Por que a presença de LGBTs em cargos de direção no mundo jurídico é quase nula no Brasil?

De acordo com o último levantamento sobre diversidade e inclusão da consultoria global Great Place To Work (GPTW), somente 8% dos funcionários em cargos de liderança se declaram LGBTQIA+/Canva
De acordo com o último levantamento sobre diversidade e inclusão da consultoria global Great Place To Work (GPTW), somente 8% dos funcionários em cargos de liderança se declaram LGBTQIA+/Canva
Pesquisa mostra que mercado e escritórios de advocacia ainda resistem na hora de contratar gays e lésbicas em postos de liderança.  
Fecha de publicación: 21/06/2023

No dia a dia da advocacia, a discussão da orientação sexual tem ganhado destaque nos últimos anos, especialmente a partir dos anos 2010. Diversos escritórios, principalmente os grandes, têm incluído a questão e o debate na pauta com a criação de comitês de diversidade e inclusão. O tema ganha ainda mais destaque agora em junho, o chamado mês do orgulho LGBTQIA+, quando diversas bancas promovem debates, estendem bandeiras na porta e analisam os avanços que essa comunidade tem alcançado no conservador meio jurídico.

A mudança desses últimos anos tem relação com dois fatores. Alguns setores do mercado e clientes têm exigido cada vez mais das firmas uma postura aberta à convivência de diferentes profissionais, com diferentes visões de mundo, de olho na valorização de sua marca. Outra questão tem relação com o próprio bem estar dos funcionários, especialmente os advogados que estão começando a carreira. São pessoas que defendem o propósito e o engajamento do escritório em questões sociais, incluindo a inclusão das chamadas minorias. 

Mas basta olhar para o topo da pirâmide, especialmente nos cargos de direção, para perceber que a presença dessa comunidade é praticamente nula, especialmente entre as grandes bancas, as que mais defendem o novo status quo da diversidade. Algumas pesquisas sobre o tema mostram que ainda há muito a se fazer.

De acordo com o último levantamento sobre diversidade e inclusão da consultoria global Great Place To Work (GPTW), somente 8% dos funcionários em cargos de liderança se declaram LGBTQIA+. A pesquisa mapeia aspectos e características das minorias sociais dentro dos ambientes de trabalho a partir de recortes por grupos. No caso de cargos de presidência, a presença é ainda menor, com só 6% do total.


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Uma outra pesquisa, feita pelo grupo Santo Caos, uma consultoria de engajamento, mostra que uma em cada três empresas brasileiras não contratariam pessoas LGBT para cargos de chefia (33% do total) e que 61% dos funcionários gays e lésbicas no país preferem esconder sua sexualidade de colegas e principalmente de gestores.

Mas, segundo a análise feita pela Wisconsin LGBT Chamber of Commerce, as empresas com pessoas LGBTQIA+ em cargos de liderança têm uma performance 61% maior na comparação com outras companhias sem profissionais diversos, de orientações sexuais diferentes.

“Se observarmos os principais escritórios do país, não tem pessoas assumidamente gays na liderança. As firmas têm alguns sócios que se declaram LGBT publicamente, mas não estão nos cargos de direção. Existe uma falta de representatividade dos LGBTs em posição de comando no mundo jurídico de modo geral”, avalia Felipe Caon, sócio do Serur Advogados. 

O advogado, que é um dos coordenadores do comitê de diversidade do escritório, explica que muitos jovens que estão começando na carreira têm medo de se assumir e perder oportunidades. E como há poucos profissionais assumidos no mercado, falta essa representatividade em cargos de direção. A consequência disso é que muitos jovens advogados não encontram modelos de outros profissionais LGBTs a seguir na indústria jurídica, algo que impacta na carreira e na decisão de se assumir ou não frente a seus pares. 

“Se observarmos os centros de poder das grandes empresas e firmas, eles são liderados por homens brancos e héteros. LGBTs que buscam atingir espaços de poder e liderança não podem exercer livremente a sua sexualidade e assumir isso de forma pública”, analisa Caon.

Apesar da exigência de muitas empresas por uma representação mais diversa, uma parte do mercado, ainda conservador, é tolerante com a discriminação desse grupo. “Existe uma sociedade LGBTfóbica e por isso os profissionais não se declaram com medo de não ter clientes, de não performar o faturamento que é exigido. Eu já sofri homofobia de forma declarada por um cliente. Hoje, o fato de ser declaradamente gay não é um problema, mas eu tive que construir meu caminho. Vejo que existe uma resistência automática das firmas de colocar essas pessoas em centros de poder, porque isso pode causar uma rejeição em relação ao escritório”, diz Caon. 


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Para ele, a questão de LGBTs ocuparem espaços de poder nessa indústria é algo vai além da advocacia. “Não se veem juízes e desembargadores assumidamente gays, muito menos pessoas transsexuais. O que se observa é que essa discussão sobre diversidade no mundo jurídico é algo relativamente recente e ainda tem poucos efeitos em termos práticos”, afirma.

A questão precisa ser melhor discutida pelos escritórios, mesmo os que têm comitês de diversidade, de acordo com a presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, Heloísa Gama Alves. “É preciso despertar a consciência das lideranças e dos sócios para que esse profissional seja não apenas uma cota, mas que tenha chance de crescer naquele ambiente corporativo. Se já é difícil para as mulheres, imagina para um profissional LGBT”.

Para a representante da OAB, o advogado entra nesse ambiente com medo de se assumir, mesmo nos escritórios que têm comitês de diversidade, porque não se sente acolhido e respeitado. “Quando essa pessoa fala da orientação sexual, muitas vezes passa pelo processo de discriminação de forma velada e tem que provar duas vezes mais a competência em relação a um heterossexual. E aí essas pessoas acabam não se sentindo pertencentes àquele ambiente nem efetivamente acolhidas: acabam não conseguindo demonstrar a sua competência”, diz.

Em maio, a Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP passou a ser permanente, abrindo caminho para ações na promoção de políticas institucionais em defesa das garantias da advocacia LGBT. “Qual é a diferença quando a comissão se transforma em permanente? Quer dizer que nenhuma outra gestão, se vier amanhã, vai poder tirar a comissão. E aí você começa a ter mais recursos para poder debater o tema e incentivar que outras subseções criem comissões permanentes também”, afirma a advogada. 

Para os profissionais envolvidos com a causa LGBT no mundo jurídico, a mudança de mentalidade ainda é algo lento e gradual. É um reflexo do que está acontecendo na sociedade, mas esbarra ainda no conservadorismo da indústria jurídica, que tem dificuldades para incorporar mudanças. E passa também pela postura dos clientes: uns exigem profissionais diversos, outros não querem nem ouvir falar no assunto.


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Ainda, segundo os especialistas, cabe aos atuais líderes de escritórios incentivar o debate e liderar o movimento pela diversidade, inclusive com a adesão e conscientização de profissionais heterossexuais para a criação de ambientes responsáveis e propícios à diversidade.

“Eu diria que nós estamos engatinhando ainda, aquém de onde nós deveríamos estar. Caminhamos de forma lenta, precisamos acelerar”, resume Heloísa Gama Alves. 

“Em algum momento, imagino, espero e torço para que esses profissionais cheguem lá nessas posições de liderança. Mas hoje não há. Acredito que isso vá acontecer com o tempo, porque até então não existia espaço algum para o LGBT dentro dos escritórios de advocacia. Mas começou a existir”, avalia Felipe Caon.

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