O “limbo” em que o Corinthians se encontra devido ao uso de seu hino

Hinos e músicas no futebol são uma forma de se sentir parte de um grupo e expressar sua identidade. Jose Manoel Idalgo - SC Corinthians Paulista
Hinos e músicas no futebol são uma forma de se sentir parte de um grupo e expressar sua identidade. Jose Manoel Idalgo - SC Corinthians Paulista
A equipe discute com Musical Corisco e Musiclave o direito de utilização do hino Campeão dos Campeões sem restrições, pois, segundo eles, são titulares dos direitos autorais graças a um contrato verbal com seu compositor.
Fecha de publicación: 11/10/2023

Durante a primeira semana de outubro, as editoras Musical Corisco e Musiclave garantiram, em documento enviado à Justiça, que o Sport Club Corinthians Paulista não é dono do Campeão dos Campeões, hino que utiliza como identificação desde 1955. As editoras asseguram que o clube não tem o direito de utilizá-lo livremente porque não conseguiu demonstrar que tem qualquer direito sobre ele.

 

Com esse documento, ao qual a mídia brasileira teve acesso, ambas tentaram resolver a questão que as confronta com a equipe paulista. Segundo elas, a música é uma homenagem à equipe composta pelo músico Benedito Lauro D'Ávila, cujos direitos autorais pertencem a eles e aos herdeiros de D'Ávila (entre os quais media um contrato de cessão de direitos e pagamento de royalties); portanto, o argumento do Corinthians para justificar o uso indiscriminado do hino (de que fizeram um contrato verbal com o autor em 1955) é inválido, especialmente porque não possuem nenhum documento que comprove que fizeram um acordo firme com o compositor.

 

O documento é uma resposta emitida como resultado do processo que o Corinthians iniciou contra a Musical Corisco e a Musiclave, em janeiro deste ano, para poder usar o hino sem restrições, e neste foi especificado que o contrato entre elas e os herdeiros do compositor ainda estão em vigor, então eles pediram ao tribunal que rejeitasse a reclamação do clube.

 

Entretanto, o clube garante que não pretende apropriar-se unilateralmente da obra, mas simplesmente garantir que as editoras honrem o suposto contrato verbal que fizeram com D'Ávila e que possam utilizar o hino sem ter que pedir autorização ou fazer pagamento. Segundo eles, seu contrato verbal com o músico é pelo menos 10 anos mais antigo que o assinado entre ele e as editoras.

 

Pode-se deduzir então que o cerne da controvérsia reside na validade de um contrato verbal no Brasil.


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O que a lei diz?

 

No Brasil, os contratos verbais são válidos desde que seguidas as regras estabelecidas no artigo 107 do Código Civil sobre a existência de formulário especial. Assim, “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.” Soma-se a isso o que estabelece o artigo 104 (ao qual todo contrato verbal deve obedecer): “A validade do negócio jurídico requer: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.”

 

O sistema jurídico também especifica que, para fazer cumprir qualquer acordo verbal, ambas ou algumas das partes envolvidas devem ter a capacidade de apresentar provas que demonstrem a veracidade do contrato. Podem ser testemunhas, e-mails ou chats, testemunhas ou faturas, entre muitas outras, provas que o Corinthians aparentemente não possui, se for verdade o que a Musical Corisco e a Musiclave apontaram.

 

“Uma vez provado que o contrato verbal existia e quais eram os seus termos, ele poderá ser executado perante os tribunais”, escreveu o advogado Daniel Maidi, que também especificou que “um contrato verbal deve, antes de mais nada, ter a sua existência comprovada no caso de litígio; ou seja, quando você vai à Justiça para solicitar a celebração de um contrato verbal, há a primeira necessidade de comprovar que esse contrato foi efetivamente pactuado.”


