STF volta à discussão trabalhista em momento de questionamento sobre reforma

Caso envolve regras para motoristas profissionais, como caminhoneiros/Nelson Jr. / STF
Caso envolve regras para motoristas profissionais, como caminhoneiros/Nelson Jr. / STF
Corte analisa demanda sobre reajustes de motoristas. Debate também está na campanha eleitoral.
Fecha de publicación: 18/05/2022

O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) inicia, nesta quarta-feira (18), um julgamento sobre o alcance da validade de norma coletiva que restrinja ou limite direitos trabalhistas não constitucionalmente previstos a uma categoria. No centro do debate estão os direitos e deveres dos motoristas profissionais, representantes de um dos setores com o maior número de litígios nas cortes trabalhistas. A resolução do tema passa não apenas pelo limite de horas diárias no exercício desta profissão — mas pela discussão sobre o que prevalece nas relações de trabalho.

A discussão ocorre em um momento em que a reforma trabalhista, já revisada pelos tribunais superiores (e que ajuda a calcar o debate), passa a ser ameaçada de revisão — desta vez, pela própria classe política, como bandeira eleitoral. Uma das maiores intervenções do governo de Michel Temer (2016-2018), o texto é atacado diretamente pelo líder nas pesquisas presidenciais deste ano.


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Esta será uma discussão conturbada. “A reforma foi uma mensagem muito bem recebida pelo mercado”, lembra Caroline de Marchi, sócia da área trabalhista do Machado Meyer Advogados. “Revogá-la trará insegurança jurídica às empresas, além de um retrocesso jurídico e social, pois muitas de suas modificações eram necessárias ante a realidade que se demonstrava.”

Entenda o caso

O caso da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 381 foi apresentado pela CNT (Confederação Nacional do Transporte) em  2016, contra uma série de decisões da justiça trabalhista sobre a presunção do exercício de atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho pelos motoristas profissionais. A tese foi formulada após uma lei de 2012 regular a atividade dos motoristas profissionais.

texto desta lei estabelece regras rígidas para que motoristas de ônibus e caminhões cumpram sua jornada de trabalho como, por exemplo, a admissão de apenas duas horas extras por dia, além de intervalo de repouso diário de 11 horas a cada 24 horas, e descanso semanal de 35 horas. É uma rotina que não condiz com o que é visto em estradas brasileiras, e a justiça do trabalho usa os tacógrafos dos caminhões para investigar possíveis abusos.

Os empresários alegam que as decisões judiciais impugnadas desrespeitam o princípio constitucional da segurança jurídica, da isonomia, autonomia negocial dos sindicatos e da livre iniciativa — questões estas mais sólidas após o advento do artigo 611-A da reforma trabalhista de 2017, assim de mudanças sobre a livre concorrência feitas pelo governo Bolsonaro

Os tribunais trabalhistas têm visões variadas sobre o tema: os TRTs 23 (Mato Grosso); 12 (Santa Catarina); 24 (Mato Grosso do Sul); 1 (Rio de Janeiro) e 3 (Minas Gerais) indicaram suas jurisprudência, que poderiam variar pouco ou radicalmente uma das outras. O TRT-16 (Maranhão) disse à corte não haver casos do tipo e o TST (Tribunal Superior do Trabalho) disse que prevalece na corte o reconhecimento da invalidade da cláusula coletiva que enquadre o trabalho externo de motorista como incompatível com a carga de trabalho, diante da possibilidade de controle concreto da jornada do condutor.

Caroline Marchi, do Machado Meyer, enxerga problemas na norma específica à profissão. “Não é possível admitir que diversas profissões cujo trabalho é realizado externamente possam ser controlados com a mesma acuracidade dos trabalhos presenciais, quando o empregado está permanentemente no estabelecimento do empregado”, disse. “Nos parece injusto até mesmo com o próprio trabalhador que permanece nas dependências da empresa.”

