O quiet quitting afeta a reputação das firmas de serviços jurídicos?

Não vale a pena arriscar o capital reputacional ou os objetivos comerciais de um escritório de advocacia para fechar os olhos a esse fenômeno. /Canva.
Não vale a pena arriscar o capital reputacional ou os objetivos comerciais de um escritório de advocacia para fechar os olhos a esse fenômeno. /Canva.
Tudo indica que a atenção que a firma dá ao seu capital humano faz parte de uma estratégia de sucesso para fins de imagem e reputação da empresa no mercado.
Fecha de publicación: 16/11/2022

Em contraste com seu nome, a demissão silenciosa tem sido objeto de muito barulho nas últimas semanas. O termo está ligado ao mundo profissional e corporativo e se refere ao comportamento de um ou mais membros de uma organização que reflete falta de comprometimento e desmotivação para o trabalho, aparentemente produto do burnout ocupacional (reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como uma doença profissional) e da tendência a deixar para trás a “cultura do sacrifício”.

A demissão silenciosa — ou quiet quitting, em inglês — é aquela situação em que um funcionário apenas cumpre as tarefas indicadas na descrição de seu trabalho e não leva seus esforços além do que foi solicitado ou do que se espera dele. Não se trata de manifestação de vontade de deixar o cargo: o trabalhador permanece lá e cumpre suas obrigações, mas se demite silenciosamente. Parece confuso, mas não é.

Em um escritório de advocacia, a demissão silenciosa é observada quando um advogado, embora não faça mal o seu trabalho, perde a motivação para realizar as tarefas de que participa, bem como as atividades e desenvolvimentos gerais do escritório e, portanto, reduz sua participação ao mínimo necessário.

Esse comportamento dos advogados pode atrapalhar a dinâmica de trabalho, gerar uma matriz de opinião negativa nos sócios e, eventualmente, afetar o relacionamento com os clientes. Consequentemente, tem um impacto negativo na reputação e na marca do empregador, ou seja, na capacidade de atrair e reter talentos de qualidade para trabalhar na empresa. Essa capacidade compreende o conjunto de estratégias de marketing implementadas para mostrar por que a organização é o melhor lugar para se trabalhar.


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A atuação de uma firma não se limita à resolução de um caso, emissão de parecer ou fechamento de negócio. Pelo contrário, o serviço jurídico tem uma abrangência maior, que, em geral, se baseia no apoio contínuo, na pesquisa e na procura de soluções criativas e no desenho de situações ótimas para os negócios dos clientes. Tudo isso exige uma atitude de comprometimento por parte dos advogados e de toda a equipe de trabalho.

A consultoria americana Gallup define comprometimento como a participação e o entusiasmo dos funcionários em relação ao seu trabalho e à empresa em que trabalham. Além disso, garante que os colaboradores comprometidos com a organização são mais autônomos na tomada de decisões e mais resilientes. Segundo a consultoria, seus estudos nos últimos 50 anos mostram que funcionários engajados produzem melhores resultados de negócios em todos os setores, de todos os tamanhos, em qualquer país e em boa ou má situação econômica.

No entanto, de acordo com dados extraídos em junho, pela própria Gallup, “pelo menos metade da força de trabalho dos EUA está se demitindo silenciosamente”.

Na América Latina, a Pesquisa Global de Atitudes em Benefícios ― América Latina, realizada pela consultoria WTW entre o final de 2021 e o início de 2022, mostrou que 45% dos trabalhadores consultados em nível regional reconheceram estar abertos a novas ofertas de emprego ou planejando sair.

Claramente, algo está acontecendo.

No caso dos escritórios de advocacia, embora ainda não tenhamos números sobre o comportamento do setor diante da demissão silenciosa, fica claro que uma equipe de profissionais desmotivada faz um desserviço à organização, principalmente se a gestão vem investindo tempo e recursos em identidade corporativa e branding da empresa.

O mercado jurídico está cada vez mais competitivo, portanto, o impacto que um fenômeno como a demissão silenciosa pode causar não deve ser subestimado, principalmente na percepção dos clientes sobre a atuação da equipe de advogados e na percepção do mercado quanto à cultura de trabalho da firma.

Não vale a pena colocar em risco o capital reputacional ou os objetivos comerciais de uma firma de advocacia, fazendo vista grossa diante desse fenômeno.


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Então, o que as firmas podem fazer?

A Gallup afirma que a demissão silenciosa é um “sintoma de má gestão”, portanto, não é descabido dizer que uma má gestão jurídica pode causar esse tipo de comportamento nas firmas. De acordo com a Gallup, o engajamento dos funcionários diz muito sobre a marca do empregador e representa uma vantagem competitiva no mercado.

