O que ainda precisa ser regulamentado sobre transgênicos no Brasil?

Centro da discussão é uma lei de 2005 que definiu as competências da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança/ State of Israel via Flickr
Centro da discussão é uma lei de 2005 que definiu as competências da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança/ State of Israel via Flickr
Política que define responsabilidades da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança está em xeque no STF
Fecha de publicación: 09/09/2021

Eles estão na nossa mesa. No tanque do nosso carro. Estão até em poças de água parada de áreas urbanas. Os chamados OGM (sigla para “Organismos Geneticamente Modificados”), mais conhecidos pelo generalismo de “transgênicos” que ouvimos dia sim, dia também, revolucionaram a produção do agronegócio mundial, garantiram a alimentação de mais e mais pessoas mundo afora e, em casos específicos, até ajudam em questões de saúde pública. 

A política desenvolvida no Brasil para regulamentar esta questão, no entanto, está em xeque por conta de um julgamento que passou 15 anos dormitando nos gabinetes do STF (Supremo Tribunal Federal), até ser colocado em pauta há duas semanas. O caso, agora suspenso para vista, deve determinar quem tem o poder de autorizar que estes eventos ocorram - se o governo ou uma junta de técnicos. 


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O centro da discussão é uma lei de 2005, aprovada pelo Congresso Nacional e que definiu as competências da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), que passou a  ser responsável pelo “apoio técnico e de assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança de OGM e seus derivados, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e de pareceres técnicos referentes à autorização para atividades que envolvam pesquisa e uso comercial de OGM e seus derivados”. 

Na prática, a nova lei tirou do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, a palavra final sobre o tema, passando para um grupo composto por membros da sociedade civil e do governo.

A Lei, sancionada pelo então presidente Lula em março de 2005, foi contestada em junho pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles. Na sua queixa ao STF, Fonteles indicou que a competência de cuidar do meio ambiente, como previsto na Constituição, é da União, mas também de estados e municípios, que passaram a ficar de fora do debate.

“Se a todos os entes da federação é exigida a proteção do meio ambiente, é inconstitucional o impedimento criado na lei de biossegurança para que os Estados e Municípios deliberem sobre a necessidade de licenciamento ambiental de produtos ou sementes oriundos de organismos geneticamente modificados”, escreveu Fonteles em 2005. “Afinal, todos os membros da federação tem o dever constitucional de zelar pelo meio ambiente e, por conseguinte, de avaliar os impactos ambientais de qualquer atividade potencialmente causadora de significativo impacto ambiental.”

O caso permaneceu esquecido nos escaninhos do gabinete do ministro Celso de Mello, que recebeu o caso ainda em 2005. Mas foi só em novembro de 2020, no momento em que tomou posse no lugar do antigo decano, que o atual relator, ministro Nunes Marques, começou a cuidar do caso. No mesmo dia de sua posse, liberou a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 3.526 para julgamento, que deveria ocorrer em fevereiro de 2021. Após adiamentos, em 27 de agosto o caso teve o julgamento finalmente iniciado.

Em seu voto, Nunes Marques apontou que o CTNBio é “um dos órgãos mais qualificados do Poder Executivo, composto exclusivamente por doutores nas respectivas áreas de conhecimento” e que imputar ao grupo a competência para discutir sobre os OGMs “não parece nenhum disparate, muito menos tem qualquer coisa de inconstitucional”. O seu voto, negando o pedido da Procuradoria-Geral da República, contava com um segundo voto favorável de Edson Fachin. Terceiro a votar, Gilmar Mendes pediu vista ao caso.

16 anos sem incidentes

O sócio da área ambiental do Machado Meyer, Eduardo Ferreira, lembra que estes “eventos” que envolvem os chamados OGM vão desde alimentos como soja e milho, com aplicação já consolidada no agronegócio brasileiro, até usos mais específicos: a inserção de mosquitos da dengue (Aedes aegypti) com a aplicação oficial de bactérias Wolbachia se encaixa neste grupo. Sua aplicação torna os mosquitos incapazes de transmitir vírus como a dengue ou a chikungunya.

O advogado lembra que a estrutura e funcionamento do CTNBio tem outros exemplos na administração pública, como no caso da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear), que supervisiona o tema no país. Por conta disso, a suprema corte tem, neste caso peculiar, indicado que pode afastar o chamado “princípio da precaução”, onde o risco futuro de uma ação de caráter ambiental passa a influenciar na decisão tomada no presente.


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Há também o fato de que a ação foi apresentada sem que se visse os resultados da lei na prática. “A lei foi questionada, na ADIn, há 16 anos, e ficou lá, sem liminar. E a lei, em vigor, subsidiou diversas aprovações, e centenas de eventos aprovados no site da CTNBio - eventos que vão de sementes a cana de açúcar, animais e microorganismos e vacinas”, relembrou  Eduardo, “então você tem uma gama de eventos aprovados, com base na legislação e em pareceres técnico-científicos enorme. Se houver uma decisão em contrário, vai se criar um caos e se paralisar por completo as ações da CTNBio.”

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