Além do esgotamento: compreendendo as dimensões do Burnout

Com o reconhecimento pela OMS do Burnout como doença ocupacional, houve um aumento de mais de 100% de decisões proferidas envolvendo a síndrome./Canva
Com o reconhecimento pela OMS do Burnout como doença ocupacional, houve um aumento de mais de 100% de decisões proferidas envolvendo a síndrome./Canva
Setembro Amarelo retoma abordagens sobre medidas preventivas e de combate ao crescente número de doenças e transtornos mentais causados pelo ambiente de trabalho.
Fecha de publicación: 15/09/2023

Passado mais de um ano, desde que a síndrome do Burnout, amplamente associada ao esgotamento profissional, foi reconhecida como doença profissional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), houve um aumento significativo das discussões ao redor do tema.

Na prática, os profissionais com diagnóstico de Burnout podem ter os mesmos direitos e garantias trabalhistas decorrentes de uma doença ocupacional, como já ocorria com outras doenças.

Aproveitando o “Setembro Amarelo”, mês de prevenção ao suicídio, retomam as abordagens sobre as medidas preventivas e de combate ao crescente número de doenças e transtornos mentais, tendo como agente causador o ambiente de trabalho.

No Brasil, entre 2010 e 2019, ocorreram 112.230 mortes por suicídio. No período, houve um aumento de 43% no número anual de vítimas — de 9.454 em 2010 para 13.523 em 2019, segundo dados do Ministério da Saúde.


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Já a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2019, indicou que 10,2% das pessoas com 18 anos ou mais foram diagnosticadas com depressão no território nacional.

No panorama internacional, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou em junho de 2022 um importante relatório sobre saúde mental, chamado de “World Mental Health Report”.. O levantamento indicou que no ano de 2019, quase um bilhão de pessoas viviam com algum transtorno mental.

Segundo o mesmo relatório, uma em cada oito pessoas no mundo vive com algum transtorno mental. A prevalência de diferentes transtornos mentais varia de acordo com o sexo e a idade. Tanto em homens quanto em mulheres, os transtornos de ansiedade e depressivos são os mais comuns.

O suicídio afeta pessoas e famílias de todos os países e contextos, e em todas as idades. Globalmente, pode haver 20 tentativas de suicídio para cada uma morte. Ainda assim, o suicídio é responsável por mais de uma em cada 100 mortes. E 58% dos suicídios ocorreram antes dos 50 anos de idade, sendo essa uma das principais causas de morte entre jovens.

Além disso, a mesma pesquisa indicou que os transtornos mentais são a principal causa de incapacidade. O relatório busca convocar todos os países a acelerarem a implementação do Plano de Ação Integral de Saúde Mental 2013–2030. O programa foi criado durante uma assembleia realizada em 2013 com os ministros da Saúde dos Estados membros, sendo o primeiro Plano dessa natureza na OMS, um marco no reconhecimento da importância da saúde mental.

Sobre o Burnout, o reconhecimento da OMS mudou completamente a forma de encarar essa síndrome. Trouxe uma maior preocupação em torno da relação entre empresa e colaborador, já que o empregador sempre teve o dever de assegurar um meio ambiente de trabalho seguro e saudável, protegendo o funcionário contra danos à saúde mental ou física, conforme o artigo 7, inciso XXII da CF (redução dos riscos ocupacionais).


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A responsabilidade das empresas passa a ser um aspecto central para a adoção e implementação de medidas preventivas, por meio de um planejamento que avalie os riscos decorrentes da ausência de desconexão com o trabalho e outros fatores de riscos, como uma má gestão.

Mas o conceito do Burnout, somente atrelado ao esgotamento, não é mais suficiente para compreendê-lo, além de reduzir as alternativas e possibilidades de combate e mitigação de riscos. Primeiro, porque o esgotamento ligado ao Burnout está muito associado ao fato de uma pessoa continuar com suas atividades profissionais “a todo vapor”, mesmo em exaustão. Não se trata apenas de um estresse ou uma fadiga, que poderiam ser solucionados com um período de descanso.

