O que pode acontecer a Bolsonaro depois do relatório da CPI da Covid?

Relatório final aponta os 9 crimes do presidente, o uso da máquina pública e o estímulo para que a população seguisse normalmente com sua rotina, apesar da pandemia/Alan Santos/PR
Relatório final aponta os 9 crimes do presidente, o uso da máquina pública e o estímulo para que a população seguisse normalmente com sua rotina, apesar da pandemia/Alan Santos/PR
Presidente pode ser condenado a 78 anos, mas prisão, e até possível impeachment, vai depender de vontade política
Fecha de publicación: 23/10/2021

O presidente Jair Bolsonaro é considerado pela CPI da Pandemia do Senado como o principal responsável pelas quase 600 mil mortes no país. Ele é acusado, formalmente, por ter cometido nove crimes: prevaricação, charlatanismo, epidemia com resultado morte, infração a medidas sanitárias preventivas, emprego irregular de verba pública, incitação ao crime, falsificação de documentos particulares, crime de responsabilidade e crimes contra a humanidade.

O relatório final aponta que, com o uso da máquina pública, de maneira frequente e reiterada, Bolsonaro estimulou a população brasileira a seguir normalmente com sua rotina, sem alertar para os cuidados necessários, apesar de toda a informação disponível e com alto risco nessa estratégia.


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“A insistência no tratamento precoce em detrimento da vacinação aponta para o presidente da República como o principal responsável pelos erros cometidos durante a pandemia da Covid-19, já que foi corretamente informado e orientado pelo Ministério da Saúde, e mesmo assim agiu em contrariedade à orientação técnica, desprezando qualquer alerta que se contrapusesse a suas ideias sem fundamento científico, ou simplesmente demitindo os técnicos responsáveis por esses alertas”, aponta o relatório da Comissão. Para o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues, “o relatório imputa ao senhor presidente da República 78 anos de prisão”.

Mas o que isso significa? E mais, será que, através do relatório da CPI, os culpados realmente serão punidos pelo Judiciário? Quais as chances? LexLatin ouviu dois especialistas para tentar entender até onde esta investigação pode resultar em algo. Um criminalista e um cientista político discutem a situação legal do mandatário da nação e analisam os atos que podem levar o presidente a ser responsabilizado criminalmente por estas condutas.

Na opinião deles, ao discutir a situação do presidente da República estão sendo analisados atos com impacto para a ordem pública e que têm consequências diretas no dia a dia e no destino da população. Suas ações ou omissões desencadearam infrações, crimes, improbidades e questões que estão na ordem do dia. A postura de Bolsonaro é discutida há mais de 1 ano e meio, especialmente por apologia ao kit Covid.

Conrado Gontijo, criminalista e doutor em direito penal e econômico pela USP, explica que as provas produzidas pela CPI serão encaminhadas à Procuradoria Geral República (PGR), a quem cabe oferecer denúncia criminal.

“A prática dos crimes de homicídio por omissão ficou demonstrada ao longo dos trabalhos de apuração: há provas claras de que o presidente, embora tivesse a obrigação e a possibilidade de agir para mitigar o agravamento da pandemia (inclusive, por meio da aquisição de vacinas), optou por recursar várias ofertas apresentadas ao governo por indústrias farmacêuticas, como a Pfizer. Portanto, estão presentes todos os elementos necessários à configuração delitiva e, a partir de um exame técnico da matéria, o que se espera é que ele seja denunciado e, posteriormente, condenado pelas práticas delitivas. Jair Bolsonaro, inequivocamente, praticou múltiplos crimes de homicídio por omissão”, diz o advogado.

No caso dos crimes de epidemia, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular, emprego irregular de verbas públicas e prevaricação - todos presentes no Código Penal - a apresentação da denúncia também cabe à PGR, porque os crimes foram praticados no exercício das suas funções de Presidente da República.

“Há demonstração incontroversa da prática de todos esses delitos, nas condutas concretas por ele praticadas durante a pandemia. Inclusive, os estudos do Professor Miguel Reale Júnior, da OAB, do Grupo Prerrogativas, entre outros, expõem provas incontestáveis das práticas criminosas. Portanto, analisando a situação sob o prisma técnico, a perspectiva é a de que o presidente Jair Bolsonaro e todos aqueles que se associaram a ele em sua empreitada negacionista/criminosa sejam denunciados e condenados”, afirma o criminalista.

