Anatel intensifica combate ao gatonet multando pessoa física, mas isso é eficiente?

A decisão do Conselho Diretor da Anatel de multar uma pessoa representa um importante marco regulatório no combate à pirataria / Bastian Riccardi - Unsplash
A decisão do Conselho Diretor da Anatel de multar uma pessoa representa um importante marco regulatório no combate à pirataria / Bastian Riccardi - Unsplash
"Multar indivíduos e compradores pode aumentar a consciência de que esses produtos e serviços não devem ser acessados por meios ilegais, mas não é a maneira financeiramente mais eficiente de tentar resolver o problema".
Fecha de publicación: 09/11/2023

Há meses, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) iniciou uma luta constante contra as TV Box (conhecidas popularmente como gatonet), os famosos aparelhos que transformam qualquer televisão em smart TV e muitas vezes são usados ​​para acessar serviços ilegais de televisão a cabo e plataformas de streaming, por meio de tecnologia IPTV(sistema operacional que utiliza o protocolo da Internet para permitir o acesso à visualização de aplicativos sob demanda). Uma das medidas mais relevantes que a Agência tomou foi colocada em prática em março deste ano, quando começou a bloquear todos os gatonets que foram detectados e não foram aprovados por eles.

 

Esse bloqueio (feito com engenharia reversa) não foi feito apenas para proteger os detentores dos direitos autorais dos programas visualizados nas TV Box e os operadores das plataformas (que não recebem qualquer remuneração pelo seu material e serviço quando são transmitidos por IPTV), mas também para salvaguardar os dados pessoais dos utilizadores, uma vez que esses dispositivos, quando não homologados e registrados, são um veículo para os cibercriminosos roubarem informações das redes domésticas em que estão ligados.

 

É assim que a Anatel vem combatendo a pirataria cometida pelo gatonet, escalando cada vez mais as medidas até o dia 31 de outubro, quando anunciou que decidiu multar uma pessoa em 7,68 mil reais por vender TV Box pirata (ou seja, não homologada pela Anatel). Essa foi a primeira vez que a agência impôs uma penalidade a um indivíduo (até aquele momento penalizava apenas empresas) na sua luta contra a utilização desses dispositivos e as diversas infrações aos direitos de propriedade intelectual que foram cometidas quando são utilizados para consumir ilegalmente material protegido por direitos autorais, o que também prejudica diversos segmentos da economia brasileira (como cinema e eventos esportivos).


Relacionado: Anatel bloqueia televisão pirata e publica lista de aparelhos homologados


Medidas mais duras

 

Do ponto de vista dos direitos de propriedade intelectual, as principais infrações cometidas com um dispositivo como o gatonet violam os direitos de autor das emissoras, produtoras e outras entidades envolvidas no licenciamento e distribuição de um canal de televisão, “fazendo com que não sejam devidamente remuneradas pelo tais serviços", destaca Camila Camargo, advogada especialista em propriedade intelectual do Prado Vidigal Advogados, que acrescenta que o uso de aparelhos não homologados também atinge lojas e vendedores que, sem a devida diligência, acabam vendendo esses aparelhos, na maioria das vezes, acreditando que sejam legais e aprovados pela Anatel.

 

Sobre a multa aplicada a uma pessoa física, Matheus Puppe, sócio da área de TMT, Privacidade e Proteção de Dados do Maneira Advogados, comenta que a decisão do Conselho Diretor da Anatel de multar uma pessoa “representa um importante marco regulatório no combate à pirataria e à violação dos direitos de propriedade intelectual no Brasil”. É também uma medida que reflete a seriedade com que a entidade trata a questão da homologação, “fundamental para garantir a conformidade dos equipamentos com as normas técnicas nacionais e a proteção dos direitos autorais, além de garantir que o Brasil continue a ser um país de baixo risco para grandes empresas internacionais, ao demonstrar o forte combate à pirataria e intensa fiscalização.”

 

Medidas desse tipo evidenciam o endurecimento das políticas de fiscalização e do escopo de atuação da Agência, medidas destinadas — cabe dizer — a estabelecer um mercado mais justo e seguro que garanta a competitividade global e reduza o risco jurídico do Brasil, em questões como pirataria e violação de direitos no ambiente digital, através da fiscalização.


Veja também: Gatonet: Por que 33 milhões de brasileiros têm TV pirata em casa?


Alexandre Freire, assessor e relator desses assuntos, disse à mídia que tanto a Anatel quanto outras instituições têm tomado medidas de combate à pirataria e que “os resultados obtidos até agora se mostraram relevantes para a sociedade brasileira, com um aplicativo que inclui tanto plataformas de mercado como fornecedores individuais” e se traduzem numa melhor proteção da saúde e segurança dos consumidores, bem como num maior respeito pela propriedade intelectual.

 

Quão eficiente é multar cidadãos em vez de empresas?

 

“Multar indivíduos e compradores pode aumentar a consciência de que esses produtos e serviços não devem ser acessados ​​por meios ilegais, mas não é a maneira financeiramente mais eficiente de tentar resolver o problema, considerando o grande volume de usuários, os esforços para multá-los e o fato de não abordar objetivamente a questão principal da distribuição ilegal”, destaca Camargo.

Na sua opinião, os esforços para bloquear as TV Box ilegais são um passo importante parar a distribuição e caminham de mãos dadas com a identificação dos distribuidores e a aplicação de sanções, mas quanto aos mercados e outros fornecedores, “é urgente estabelecer critérios de devida diligência e correta aquisição antes da aquisição dos produtos, para saber a origem e, o mais importante, garantir que a TV Box foi efetivamente homologada pela Anatel”; para isso, enfatiza, “devem ser feitos esforços para gerar conscientização e responsabilização”.


Isso pode te interessar: As oportunidades jurídicas do mercado de streaming brasileiro


Puppe explica que, embora multar indivíduos ou compradores possa ter um efeito dissuasório, é mais eficiente concentrar os esforços de aplicação da lei nos distribuidores e vendedores de dispositivos piratas, que são responsáveis ​​pela disseminação mais ampla desses dispositivos ilegais e provavelmente estarão envolvidos em violações mais significativas do que compradores individuais.

“Ao visar essas fontes, a Anatel pode interromper de forma mais eficaz a cadeia de fornecimento e potencialmente reduzir a disponibilidade de dispositivos não conformes no mercado. No entanto, multar alguns utilizadores finais cria um medo geral que irá inevitavelmente reduzir a procura por esses produtos, e menos procura significaria absolutamente menos ofertas.”

A Anatel pode melhorar a aplicação dessas medidas nos mercados e entre os fornecedores físicos, implementando processos de verificação mais rígidos, para que os vendedores garantam que oferecem apenas dispositivos homologados pela Anatel, aumentando as operações de vigilância e inteligência para identificar e direcionar os distribuidores em larga escala, colaborando com provedores de serviços de Internet e autoridades alfandegárias para rastrear e apreender remessas de dispositivos não conformes, diz Puppe.

 

Além disso, a Agência pode continuar a trabalhar com mercados online para desenvolver melhores algoritmos e mecanismos de comunicação, para detectar rapidamente listas de produtos não conformes e sensibilizar o público para a ilegalidade e os riscos associados à utilização de tais dispositivos, o que pode reduzir a procura. “A incorporação dessas ações pode levar a uma estratégia abrangente que resolva o problema das TV Box ilegais, tanto do ponto de vista da oferta como da procura.”

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.