Os avanços da Lei Geral do Esporte para a propriedade intelectual

A pirataria das marcas esportivas causa um prejuízo de 9 bilhões de reais por ano no país, segundo um estudo Ipec/Agência Brasil
A pirataria das marcas esportivas causa um prejuízo de 9 bilhões de reais por ano no país, segundo um estudo Ipec/Agência Brasil
Norma promulgada agora no meio do ano promete diminuir pirataria que tira receita dos clubes desportivos.
Fecha de publicación: 13/08/2023

No Brasil, a pirataria de marcas esportivas, principalmente de clubes de futebol, causa um prejuízo de 9 bilhões de reais por ano, segundo estudo do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) encomendado pela Ápice (Associação da Indústria e Comércio do Esporte), representante de algumas das maiores empresas de artigos esportivos do mundo. Estima-se que 4 em cada 10 camisas de clubes de futebol vendidas aqui sejam piratas, o que equivale a 150 milhões de peças falsificadas.

Esse problema é aquele que o Sistema Desportivo Nacional tratou com a Lei Geral do Esporte (Lei 14.589/2023) e que trouxe diversos avanços. Uma das principais foi unificar a legislação do setor em um único documento, já que reunia a Lei Pelé, o Estatuto do Torcedor e a Lei da Bolsa Esportiva, e delimitava também as competências da União, estados e municípios no país. A partir de agora, e graças a esta lei, quem for flagrado cometendo o crime de pirataria contra um clube esportivo, por exemplo, além de perder a mercadoria, deverá indenizar os donos da marca por danos morais e materiais.

Essa lei aborda as questões de violação dos direitos de Propriedade Intelectual em cinco artigos, que incluem o uso indevido de escudos oficiais, marcas, hinos e sinais distintivos das organizações desportivas (artigo 168.º), para os quais prevê pena de prisão de 3 meses a 1 ano ou multa; se o uso indevido estiver associado à exploração comercial de qualquer natureza (art. 169), a pena é de 2 a 4 anos, além de multa. Nesse caso específico, a ação é tornada pública incondicionalmente, portanto, o Ministério Público não precisa de autorização de ninguém para fazer a denúncia.


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Essa mudança representa um grande avanço no combate à pirataria: a punição dos culpados poderá ser mais rápida, porque não há mais a necessidade de apresentação de queixas-crime. Dependendo do caso, não serão mais necessárias as perícias técnicas, que aumentavam o tempo do início do processo penal, além de encarecer financeiramente o dono da marca lesada pela pirataria.

“Isso dá margem para que o combate à pirataria alcance outro patamar, outra escala. Dificilmente as associações esportivas teriam braço, recurso ou interesse em iniciar uma ação penal contra alguém que vende uma camiseta na frente do estádio. Isso não seria interessante para eles e fazia com que esse tipo de prática passasse impune. São tantos os agentes e é tão limitado o alcance das organizações esportivas em relação à grande quantidade de pessoas que cometem pirataria que, normalmente, nada acontecia”, afirma Isadora Michelotto, advogada especializada em Propriedade Intelectual do escritório BZCP Advogados.

A divulgação ou exposição de marcas sem o devido licenciamento, para fins de ações comerciais ou de marketing (artigos 170 e 171), prevê penas de 3 meses a 1 ano, ou multa. O Art. 170 inclui até mesmo a situação de vinculação de uso de ingressos ou quaisquer tipos de acesso a eventos esportivos e ações publicitárias ou comerciais, com a intenção de obter vantagem econômica. Isso pode criminalizar, por exemplo, as empresas responsáveis pelas promoções publicitárias.


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“Traçando um comparativo entre os artigos da nova lei com o disposto na Lei da Propriedade Industrial, no capítulo relativo aos crimes de Propriedade Industrial, notamos que a pena passou de um a três anos de detenção ou multa, para dois a quatro anos de reclusão e multa. Podemos constatar que houve um aumento no grau da punibilidade quando a vítima for uma Organização Esportiva, gerando para o seu autor os efeitos da persecução criminal comum”, explica Fernanda Rosa Picosse, especialista em Propriedade Intelectual e sócia de uma consultoria especializada em marcas e patentes.

A Lei Pelé já dispunha que os direitos sobre as marcas, símbolos, escudos dos times e organizações esportivas eram de propriedade exclusiva dessas entidades, independentemente de registro no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual, o INPI, e com vigência indeterminada. Em contrapartida, a Lei da Propriedade Industrial define que o uso exclusivo sobre uma marca depende exclusivamente do registro expedido, que foi requerido pelo titular do direito autoral e dentro do ramo de atividade do clube.

O licenciamento de ativos de propriedade intelectual é um dos principais ganhos financeiros dos times e organizações esportivas e, na maioria das vezes, os produtos licenciados nada têm a ver com as atividades esportivas desempenhadas pelos clubes. Por isso, a importância do registro de marca junto ao INPI, tanto para a arrecadação de receitas vindas de contratos de licenciamento, como para eventuais ações judiciais com indenização de uso indevido de marca, o que inclui ações de busca e apreensão de objetos pirateados de marcas registradas.


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“Diante disso, deve-se aumentar a fiscalização, com mais investimentos em pessoal especializado, fornecendo todo respaldo a fim de impedir o prejuízo desenfreado ocasionado por esse crime. Nesse sentido, as federações, clubes e autoridades precisam estar em harmonia e juntos cooperar para que o combate de fato se torne efetivo”, avalia Thiago Elias, especialista em direito desportivo do Ferrareze & Freitas Advogados.

Mercado de jogos eletrônicos

Entre os 218 artigos do texto, a emenda 89, que traria mudanças aos dispositivos voltados para os esportes eletrônicos (eSports) no Brasil, foi rejeitada pelos senadores. A emenda, cuja proposta foi enviada pela senadora Rose de Freitas, tinha o objetivo de centralizar as regras no país na Confederação Brasileira do Desporto Eletrônico (CBDEL), concedendo mais poderes e benefícios à entidade. 

A emenda foi contestada por empresas do setor, porque, caso fosse aprovada, a CBDEL ganharia status de entidade máxima para o segmento de jogos eletrônicos no Brasil, atuando como centralizadora de regras e diretrizes para diferentes jogos eletrônicos, passando a receber recursos da arrecadação da loteria de prognósticos numéricos, assim como o Comitê Olímpico do Brasil (COB)

Segundo o advogado especializado em Games e eSports, Marcelo Mattoso Ferreira, sócio do escritório Barcellos Tucunduva Advogados (BTLaw), a decisão é motivo de discussão na sociedade, porque trata de um segmento em ascensão. Em sua avaliação, a rejeição da emenda evitou riscos maiores. 


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“O mercado de esportes eletrônicos possui peculiaridades que inviabilizam um subsistema esportivo próprio, já que as competições, regras e diretrizes partem das publishers/developers, detentoras da propriedade intelectual dos jogos eletrônicos. Centralizar isso em algum ente acabaria por inviabilizar o mercado, o que não seria bom para ninguém”, explica o advogado.

De acordo com os especialistas, a previsão é que a Lei Geral do Esporte diminua muitos dos crimes contra a Propriedade Intelectual, com o aumento das penas que já eram previstas em lei. A expectativa é de que a prática da pirataria seja desestimulada, diminuindo o prejuízo das organizações esportivas com a exploração deste tipo de produto no Brasil.

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