Matheus Falcão, do Idec: limite de cobertura pelo plano de saúde prejudica consumidor

“É uma decisão que prejudica o SUS, porque, na medida em que esse consumidor não consegue acessar o procedimento pelo plano de saúde, ele vai recorrer ao sistema público”/Idec
“É uma decisão que prejudica o SUS, porque, na medida em que esse consumidor não consegue acessar o procedimento pelo plano de saúde, ele vai recorrer ao sistema público”/Idec
Para especialista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, mudança limita ação do usuário na justiça.
Fecha de publicación: 10/06/2022

Representantes do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) consideram preocupante a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que definiu que planos de saúde não precisam cobrir procedimentos fora do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A mudança afeta 49 milhões de usuários de planos de saúde.

O rol é uma lista de procedimentos que devem ser obrigatoriamente oferecidos pelas operadoras de planos de saúde aos seus usuários e que, segundo o entendimento de alguns juristas e do Idec - baseado na Lei de Planos de Saúde e no Código de Defesa do Consumidor -, deve ser interpretado como um parâmetro mínimo ou exemplificativo. Na prática, isso significa que, na visão do Instituto, é dever das operadoras cobrir todas as doenças previstas na CID (Classificação Internacional de Doenças).


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Para o Instituto, a decisão aprofunda a assimetria de poder entre operadoras e consumidores, deixando-os ainda mais desprotegidos e vulneráveis nos momentos de maior necessidade.

Em entrevista a LexLatin, o advogado Matheus Falcão, analista de Saúde do Programa de Saúde do Idec, analisa as principais mudanças.

Luciano Teixeira: Quais os impactos dessa medida para os consumidores?

Matheus Falcão: É uma mudança de interpretação do Judiciário brasileiro. O rol da ANS nada mais é do que uma lista de procedimentos que as operadoras de planos de saúde devem cobrir para os seus consumidores. A interpretação vigente, até o julgamento, era de que essa lista era só um conjunto de exemplos, e por isso só algo exemplificativo. Ela era uma referência mínima e a operadora tinha obrigações de cobrir o que estava fora do rol. O caminho que se pavimenta agora, por meio dessa decisão do STJ, é de que o rol é taxativo, ou seja, a obrigação das operadoras é restrita ao que está nessa lista.

Isso é muito ruim para o consumidor, porque é ele que necessita de um procedimento dado a uma recomendação de profissional de saúde que está fora do rol. Certamente a população vai encontrar muito mais dificuldade com essa decisão para acessar. É importante demarcar que o Judiciário sempre foi um refúgio muito importante do consumidor de plano de saúde, especialmente para questões de negativa de cobertura. Sempre foi um recurso fundamental do consumidor, muito utilizado frente às muito frequentes negativas de cobertura.

Agora, o consumidor teve esse recurso enfraquecido. Além disso, é uma decisão que prejudica o SUS, porque, na medida em que esse consumidor não consegue acessar o procedimento pelo plano de saúde, ele vai recorrer ao sistema público, sobrecarregando o SUS, que já está bem desfinanciado, gerando uma situação que só beneficia as operadoras de planos de saúde.

Não é à toa que apenas esse setor da economia recebeu, de uma forma positiva, a decisão do STJ. De resto, nós entendemos que existe uma comoção generalizada na sociedade contra a decisão. Tanto que várias medidas para revogá-la, para alterá-la, já estão sendo discutidas.

O que o consumidor que se sentir lesado pode fazer e onde ele pode recorrer?

Matheus Falcão: A decisão deixou algumas hipóteses para o consumidor acessar o procedimento fora do rol pelo Judiciário. Por exemplo, se ele tem uma recomendação médica para um procedimento que a ANS ainda não avaliou. Ou seja, ela nunca negou a inclusão no rol, ou então que o consumidor traga a informação de que esse procedimento é validado por entidades de referência, como a Conitec, que é uma entidade do SUS, ou entidades estrangeiras. Então, existem esses caminhos, que são muito difíceis para o consumidor, especialmente numa situação de emergência. É difícil até para um advogado juntar essas informações no processo.

E há questões a serem analisadas quando pensamos em entidades para fazer uma denúncia. A ANS, por exemplo, sempre defendeu que o rol é taxativo. Então, ela não é de muita ajuda nesse momento. O Procon é uma instância administrativa, então o Poder Judiciário se sobrepõe. Por isso que essa decisão é tão ruim, tão impactante, porque ela tira do consumidor o último refúgio, que é o Poder Judiciário, que se sobrepõe à decisão administrativa de um Procon, até de uma agência reguladora. Por isso que, no momento, discute-se de forma tão intensa alterar essa decisão, passar por cima dela pelos caminhos legais.

Essa decisão pode ser revista pelo STF?

Matheus Falcão: Os dois principais caminhos que estão em discussão agora é rever pelo Congresso Nacional, com a aprovação de uma lei. Há vários projetos de lei propostos em discussão para alterar o caráter do rol de forma expressa na lei. Com uma decisão legislativa não tem nem o que discutir, passaria por cima do entendimento do Poder Judiciário pela divisão de poderes. Mas existe também a discussão em torno de ingressar com uma ação no Supremo Tribunal Federal a partir da compreensão de que essa decisão também ofende a Constituição Federal. E aí, nesse caso, uma ação, por exemplo, como uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, uma ADPF, seria uma das possíveis vias para questionar a decisão do STJ no Supremo Tribunal Federal.


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Isso pode acontecer em quanto tempo?

Matheus Falcão: É difícil fazer análise agora. Por parte do Idec, nós estamos estudando alternativas para rever essa decisão que nos parece muito grave e muito negativa. Mas nos parece também que a comoção social gerada por essa decisão é tão grande que possivelmente é bem provável que a gente esteja discutindo uma possibilidade concreta de revisão pelo STF. Mas nós ainda estamos estudando qual seria a melhor alternativa, inclusive considerando essa via legislativa.

Nós entendemos que algo deve ser feito, que essa decisão é muito prejudicial e nós ainda estamos estudando o melhor caminho. Não chegamos a uma conclusão ainda, mas certamente estamos estudando um caminho para, de forma proativa, mudar esse entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

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