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Leticia Provedel, sócia da área de PI do Souto Correa Advogados, explicou à LexLatin que consentimentos silenciosos também são aceitos pela legislação brasileira, exceto nos casos em que a lei exija estritamente a forma escrita (por exemplo, a transferência de direitos autorais requer consentimento prévio e expresso e é presumivelmente onerosa de acordo com a lei brasileira de direitos autorais), então, efetivamente, contratos verbais são aceitos.

 

Ela disse que a legislação brasileira não contém disposições detalhadas sobre o pagamento de royalties, embora preveja que o pagamento pode ser presumido em contrato de licença ou cessão de direitos autorais. Assim, temos que a Lei de Direitos Autorais, em seu artigo 57, estabelece que o valor dos royalties pode ser definido de acordo com os padrões gerais de mercado, desde que o contrato nada diga sobre o valor dos royalties a serem pagos.

 

Lembrou ainda que os direitos autorais de um fonograma (faixa musical com voz gravada) têm duração de 70 anos a partir da sua primeira publicação; os direitos mecânicos de composição de uma canção duram 70 anos após a morte do compositor, após esse prazo a obra passa a pertencer ao domínio público no dia 1 de janeiro do ano seguinte, e, caso a obra não tenha autor conhecido (o que não é o caso do hino do Corinthians), passará a ser de domínio público 70 anos após a publicação da composição da canção. Neste caso, se o tribunal concordar com as editoras musicais, o Clube terá que esperar até 2055 para poder utilizar livremente o seu hino.


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A importância de uma música

 

Além da comodidade e da economia que representará para o Corinthians ser reconhecido como mais um titular dos direitos autorais do Campeão dos Campeões, a defesa do uso gratuito do hino tem um valor fundamental: ajuda a comunidade do entorno do time a se reconhecer como parte de um grupo coeso, assim como ajuda a dar identidade a uma marca valiosa.

 

Especialistas garantem que hinos e músicas no futebol são uma forma de se sentir parte de um grupo e expressar sua identidade, mesmo dentro de um grupo formado por milhares de pessoas, além de conferir aos seus times uma identidade própria e independente, algo que os marca e acaba fazendo parte do seu patrimônio cultural. Como diz Andrew Lawn, em seu livro We Lose Every Week: The History Of Football Chanting, “é um exemplo de comunidade que conta a sua própria história sem ter que recorrer a jornalistas, autores, televisão ou qualquer outra coisa. É uma oportunidade para você realmente se expressar naquele momento”.

 

A importância das canções de futebol é tal que são tidas em conta na construção de novos estádios, como é o caso do estádio Tottenham Hotspur Football Club em Londres, inaugurado em 2019, construído de tal forma que a sua acústica ajuda a criar uma atmosfera envolvente no campo e nas arquibancadas, para quando os torcedores começarem a cantar os diversos cantos e o hino do time.


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Os cantos no futebol (e em outros esportes) também têm valor intrínseco com base no fato de poderem tornar-se tão distintos que partes deles podem ser registrados como marcas comerciais, como o Liverpool FC tentou fazer em 2018 com a marca allez allez allez. A equipe pretendia registrá-la na classe 25 no Gabinete de Propriedade Intelectual do Reino Unido para comercializar vestuário, calçado, chapelaria, trajes de banho e uniformes de futebol sob essa marca, entretanto o seu pedido foi negado por não ser suficientemente distintivo e porque os fãs de outras equipes europeias (como FC Porto e Atlético Madrid) utilizam a mesma palavra francesa nos seus jogos.

 

É claro que registrar uma frase de um hino ou canto de futebol poderia atrair um processo de direitos autorais (talvez a frase ou verso coincida com obras protegidas por direitos autorais), mas isso é improvável porque tais frases raramente constituem uma obra original. Da mesma forma, o registro de uma parte dos “gritos de guerra” de uma equipe de futebol lhe permitiria perseguir legalmente terceiros que pretendam lucrar com a melodia ou letra de um hino registrado, exatamente da mesma forma que a Musical Corisco e a Musiclave estão apontando ao Corinthians a infração de seus direitos autorais.

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