No caso da acusação de crime contra a humanidade, as provas colhidas pela CPI deverão ser encaminhadas, por meio de representação, ao Tribunal Penal Internacional (TPI), para a apuração dos crimes contra a humanidade. A dinâmica de tramitação dos casos no TPI respeita critérios próprios, mas os elementos necessários à configuração dos crimes contra a humanidade foram comprovados.

Denúncias podem acabar em pizza?

Feita essa análise, quais os próximos passos a serem tomados? Para os especialistas, os crimes de responsabilidade de Bolsonaro são inúmeros e, em relação ao enfrentamento da Covid-19, foram igualmente comprovados pela CPI. Ocorre que, ao contrário dos crimes comuns, em que a análise a ser feita é eminentemente jurídica, nos casos dos crimes de responsabilidade há um filtro político relevante.


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“Há mais de 100 pedidos de impeachment engavetados no gabinete do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Assim, a prática criminosa é evidente, mas não parece haver vontade política para que ela seja apurada. É incontroverso que Jair Bolsonaro, no enfrentamento da Covid-19 e em centenas de outras situações, agiu de forma manifestamente afrontosa à dignidade do cargo que ocupa", analisa Conrado Gontijo.

Para o cientista político André César Pereira não há o risco de o relatório "dar em nada" porque o dano político ao presidente é inegável, ainda mais no período pré-eleitoral. Mesmo que as denúncias sejam arquivadas num primeiro momento, as consequências e a culpabilização do presidente são irreversíveis. 

"Como a eleição está muito próxima, você já tem a questão do dano político. Para além de conseguirem avançar nas investigações em outras instâncias, o estrago está feito. E isso vai ser usado muito na campanha. Tem um impacto local, nacional que é a campanha eleitoral e o voto, e até a perspectiva do presidente eventualmente desistir da candidatura. Internacionalmente essas acusações reforçam a posição e pária do Bolsonaro", diz o cientista político.

Ele avalia que a CPI construiu uma história, o roteiro de um filme. Um fator importante é que a investigação foi realizada durante a pandemia. "É algo que envolve mortes, entes queridos, pessoas. Não é só roubo, dano ao erário público. Isso torna a investigação mais efetiva e eficaz. E tem essas várias tipificações de crimes que mancham qualquer reputação", afirma.

O problema, aponta o especialista, é o passo seguinte, quando a CPI remete o parecer aos órgãos competentes. "Uma instituição fundamental é a PGR e Augusto Aras, o procurador geral. Como ele vai se comportar? É um dilema para ele, uma escolha de Sofia. Por que? De um lado, ele não pode desagradar o presidente, porque quer sair da PGR e ser indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Por outro lado, engavetando, vai se indispor com o Senado. Aí tem que passar pela sabatina, caso seja indicado ao STF, e depois precisa ser referendado no plenário. Eu acho que ele vai esperar, vai tentar conversar inicialmente e segurar o máximo. A história do André Mendonça [indicado para o STF por Bolsonaro, mas que enfrenta resistência do Senado] está para ser resolvida e há sinais que o presidente vai indicar outro ministro ´terrivelmente evangélico´. Então, Aras vai ver que Bolsonaro não vai indicá-lo ao STF, não tem mais PGR [pela lei ele não pode mais ser reconduzido] e aí ele pode colocar o processo para avançar", explica André César.

Com relação ao avanço na esfera criminal, o cientista político acredita que a CPI tem o suporte do  grupo de juristas renomados que está por trás de todo o trabalho. "Certamente eles podem encontrar algumas brechas. Mas acredito que vá evoluir na esfera criminal só depois do mandato, porque o tempo é curto. A Justiça é morosa, tem os recursos, então acho muito difícil para o próximo ano, mas vai estar aí o processo. A questão de perder foro privilegiado é outro fator que entra nesse pacote, caso Bolsonaro não seja reeleito", afirma.

Na próxima quarta-feira (27) será votado o relatório final da CPI que aponta os crimes de Bolsonaro e de outros acusados. A análise tem mais de mil páginas e estão sendo esperadas mudanças até o dia da votação.


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