Para Matheus Quintiliano, advogado trabalhista do Velloza Advogados, a jurisprudência é dissonante com a realidade. “Como indica sua própria literalidade, a atividade, além de externa, tem que ser, realmente, ‘incompatível com a fixação de horário de trabalho’”, ponderou. “Temos jurisprudências que afirmam que, na hipótese de existirem meios viáveis para a empresa controlar e fiscalizar os horários de trabalho do empregado, ainda que sua função seja externa, o controle de jornada deve ser aplicado”. Com isso, ele argumenta, os julgados entendem que só seriam elencados na CLT os empregados que possuem incompatibilidade com o controle de horários.”

Para ele, a legislação da CLT deveria ser repensada. “O artigo 62, inciso I deveria excepcionar os trabalhadores externos ao controle de jornada em razão da flexibilidade de horários que uma função externa possibilita ao empregado, contribuindo até mesmo para sua qualidade de vida”, concluiu.

Há inclusive fatores técnicos que dificultam o trabalho. “O custo para uma empresa fiscalizar a jornada de trabalho de motorista, por meios telemáticos ou GPS, é extremamente alto. Ademais, a malha viária brasileira é superior a 1.7 milhão de km, portanto é totalmente inviável não enquadrar o motorista no inciso I do artigo 62 da CLT, sendo o Brasil um país dessa magnitude”, enumerou Tomaz Nina, advogado trabalhista e sócio da Advocacia Maciel

O caso tem relatoria do ministro Gilmar Mendes, e responde a parte sensível de um dos setores que mais demanda a Justiça Trabalhista: dados do Relatório Geral da Justiça Trabalhista em 2020 mostram que as causas relacionadas a transporte são a quinta maior em número de casos novos nos tribunais especializados: naquele ano, 181.112 casos ingressaram nas cortes.

Momento de revisão da reforma

O tema da reforma trabalhista também deve esquentar as eleições deste ano, já que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva encampa a proposta de revogar trechos relevantes das alterações na CLT feitas em 2017 por Temer. 

O ex-presidente participou, no ano passado, das discussões sobre a revisão da reforma trabalhista na Espanha— o presidente espanhol manteve calorosos contatos com o petista. No país europeu, o decreto de 2012 que flexibilizou as relações trabalhistas gerou o efeito indesejado do aumento dos contratos temporários, o que não alavancou a economia local depois da crise de 2008. Hoje, empresários e trabalhadores concordam com a revisão.

“O mercado de trabalho espanhol arrasta há décadas um desequilíbrio na comparação com países da União Europeia”, escreveu o Parlamento de lá ao rever o tema. “Não existe nenhuma razão objetiva na economia espanhola que justifique este elevado diferencial negativo que tem profundas e negativas sobre a vida e o bem-estar dos trabalhadores.”

O pré-candidato pelo PT, que lidera as pesquisas eleitorais, conseguiu fazer com que seu vice, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) falasse sobre o tema. “Prometemos uma relação reciprocamente mais justa e vantajosa entre trabalhadores e empresários - e haveremos de mostrar que isso é possível ser feito”, disse Alckmin durante o lançamento da pré-candidatura, no início do mês.


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Matheus Quintiliano, do Velloza, não enxerga uma possível perda dos direitos de negociação. “[Foi a reforma] que justamente forneceu às Convenções Coletivas de Trabalho e aos Acordos Coletivos a possibilidade do chamado ‘negociado sobre o legislado’, dando ainda mais autonomia às negociações entre empregados e empregadores para disporem sobre diversos temas”, disse. 

Além da insegurança jurídica, ele argumenta, uma revisão poderia afetar não só a função social destas normas, mas a própria economia. “Uma das consequências seria, por exemplo, aumentar a retenção de valores em caixa para o pagamento de possível passivo trabalhista, sendo que uma das formas disso acontecer, caso a empresa não aumente sua lucratividade, é por meio da retirada lícita de benefícios aos empregados”, comentou.

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