O Burnout parte de uma lacuna entre o ideal de trabalho e a realidade do trabalho, principalmente em decorrência de uma cultura que associou, ao longo de anos, o trabalho à dignidade, ao status social ou a um propósito de vida. Isso significa dizer que é preciso ir além do esgotamento para entender as causas e consequências do Burnout na vida das pessoas.

Alguns pesquisadores já têm tratado o Burnout como um espectro, em que diferentes experiências de gravidade se misturam, como descrito no livro “O fim do Burnout”, de Jonathan Malesic. Na obra, o autor coloca o Burnout como uma epidemia social, reforçando que o cinismo, a sensação de ineficácia e frustração desempenham um papel crucial na experiência do Burnout.

Por meio de uma pesquisa no site do TRT/SP da 2ª Região, foi possível identificar que, até dezembro de 2021, foram proferidas 481 decisões envolvendo de alguma forma o Burnout. Após seu reconhecimento como doença ocupacional pela OMS, a partir de janeiro de 2022, esse número saltou para 1153. Ou seja, houve um aumento de mais de 100% de decisões proferidas envolvendo a síndrome.


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Isso não revela apenas um aumento de processos discutindo o Burnout, mas que a inclusão dessa síndrome no CID-11 gerou uma maior reflexão no Direito Trabalhista. O tema hoje vem sendo amplamente buscado e discutido no Judiciário, como tantas outras doenças com nexo com o trabalho.

A principal forma de combate ainda é a prevenção que, sem dúvida, envolve o respeito ao direito à desconexão. Isso nada mais é do que o direito do colaborador se desligar, de fato e concretamente, do trabalho, principalmente com os horários de pausas entre uma jornada e outra.

Parece meio óbvio, já que estamos falando isso há tanto tempo, mas é exatamente a dificuldade de desconexão que acaba mantendo as pessoas vinculadas ou conectadas ao trabalho por mais de 12 horas por dia. A utilização da tecnologia em larga escala apenas intensificou esse problema.

Além disso, pensando no Burnout não apenas como esgotamento, mas como uma quebra ou frustração dos ideais de trabalho, vale sempre fomentar uma cultura de valorização pessoal e humana no ambiente corporativo, reforçada por uma comunicação não-violenta e uma liderança preparada para gerenciar pessoas, com o desenvolvimento das chamadas soft skills (habilidades comportamentais).

Nesse sentido, alguns fatores como a falta de perspectiva, ausência de incentivo por parte da liderança, a falta de uma rede de apoio, seja no trabalho ou na vida pessoal, o microgerenciamento ou controle excessivo da equipe, a falta de autonomia e confiança podem estar diretamente ligadas ao desencadeamento do Burnout.


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A prevenção também envolve um engajamento coletivo, pensando, principalmente, que o Burnout representa a cultura social da exaustão que apenas se intensificou nos últimos anos. É de suma importância que as empresas criem estruturas organizacionais mais adequadas ao meio ambiente de trabalho saudável, por meio de indicadores e metas vinculadas à questões não financeiras. É essencial, por exemplo, zerar o número de casos de assédio moral e sexual nas empresas para que todos contribuam com práticas sustentáveis inseridas na relação empregado e empregador.

Outro aspecto importante é a implementação de uma política de remuneração que inclua aspectos do "salário emocional”, que trata de incentivos motivacionais que a empresa oferece aos seus colaboradores, visando a criação de uma cultura de pertencimento e na lógica do “Bem Viver”. É evidente que essa pode ser uma ferramenta essencial de combate ao Burnout.

As pessoas continuarão sendo o maior ativo dentro das empresas, com enorme capacidade produtiva e de inovação. Sonegar a importância do direito humano ao cuidado e ao autocuidado é assumir um risco inestimável para os negócios.

*Fernanda Perregil é sócia do DSA Advogados e vice-presidente da Comissão de Direito Antidiscriminatório do IASP.

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