Sobretudo ao longo da última década – e com especial impulso dentro dos anos de pandemia – foi possível observar uma expansão significativa da digitalização dentro do ambiente de negócios brasileiro e global, a partir de inovações que incluem as tecnologias de inteligência artificial e machine learning nas mais diversas áreas de um negócio.
Nesse contexto, ferramentas que se propõem a atribuir mais eficiência e praticidade a determinadas atividades, por meio, sobretudo, da análise algorítmica de grandes volumes de dados, tem aberto também toda uma gama de debate acerca dos limites dessas tecnologias e, consequentemente, da regulação de seu uso.
Isso porque, com o aumento da utilização de robôs em processos que até então eram desempenhados por humanos, tornou-se necessário, por exemplo, entender a existência de vieses por parte das máquinas – e de que forma esse aspecto pode impactar a relação entre pessoas e empresas.
Tal questão passa a interessar a esfera trabalhista quando consideramos que o uso de IA tem se expandido em departamentos de recursos humanos, incluindo os processos de recrutamento e seleção. Há algum risco claro nesse cenário e, ato contínuo, um arcabouço legal que proteja trabalhadores e organizações?
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Inteligência artificial na área de recursos humanos
Dentro das empresas, pode-se considerar que o setor de RH e gestão de pessoas como um dos mais impactados pelo uso de tecnologia – tanto por lidar recorrentemente com burocracias e trabalhos manuais e operacionais quanto pelas transformações dinâmicas ocorridas no último biênio em termos de mercado e formatos de trabalho.
Para se ter uma ideia, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.Br), 22% dos pequenos negócios e 37% das grandes empresas já adotavam, no final de 2021, o uso de inteligência artificial a partir de softwares de gestão de RH.
Além disso, diversas soluções tecnológicas voltadas para o segmento existem com o propósito de transformar os processos inerentes à área, principalmente aqueles relacionados a atração e contratação de novos funcionários – e a jornada dos colaboradores de modo geral.
E, apesar de ser possível vislumbrar benefícios objetivos dessa utilização, é fundamental – até para a própria evolução da implantação dessas tecnologias – que se discuta a elaboração de regulações e legislações em torno dessa questão.
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A existência de vieses
Conforme apontado em pesquisa da Forrester, a expectativa é a de que, até 2025, quase 100% das organizações já farão uso de inteligência artificial em seus processos.
Contudo, a disseminação do uso dessa tecnologia tem criado uma preocupação crescente acerca dos vieses próprios da operação dessas ferramentas – sobretudo em situações em que a IA faz análises e toma decisões que podem ser sistematicamente injustas para alguns grupos de pessoas.
Assim, se pensarmos em sua aplicação em processos seletivos para contratação, por exemplo, é fundamental a criação de um cenário – interno e externo às empresas – que possibilite a elaboração de boas práticas, de modo a mitigar eventuais riscos de que essas situações aconteçam.
Esse ponto se torna ainda mais relevante dentro de um contexto de avanço das exigências sobre políticas de inclusão e ESG nas empresas.
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Legislação e precedente estrangeiro
No início de julho deste ano, entrou em vigor na cidade de Nova York a regulação que exige “auditorias de viés” em empresas que fazem uso de inteligência artificial nos processos de seleção de candidatos e promoção de funcionários.
A partir da lei, determina-se que todas as organizações e agências de emprego que utilizam ferramentas automatizadas para essas atividades realizem auditorias anuais nos algoritmos, de forma pública – justamente para entender o nível de impacto da IA na contratação de pessoas de determinada etnia, raça ou sexo.
No Brasil, ainda não há uma legislação específica que discorra sobre Inteligência Artificial e suas aplicações, mas está em trâmite no Senado o Marco Legal para Inteligência Artificial (PL 2338/2023), com o propósito de, conforme o Art. 1º, “estabelecer normas gerais de caráter nacional para o desenvolvimento, implementação e uso responsável de sistemas de inteligência artificial no Brasil, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais e garantir a implementação de sistemas seguros e confiáveis, em benefício da pessoa humana, do regime democrático e do desenvolvimento científico e tecnológico”.
Além disso, conforme consta no Art. 5º, inciso V do PL, pessoas afetadas por sistemas de inteligência artificial têm o “direito à não-discriminação e à correção de vieses discriminatórios diretos, indiretos, ilegais ou abusivos”.
Por fim, deve-se também observar o tratamento de qualquer tipo de dado dos possíveis candidatos e empregados à luz da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
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Conclusão
Conforme apontado no início deste artigo, ferramentas baseadas em inteligência artificial têm a proposta, a rigor, de tornar determinados processos mais eficientes, de forma também a gerar tempo e potencial de aproveitamento do trabalho humano para atividades mais estratégicas e de cunho decisório.
Contudo, é essencial que, paralelamente ao desenvolvimento da IA, o avanço regulatório também ocorra, haja vista que a inovações disruptivas não são mais somente uma tendência, mas uma realidade dentro de um mercado que vive uma verdadeira corrida tecnológica.
Nesse sentido, de pronto, é importante que as empresas mantenham no radar possíveis mudanças legislativas no decurso dos próximos anos e a expectativa é de que leis como o Marco Legal para Inteligência Artificial tragam mais clareza e segurança para empregados, empresas e ajudem a desenhar um futuro em que máquinas e humanos, possivelmente, caminharão em conjunto.
*Dhyego Pontes é Consultor Trabalhista e Previdenciário da Grounds.
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