Isso tem que alertar as firmas, mas também incentivá-las a repensar a mensagem que estão transmitindo internamente, bem como em sua linha de comunicação externa, para que possam fazer os ajustes necessários.

Os escritórios de advocacia devem garantir um ambiente de trabalho que inspire confiança e comprometimento em seus operadores, da mesma forma que acontece com seus clientes. No entanto, é fundamental a preservação da saúde física e mental de seus advogados, bem como o respeito à sua vida pessoal e social.

Isso se alcança por meio do fortalecimento de sua marca empregadora, por meio de uma proposta de valor genuína, concreta e robusta em sua cultura organizacional, que tem a ver com o que significa trabalhar para a empresa. Para isso, deve ser adotada uma postura de escuta ativa e comunicação constante com os advogados e com o restante da equipe, distribuindo tarefas de forma equitativa, abandonando práticas de micro gestão (micromanagement em inglês), estabelecendo e respeitando limites convenientes e sendo coerentes com a mensagem inequívoca que o esforço investido e o alcance dos objetivos são devidamente reconhecidos. Não é preciso dizer que a cultura de transparência e a consistência da marca são essenciais.

O que comunicar?

Já dissemos que os advogados da sociedade são os principais embaixadores da marca e que, por isso, os sócios-diretores devem assumir a responsabilidade de proporcionar à sua equipe um ambiente profissional suficientemente atrativo, para que os seus advogados se sintam genuinamente comprometidos.

Inevitavelmente, essas práticas servem como referência tanto para a percepção que os clientes têm da empresa, quanto para a atração de talentos, pois é uma demonstração da construção positiva da marca do empregador.

Tudo isso deve ser comunicado de forma eficaz, tanto interna quanto externamente; por exemplo, usando as ferramentas disponibilizadas pelas redes sociais como o LinkedIn, que, por sua natureza corporativa, tem maiores possibilidades de reunir potenciais candidatos para eventualmente ingressar na empresa e potenciais clientes.

Por exemplo, se uma empresa implementa um comitê de diversidade e inclusão, ou faz parte de uma organização que promove a redução da disparidade salarial entre homens e mulheres, ela não pode perder a oportunidade de comunicar esses feitos, da mesma forma que faz com uma transação de alto nível ou com reconhecimento em um ranking.

Da mesma forma, incorporar estratégias de comunicação como storytelling em alguns conteúdos pode ser inspirador e atrativo. De fato, temos visto uma tendência interessante nas comunicações de escritórios focadas em humanizar a organização, permitindo que a voz do escritório seja expressa por meio de advogados e sócios, que também devem estar alinhados com as publicações, compartilhando opiniões e reações em seus perfis individuais.

Claro que há questões que devem ser tratadas exclusivamente internamente, mas em geral, tudo o que envolve o fortalecimento da marca empregadora deve ser conhecido pelos clientes, associados, concorrentes e potenciais candidatos.


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Tudo indica que a atenção que a firma dá ao seu capital humano faz parte de uma estratégia de sucesso para fins de imagem e reputação da empresa no mercado.

Prova disso é a conclusão do Financial Times, no âmbito do seu ranking anual de firmas na Europa. Segundo esta publicação, as firmas atuais tendem a ser mais bem-sucedidas na medida em que dão visibilidade ao seu propósito, adentram o território da transformação digital e oferecem aos seus colaboradores esquemas de trabalho mais amigáveis, sem sacrificar a produtividade.

No caso da América Latina, apenas olhando a timeline do LinkedIn de algumas das firmas mais reconhecidas, percebemos o quão relevante e vantajoso é contar o que se faz na organização para consolidar as equipes de trabalho. Podemos ver desde um escritório de advocacia no Chile, celebrando um associado que lançou seu primeiro livro sobre batalhas medievais, até um escritório na Venezuela que se orgulha de ser o primeiro naquele país a obter a certificação internacional Great Place to Work.

Sem dúvida, o olhar das firmas está se expandindo para serem mais competitivas no mercado. E esta é a nossa recomendação: fazer autocrítica e reflexão sobre como gerir pequenas e médias firmas. É preciso conhecer e reconhecer os membros da equipe, liderar espaços de expansão profissional e até mesmo aqueles propícios ao desenvolvimento pessoal. Investir em remunerações e bônus materiais e imateriais. Agregar valor tanto no atendimento ao cliente quanto na dinâmica interna da organização.

Os escritórios de advocacia que conseguirem pensar fora da caixa e lidar com essas questões de gestão e seus riscos, como a demissão silenciosa, serão os mais propensos a consolidar suas operações, aumentar suas receitas e se estabelecer no setor, pois o resultado do trabalho de uma equipe capacitada e comprometida é a carta de apresentação ideal para o mercado competitivo e a melhor forma de preservar o capital reputacional de uma firma.

*Yariana Pérez é consultora de marketing jurídico da Leega MKT.

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