As paralisações de funcionários na Receita Federal e no Banco Central

Paralisação da Receita Federal veio junto a entrega de 1237 cargos de chefia/Pillar Pedrera/Agência Senado
Paralisação da Receita Federal veio junto a entrega de 1237 cargos de chefia/Pillar Pedrera/Agência Senado
Estopim foi decisão do governo de aumentar salário apenas de policiais
Fecha de publicación: 05/01/2022

O ano de 2022 começa com uma chance real de apagão em parte do funcionalismo público brasileiro: em greve desde o final do ano passado, auditores e técnicos da Receita Federal já tornam mais lenta operações de aduana, alfândega e colocam em risco a retomada de processos tributários. Nesta semana juntaram-se ao coro dos descontentes os analistas e técnicos do Banco Central, que prometem uma paralisação que deve prejudicar pontos importantes do Sistema Financeiro Nacional.

O estopim ocorreu no final do ano passado, durante a votação do Orçamento de 2022 pelo Congresso Nacional. Atendendo a um pedido do próprio poder Executivo - comandado por Jair Bolsonaro - não garantiu nas previsões para este ano o reajuste dos vencimentos dos servidores públicos de diversas categorias. Apenas os policiais - carreira que representa parte maciça do apoio ao presidente - garantiram valor para reajuste: R$1,7 bilhão foi destinado para que policiais federais, rodoviários federais, do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) e do Ministério da Justiça tenham ganhos salariais.

Por conta disso, a primeira reação ocorreu na Receita Federal. Cumprindo uma ameaça já feita anteriormente, os auditores e técnicos do Fisco passaram a entregar, voluntariamente, os cargos comissionados e de chefia que possuem. Por serem servidores, eles não deixaram a autarquia - mas o estrago foi sensível: a pedido de LexLatin, o Sindifisco Nacional (Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) apurou que 1.237 servidores entregaram seus cargos, em claro sinal de descontentamento com a política de reajuste do governo.


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A paralisação gerou efeito cascata em outro órgão intimamente ligado ao Ministério da Economia: o Banco Central, que também esperava o reajuste para seus analistas e técnicos. Desde o início da semana o sindicato dos trabalhadores da instituição iniciou a contagem de quantos servidores também entregaram seus cargos de confiança.

Ambos devem comandar, juntos, uma manifestação no dia 18 deste mês contra a política de arrocho salarial. O efeito cascata é real, já que órgãos que representam carreiras consideradas de elite do funcionalismo (como o Fórum Nacional das Carreiras de Estado) devem se unir à Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (que representa 80% do funcionalismo da União) na mesma pauta. 

Ao menos no caso da Receita Federal, os efeitos já são visíveis: atuando na chamada “Operação Padrão”, o trabalho dos poucos auditores em serviço inviabiliza a rapidez no trâmite de diversos produtos. O que era liberado das alfândegas em poucas horas hoje pode levar uma semana para circular novamente. 

O tema resvala inclusive no Carf, principal instância de julgamento tributária e que é composta, em parte, por auditores da RFB que atuam como conselheiros. Em uma nota de 28 de novembro do ano passado, 63 conselheiros indicam que não irão participar das reuniões deste mês, que deveriam ocorrer a partir do próximo dia 10. 

Os julgamentos - os primeiros presenciais desde o início da pandemia - devem ocorrer apenas nas Câmaras Superiores. Em turmas ordinárias, a falta de quórum pode inviabilizar a maior parte dos julgamentos. Isso afeta inclusive os conselheiros dos contribuintes, que não fazem parte da greve e que teriam de arcar com eventuais cancelamentos de julgamento. 

“É um movimento democrático, porém irá impactar sim o julgamento”, diz Laércio Cruz Uliana Junior, diretor institucional da Aconcarf (Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf), que representa os contribuintes. “Muitas turmas deixarão de julgar por não ter quórum, elevando o número de processos.” 

“Diárias, deslocamento e toda a programação é feita com base nisso”, recorda o jurista. Além do problema com os conselheiros, advogados de grandes bancas e casos relevantes estão no mesmo cenário - permanecendo no limbo sobre a manutenção dos julgamentos, sem saber se irão ou não à capital federal. Oficialmente o Carf ainda não se manifestou sobre a questão.


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“A eventual suspensão dos julgamentos no Carf causará atraso no julgamento dos recursos interpostos em processos administrativos fiscais”, afirma Alexandre Herlin, sócio do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, ”sobretudo os que envolvem créditos tributários de maior monta, já prejudicados em função da limitação de valor nas sessões não presenciais implementadas por conta da pandemia de Covid-19”.

Para o tributarista, não há dúvida que os dois (Fisco e Contribuintes) saem perdedores. Caso a suspensão se materialize também em relação às atividades do Banco Central, o mesmo deve acontecer em processos administrativos sancionadores, que são analisados pela autarquia financeira.

O sócio do escritório Bento Muniz Advocacia, Eduardo Muniz Cavalcanti acredita que a paralisação trará prejuízos, mas não muitos. “Essa situação não deve se estender por muito tempo e não atingiria os escritórios no médio e longo prazo", diz.

Tal como Laercio, Eduardo considera o pleito dos servidores da Receita como legítimo. “A Receita Federal tem assumido o protagonismo em relevantes discussões fiscais, em especial na criação de métodos de aproximação e diálogos com os contribuintes, e, em particular, nos últimos dois anos a respeito do tema da reforma tributária”, explica. Desta maneira, lembra o tributarista, o Fisco busca expressar insatisfação com o bônus de eficiência, estabelecido em 2017 e que não foi regulado até hoje.

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