos um que seja quase infinito, se envolver livros digitais) e, sobretudo, capacidade de distribuição e envio do exemplar ao seu comprador.

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